
Saúde Mental de Bombeiros: Família e Bem-Estar
Informações do documento
Autor | Inês Sofia Dos Santos Andrade |
instructor/editor | Professora Doutora Joana Sequeira |
Escola | ISMT |
Curso | Psicologia Clínica, Ramo de Especialização Terapias Familiares e Sistémicas |
Tipo de documento | Dissertação de Mestrado |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 1.09 MB |
Resumo
I.Metodologia e Instrumentos de Recolha de Dados
Este estudo investigou a saúde mental e o funcionamento familiar de bombeiros portugueses. Participaram 232 bombeiros (97 mulheres e 135 homens), com idades entre 18 e 61 anos, de diversas corporações do país. A recolha de dados utilizou um Questionário Sociodemográfico, a Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scale (FACES IV) e o Inventário de Saúde Mental (MHI-5) para avaliar a coesão familiar, flexibilidade familiar, comunicação familiar, satisfação familiar, e indicadores de saúde mental (ansiedade, depressão, bem-estar psicológico).
1. Amostra e Participantes
O estudo envolveu uma amostra de 232 bombeiros de diversas corporações em Portugal, composta por 97 mulheres e 135 homens, com idades entre 18 e 61 anos. Esta diversidade na composição da amostra permite uma análise mais abrangente da saúde mental e funcionamento familiar dentro da população de bombeiros portugueses, considerando as variáveis de gênero e faixa etária. A representatividade da amostra, contudo, é um ponto a ser considerado futuramente, uma vez que não abrange bombeiros de todas as corporações do país. A seleção da amostra, apesar de diversificada, poderá influenciar a generalização dos resultados obtidos para toda a população de bombeiros portugueses. A caracterização demográfica detalhada dos participantes foi feita através de um Questionário Sociodemográfico, que forneceu informações cruciais para a análise dos resultados, permitindo a comparação entre diferentes grupos e a identificação de potenciais fatores de influência.
2. Instrumentos de Recolha de Dados
Para avaliar a saúde mental e o funcionamento familiar dos bombeiros, foram utilizados três instrumentos principais: um Questionário Sociodemográfico, a Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scale (FACES IV), e o Inventário de Saúde Mental (MHI-5). O Questionário Sociodemográfico coletou informações básicas sobre os participantes, como idade, sexo, estado civil, tipologia familiar e papel no agregado familiar. A FACES IV, uma escala de autoavaliação familiar, serviu para medir a coesão familiar, flexibilidade familiar e comunicação familiar. Já o MHI-5, um inventário de saúde mental, forneceu dados sobre quatro dimensões: ansiedade, depressão, perda de controlo emocional-comportamental e bem-estar psicológico. A escolha destes instrumentos teve como objetivo obter uma avaliação abrangente e multifacetada da saúde mental e do funcionamento familiar dos bombeiros, considerando os aspetos tanto individuais como familiares. A utilização de instrumentos validados, como a FACES IV e o MHI-5, assegura a confiabilidade e validade das medidas obtidas, permitindo uma análise rigorosa dos dados recolhidos.
3. Procedimentos e Análise Estatística
Antes da aplicação dos instrumentos, o protocolo de investigação foi definido, incluindo a elaboração de um termo de consentimento informado e a obtenção da autorização dos autores dos instrumentos utilizados. Após a recolha dos dados, a análise estatística foi realizada utilizando o programa SPSS versão 21.0. Foram feitas análises descritivas, calculando-se medidas de tendência central e de dispersão, e foram verificadas as medidas de assimetria e curtose para avaliar a normalidade da distribuição das variáveis. Apesar de a maioria das variáveis não apresentarem distribuição normal, segundo o teste de Kolmogorov-Smirnov, utilizaram-se testes paramétricos em virtude do tamanho da amostra ser superior a 30. As análises incluíram testes t de Student para amostras independentes para comparar as diferenças entre grupos (sexo) e ANOVA para explorar diferenças em função da idade, estado civil, tipologia familiar e papel no agregado familiar. Correlações de Pearson foram usadas para investigar associações entre o funcionamento familiar e a saúde mental. Este rigor metodológico é fundamental para garantir a validade interna e externa do estudo e a confiabilidade dos resultados obtidos.
II.Resultados Funcionamento Familiar
Os resultados indicaram que os bombeiros percebem o funcionamento familiar como equilibrado, com alta coesão familiar e alta flexibilidade familiar. No entanto, a satisfação familiar foi avaliada como baixa. Diferenças significativas foram encontradas na subescala 'emaranhada' (maior pontuação em outros familiares) e 'desmembrada' (maior pontuação em filhos). A percepção de coesão familiar foi maior entre as mulheres.
III.Resultados Saúde Mental
Apesar da profissão de risco, os bombeiros apresentaram níveis de saúde mental acima da média, demonstrando bem-estar psicológico. Este resultado contrasta com a literatura que aponta para maior risco de suicídio e burnout em bombeiros. Estudos anteriores mostram maiores taxas de depressão, stresse e problemas de saúde mental em mulheres bombeiras, em comparação com os homens.
1. Níveis de Saúde Mental em Bombeiros
Contrariamente ao esperado, considerando a natureza de risco da profissão, os resultados revelaram que os bombeiros participantes apresentaram níveis de saúde mental acima da média, indicando um elevado bem-estar psicológico. Este achado surpreendente contrasta com a literatura existente que frequentemente documenta altos índices de problemas de saúde mental entre bombeiros, incluindo depressão, stresse e outros distúrbios. A utilização do Inventário de Saúde Mental (MHI-5) permitiu avaliar com precisão as dimensões da ansiedade, depressão, perda de controlo emocional e bem-estar psicológico, fornecendo dados quantitativos para esta análise. A discrepância entre os resultados deste estudo e a literatura prévia levanta a questão da necessidade de investigações mais aprofundadas para compreender os fatores que contribuem para estes níveis de bem-estar psicológico observados na amostra, considerando fatores como resiliência individual, suporte social e estratégias de coping eficazes.
2. Comparação com a Literatura e Estudos Prévios
A literatura científica aponta para um risco aumentado de suicídio e burnout em bombeiros, frequentemente associado a altos níveis de stresse pós-traumático e abuso de substâncias. Estudos como o de Amato et al. (2010) demonstram que as mulheres bombeiras, especificamente, exibem indicadores mais elevados de depressão, stresse e défices na saúde mental geral, em comparação com os homens. A presente investigação, no entanto, apresenta um contraste com esses estudos, sugerindo a necessidade de investigar a fundo as razões para esta discrepância. A metodologia utilizada, incluindo a seleção da amostra e os instrumentos de avaliação, precisa ser analisada criticamente para compreender a possível influência nos resultados. A falta de concordância com os achados prévios destaca a complexidade dos fatores que influenciam a saúde mental em bombeiros e a necessidade de mais estudos para elucidar essas variáveis.
3. Fatores de Risco e Vulnerabilidade Suicídio e Abuso de Álcool
Apesar dos resultados positivos em relação à saúde mental geral da amostra, o estudo reconhece a importância da problemática do suicídio e consumo de álcool em bombeiros, temas recorrentes na literatura. Investigadores como Henderson et al. (2016) e Martin et al. (2017) destacam o suicídio como um problema de saúde pública subestimado nesta profissão. Um estudo com uma amostra de 2883 bombeiros, por exemplo, mostrou uma relação direta entre dependência alcoólica e risco de suicídio (Martin et al., 2017). Embora este estudo tenha apresentado resultados positivos em relação à saúde mental dos bombeiros participantes, a consciência sobre estes fatores de risco permanece essencial, ressaltando a importância de programas de apoio e prevenção para abordar essas questões e melhorar o bem-estar geral dessa população. A necessidade de ações preventivas, especialmente para grupos mais vulneráveis, é crucial para mitigar os riscos associados à profissão.
IV.Discussão e Conclusão Conflito Trabalho Família e Implicações
A baixa satisfação familiar relatada pelos bombeiros pode estar relacionada ao conflito trabalho-família, desafios contextuais (emprego, suporte social, etc.) e riscos inerentes à profissão. A pesquisa sugere a necessidade de intervenções que promovam o ajustamento ao contexto de adversidade, melhorem a saúde mental e fortaleçam o funcionamento familiar como fonte de suporte. A cultura da resistência à procura de ajuda em bombeiros é um desafio para a implementação de estratégias de intervenção em saúde mental.
1. Resultados Inesperados e Contrastes com a Literatura
Os resultados do estudo revelaram um nível de saúde mental acima da média nos bombeiros participantes, contrastando com a literatura que frequentemente associa a profissão a altos índices de problemas de saúde mental, como depressão, stresse e burnout. Esta discrepância entre os achados e a literatura prévia indica a necessidade de investigações mais profundas para compreender os fatores protetores presentes nesta amostra. A boa comunicação familiar relatada pelos bombeiros, apesar da baixa satisfação familiar, pode ser um fator relevante a ser explorado. A aparente contradição entre o bem-estar psicológico relatado e a realidade frequentemente documentada na literatura científica sobre a saúde mental dos bombeiros exige uma análise mais aprofundada, considerando a metodologia utilizada e as características específicas desta amostra. Futuras pesquisas deverão aprofundar a investigação sobre a relação entre o funcionamento familiar e a saúde mental nessa população.
2. Implicações do Conflito Trabalho Família na Satisfação Familiar
Apesar dos bons indicadores de saúde mental, a pesquisa revelou uma baixa satisfação familiar entre os bombeiros. Esta descoberta sugere a influência do conflito trabalho-família, um tema recorrente na literatura (Allen et al., 2000; Cowlishaw et al., 2014; Greenhaus et al., 2006), como um fator potencialmente negativo no bem-estar dos bombeiros e suas famílias. A exigência da profissão, com longas horas de trabalho e exposição a situações de risco, pode gerar tensões que afetam as relações familiares, levando à baixa satisfação. A distância física e emocional provocada pela natureza do trabalho dos bombeiros, bem como a sobrecarga de tarefas domésticas para o cônjuge que permanece em casa, podem contribuir para essa insatisfação. Esta descoberta ressalta a importância de considerar o contexto familiar e as dinâmicas entre trabalho e família na avaliação da saúde mental de bombeiros. Intervenções que visem mitigar o conflito trabalho-família podem ser cruciais para melhorar o bem-estar geral dos bombeiros e de suas famílias.
3. Considerações sobre a Cultura da Resistência e Necessidade de Intervenções
A cultura da resistência à procura de ajuda, comum entre bombeiros, representa um desafio significativo para a avaliação e intervenção em saúde mental. Sensibilizar os bombeiros sobre a importância de procurar apoio psicológico e social é fundamental, enfatizando que pedir ajuda não é sinônimo de fraqueza. A literatura oferece diversas estratégias de intervenção para prevenir problemas de saúde mental nessa população (Hokanson & Wirth, 2000; Capitaneo, Ribeiro, & Silva, 2012; Patri & Pietrantoni, 2010), incluindo treinamento em estratégias de coping, acesso a apoio psicológico e fortalecimento do suporte social. O estudo destaca a necessidade de programas de intervenção que abordem não só a saúde mental individual, mas também as dinâmicas familiares e o impacto do conflito trabalho-família, considerando a cultura organizacional e as barreiras que impedem a procura de ajuda. A promoção de um ambiente de trabalho e familiar mais saudável e suportivo é essencial para o bem-estar a longo prazo dos bombeiros.
V.Limitações e Futuras Direções
As limitações do estudo incluem o tamanho reduzido da amostra e a falta de representatividade de todas as corporações de bombeiros em Portugal. A pesquisa sugere a necessidade de estudos futuros com amostras maiores e representativas para aprofundar o conhecimento sobre o funcionamento familiar e a saúde mental dos bombeiros portugueses, incluindo metodologias qualitativas para uma melhor compreensão da experiência destes profissionais.
1. Tamanho da Amostra e Representatividade
Uma das principais limitações do estudo reside no tamanho reduzido da amostra e na sua falta de representatividade da população de bombeiros portugueses. A amostra, embora diversificada em termos de género e idade, não incluiu bombeiros de todas as corporações do país, o que limita a generalização dos resultados para toda a população-alvo. Esta limitação na representatividade geográfica e na abrangência das diferentes corporações de bombeiros em Portugal pode ter influenciado os resultados obtidos, impossibilitando conclusões definitivas sobre a saúde mental e o funcionamento familiar da população total de bombeiros em Portugal. Para superar esta limitação, estudos futuros devem priorizar o aumento do tamanho da amostra e a inclusão de bombeiros de todas as regiões e corporações do país, garantindo uma maior representatividade da população-alvo.
2. Natureza Transversal do Estudo e Causalidade
O estudo possui um desenho transversal, o que impede a estabelecimento de relações de causalidade entre as variáveis estudadas. As correlações encontradas não permitem afirmar com certeza que o funcionamento familiar causa diretamente impactos na saúde mental dos bombeiros, ou vice-versa. A natureza transversal do estudo apenas permite observar a associação entre as variáveis em um único ponto no tempo, sem permitir avaliar a evolução dessas variáveis ao longo do tempo. Para aprofundar a compreensão das relações entre saúde mental, funcionamento familiar e o trabalho dos bombeiros, estudos longitudinais são necessários, permitindo a observação das mudanças nas variáveis ao longo de um período mais extenso, e o estabelecimento de relações causais entre os fatores estudados.
3. Sugestões para Pesquisas Futuras
Para aprofundar o conhecimento sobre a saúde mental e o funcionamento familiar dos bombeiros portugueses, a replicação deste estudo com amostras maiores e representativas é crucial. A inclusão de metodologias qualitativas, através de entrevistas estruturadas, permitiria uma avaliação mais profunda da percepção dos bombeiros sobre o funcionamento familiar e a sua experiência em relação aos desafios da profissão. A exploração de variáveis adicionais, como o tipo de intervenção em situações de emergência, o nível de suporte social disponível e a experiência com eventos traumáticos, pode fornecer uma compreensão mais abrangente do fenómeno. Estudos futuros podem também investigar especificamente o impacto do conflito trabalho-família em diferentes tipos de famílias de bombeiros e explorar diferentes estratégias de intervenção para melhorar a saúde mental e o bem-estar desta população.