Consciência Masculina: potencialidades e desafios na criação de Grupos de Reflexão com Homens fora das Unidades de Saúde

Consciência Masculina: Grupos de Reflexão

Informações do documento

Autor

Daiani Scheffer

instructor Prof. Dra. Carmen Justina Gamarra
Escola

Instituto Latino-Americano de Ciências da Vida e da Natureza (ILACVN) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)

Curso Saúde Coletiva
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 1.74 MB

Resumo

I.Metodologia da Pesquisa Ação e Grupos de Reflexão

Este estudo utiliza a pesquisa-ação como metodologia principal para investigar as masculinidades e a saúde do homem. A coleta de dados se deu através de grupos de reflexão com homens de Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu e Serranópolis do Iguaçu, totalizando 12 encontros com cada grupo. A análise se baseou em análise de conteúdo, buscando identificar subsídios para ações de prevenção e promoção da saúde neste público, considerando as potencialidades e desafios do trabalho com homens fora das unidades de saúde. O projeto se inspirou no livro 'Palavra de Homem', resultante de um projeto anterior de pesquisa-ação com homens, que abordou temas como sexualidade, paternidade, saúde e trabalho.

II.Construções Sociais da Masculinidade e a Saúde

A pesquisa explora como a identidade masculina é socialmente construída, influenciando o acesso e a procura por serviços de saúde do homem. São analisadas as pressões sociais sobre os homens, a relação entre masculinidade e a negação da doença, e a influência de fatores como trabalho, família e sexualidade masculina na percepção e busca de cuidado com a saúde. A pesquisa aborda a visão estereotipada de que 'homem que é homem não fica doente', impactando diretamente a adesão a exames preventivos como o de câncer de próstata. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem é mencionada como um contexto importante para o entendimento das necessidades de saúde masculina, porém a pesquisa evidencia a necessidade de repensar a estratégia para melhor alcançar os homens.

1. Masculinidade e a Negação da Doença

O texto aborda a construção social da masculinidade e sua influência na saúde do homem, destacando a crença de que homens devem ser fortes e invulneráveis, negando a doença e a necessidade de cuidados preventivos. Expressões como “homem que é homem não fica doente” exemplificam essa cultura, que leva a uma baixa procura por serviços de saúde e exames preventivos, contribuindo para o aumento da morbidade e mortalidade masculina. A pesquisa aponta a prevenção de câncer de próstata como um exemplo emblemático dessa problemática, já que o preconceito em relação ao exame preventivo resulta em diagnósticos tardios e piora do prognóstico. O texto também cita um estudo (OLIVEIRA, 2005) que demonstra a forte associação da função de provedor à identidade masculina, mostrando como a própria masculinidade se torna um obstáculo ao acesso aos cuidados de saúde. Essa construção social, profundamente enraizada na sociedade patriarcal, gera uma contradição: assumir a doença pode ser interpretado como incapacidade para o trabalho e a consequente dependência financeira da companheira, gerando um tabu em torno da saúde masculina e reforçando a resistência em buscar assistência.

2. Pressões Sociais e a Identidade Masculina

A pesquisa evidencia as pressões sociais que moldam a identidade masculina, influenciando comportamentos e atitudes em relação à saúde. O documento cita exemplos de como a masculinidade é construída socialmente, incluindo pressões para comportamento sexual, a rejeição à homossexualidade e a necessidade de manter uma imagem forte perante os pares (SANTOS, 2010; GOLDENBERG, 1991). Essas pressões sociais resultam em comportamentos de risco, como alcoolismo, tabagismo, sedentarismo e alimentação inadequada, contribuindo para o aumento das taxas de mortalidade na população masculina, especialmente na faixa etária entre 20 e 29 anos, com o agravante da violência (CARDOSO, 2016; ROCHA, 2008). O texto também discute como a hipersexualização do corpo masculino, especialmente em homens negros, reforça estereótipos e contribui para uma percepção negativa da homossexualidade, impactando negativamente a saúde mental e a busca por ajuda. A necessidade de uma figura forte e invencível prejudica a percepção de saúde do homem, atrasando o acesso aos serviços de saúde e piorando o prognóstico de doenças.

3. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem e seus Desafios

O documento contextualiza a pesquisa com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, implantada pelo SUS (Portaria nº 1.944, de 27 de agosto de 2009), que busca melhorar as condições de saúde da população masculina brasileira, reduzindo morbidade e mortalidade. No entanto, a pesquisa indica a necessidade de repensar a Política, já que a crença de que o espaço de atendimento à saúde é feminilizado dificulta o acesso dos homens. A política precisa abordar as questões culturais e sociais que impedem a busca por cuidados de saúde, como a ideia de que o homem deve ser forte e invulnerável. A pesquisa menciona a necessidade de uma mudança na percepção dos homens sobre os serviços de saúde, a fim de que eles possam usufruir desses serviços e ter suas necessidades atendidas. A necessidade de superar o preconceito e o estigma em torno da saúde masculina, bem como a falta de acesso aos serviços de saúde em áreas periféricas, são também abordados como desafios para a implementação efetiva da política.

III.Resultados e Discussão Vozes dos Participantes

As falas dos participantes dos grupos de reflexão revelam percepções e experiências diversas sobre masculinidades, relações interpessoais e a saúde do homem. Os depoimentos abordam temas como: pressão social para se adequar a um modelo de masculinidade hegemônica, dificuldades em expressar emoções e vulnerabilidades, impacto da violência, percepções sobre sexualidade e relacionamentos, e a relação complexa entre trabalho, família e saúde. As experiências compartilhadas nos grupos demonstram a necessidade de abordagens inclusivas e sensíveis às especificidades da saúde do homem, que considerem os aspectos sociais e culturais relacionados à construção da identidade masculina.

1. Pressões e Expectativas da Masculinidade Hegemônica

A análise das falas dos participantes revela a forte influência da masculinidade hegemônica em suas vidas, com pressões para se conformar a um modelo idealizado e muitas vezes irreal. A necessidade de “ser homem” é associada a comportamentos considerados socialmente aceitáveis, como exibir comportamento sexualmente explícito, desconsiderar sentimentos e evitar demonstrar fraquezas. Um participante relata a pressão de ter que “falar safadeza”, “olhar pra bunda da mulher”, e “transar mesmo quando não está com vontade”, temendo ser rotulado como “gay” caso não se conforme a estes padrões. A análise evidencia como essa pressão se reflete na comunicação masculina, com consequências negativas como o silenciamento de emoções, a impossibilidade de se expressar livremente e o sofrimento individual. O estudo aponta que a forma como os homens se comunicam pode levar a consequências devastadoras, inclusive até a morte, sendo fundamental a conscientização para se romper com esses padrões nocivos à saúde mental e emocional. A importância de valorizar as mulheres como pessoas e o respeito pelo outro também são evidenciados como aprendizados importantes do grupo de reflexão.

2. Relações Amor e Sexualidade Quebrando Tabus

Os participantes discutem suas experiências em relacionamentos amorosos, destacando a complexidade da questão e como os padrões sociais influenciam suas percepções e comportamentos. A definição de “amor” e “relacionamento” é questionada, com alguns participantes distinguindo obrigação de sentimento genuíno. A infidelidade é analisada sob diferentes perspectivas, demonstrando a dupla moral que permeia as relações homem-mulher, onde a traição masculina é considerada aceitável, enquanto a feminina não o é. A pressão social para se manter dentro dos padrões heteronormativos também emerge nas discussões, com a marginalização de indivíduos que não se encaixam neste modelo sendo relatada. A hipersexualização do corpo masculino e a pressão para se manter dentro dos padrões heterossexuais são temas recorrentes, com as consequências negativas na saúde mental e nos relacionamentos sendo apresentadas. A importância da compreensão, respeito e confiança nos relacionamentos são mencionados como pontos cruciais para a construção de relações mais saudáveis e igualitárias.

3. Saúde Trabalho e a Experiência Pessoal Um Olhar Crítico

As falas dos participantes demonstram a relação entre saúde, trabalho e contexto social, mostrando como a construção social da masculinidade impacta a forma como os homens se cuidam e se relacionam com os serviços de saúde. A dificuldade de acesso a serviços de saúde devido à demora no atendimento e falta de médicos é um ponto recorrente. O preconceito contra homens que buscam atendimento médico é discutido, com relatos de piadas e zombaria dos amigos quando estes demonstram preocupação com a saúde. A associação da figura masculina com o trabalho e a provisão material para a família também é abordada, indicando como a ideia de “homem forte” se contrapõe à necessidade de cuidar da saúde. A importância do cuidado com a saúde e a necessidade de romper com crenças limitantes são destacados como pontos importantes de conscientização e mudança. A experiência dos grupos de reflexão é apontada como facilitadora da quebra de silêncios e do acesso a informações e recursos importantes para a saúde e o bem-estar.

IV.Contexto da Pesquisa GT Itaipu Saúde

A pesquisa foi realizada no contexto do Grupo de Trabalho para Integração das Ações de Saúde na Área de Influência da Itaipu (GT-Itaipu Saúde), um programa que envolve profissionais de saúde do Brasil, Argentina e Paraguai. A Itaipu Binacional forneceu recursos financeiros para o estudo. A região de Foz do Iguaçu, palco da pesquisa, experimentou um crescimento populacional significativo após a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu (1974-1982), passando de 33.966 habitantes em 1970 para 136.321 em 1980. Este contexto socioeconômico e geográfico influenciou a escolha da metodologia de pesquisa-ação e o enfoque na saúde do homem na região.

1. GT Itaipu Saúde Contexto e Parcerias

A pesquisa se desenvolveu no âmbito do Grupo de Trabalho para Integração das Ações de Saúde na Área de Influência da Itaipu (GT-Itaipu Saúde), vinculado ao Programa Saúde na Fronteira. O GT-Itaipu Saúde é uma iniciativa da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional, entidade de direito público internacional, e possui uma metodologia participativa, envolvendo profissionais de saúde do Brasil, Argentina e Paraguai. A Itaipu Binacional fornece recursos financeiros para as atividades administrativas do GT Saúde. Outras instituições parceiras incluem a Fundação Parque Tecnológico Itaipu, Fundação de Saúde Itaiguapy, Organização Pan-Americana da Saúde do Paraguai (OPAS/PY), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Ministério da Justiça e do Esporte do Paraguai, além de várias universidades brasileiras e argentinas. A participação dos técnicos é livre, voluntária e aberta a todos os interessados, demonstrando um compromisso com a colaboração interinstitucional e a abordagem participativa para a promoção da saúde na região de influência da Itaipu.

2. Foz do Iguaçu e Região Impacto da Itaipu e Crescimento Populacional

O estudo destaca o contexto geográfico da pesquisa, enfatizando o impacto da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu (1974-1982) no crescimento populacional de Foz do Iguaçu e cidades vizinhas. De acordo com dados do IBGE (PERON, 2017), Foz do Iguaçu passou de 33.966 habitantes em 1970 para 136.321 em 1980, um crescimento significativo atribuído à migração de trabalhadores e suas famílias. No Paraguai, Hernandárias e Ciudad del Este também experimentaram um aumento populacional expressivo, passando de 15 mil para 70 mil e de 20 mil para 60 mil habitantes, respectivamente. Anteriormente, as economias de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este baseavam-se em comércio e atividades extrativistas. A construção da usina transformou a paisagem econômica e demográfica da região, criando um contexto complexo que influencia as necessidades e o acesso à saúde da população. Este crescimento populacional rápido e o consequente aumento da demanda por serviços de saúde são fatores cruciais para contextualizar os resultados e as considerações da pesquisa.

Referência do documento

  • Política nacional de atenção integral à saúde do homem (princípios e diretrizes) (Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de ações programáticas estratégicas)
  • Masculinidades, Violência e Homofobia (Carrara, S.; Saggese, G.)