
Sofrimento Psíquico e Discriminação
Informações do documento
Autor | Maria Vitória Cordeiro De Souza |
Escola | Universidade Federal De Santa Catarina |
Curso | Odontologia |
Tipo de documento | Trabalho De Conclusão De Curso |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 330.67 KB |
Resumo
I.Metodologia da Pesquisa sobre Discriminação e Sofrimento Psíquico em Estudantes
Esta pesquisa investigou a associação entre experiências discriminatórias e sofrimento psíquico em 1.023 estudantes de graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no primeiro semestre de 2012. Utilizou-se um questionário autopreenchível, incluindo a Escala de Discriminação Explícita (EDE) e a versão abreviada do General Health Questionnaire (GHQ) para mensurar, respectivamente, a discriminação e o sofrimento psíquico. A análise estatística empregou modelos de regressão logística, estimando razões de chance (Odds Ratios) e seus intervalos de confiança a 95% (IC95%). A amostra incluiu 12 cursos de graduação da UFSC, representando uma população elegível de 6.237 estudantes, de uma população total de 19.963. O estudo levou em conta potenciais fatores de confusão e explorou a relação dose-resposta e a existência de modificadores de efeito, analisando a interseccionalidade da discriminação.
1. População e Amostragem
A pesquisa envolveu 1.023 graduandos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no primeiro semestre de 2012. A seleção da amostra se deu por amostragem complexa, utilizando os cursos de graduação como unidade amostral primária. Inicialmente, 15 cursos foram sorteados, resultando em 12 cursos distintos após a eliminação de repetições: Ciências Contábeis, Direito, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Engenharia Química, Engenharia Sanitária e Ambiental, História, Pedagogia, Psicologia, Odontologia, Medicina e Sistemas de Informação. Dentro de cada curso, a seleção considerou três estratos: primeira fase, fase mediana e formandos. O universo populacional total era de 19.963 estudantes regularmente matriculados no segundo semestre de 2011, dos quais 6.237 compuseram a população elegível após a exclusão de cursos recentes. O tamanho da amostra foi calculado considerando a prevalência de saúde autorreferida como muito ruim (4,5% no grupo não discriminado e 13,7% no grupo discriminado), prevalência global de discriminação de 73%, erro β de 0,05 e erro α de 0,01, resultando em um número inicial de 959 indivíduos, posteriormente ampliado para 1.341 após correções por delineamento amostral, perdas e uso de fórmula para populações finitas. O tamanho final da amostra entrevistada foi definido pela associação entre experiências discriminatórias e autoavaliação da saúde geral, sendo esta a associação que demandava o maior tamanho amostral dentro das diversas relações investigadas.
2. Instrumentos de Coleta de Dados
A coleta de dados ocorreu através de um questionário autopreenchível, aplicado em sala de aula após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O questionário, com duração média de 20 minutos, investigou características sociodemográficas, curso de graduação, experiências discriminatórias e sofrimento psíquico. Para avaliar o sofrimento psíquico, foi utilizada a versão abreviada do General Health Questionnaire (GHQ), composta por 12 perguntas sobre indícios de transtornos mentais comuns nas últimas duas semanas. A Escala de Discriminação Explícita (EDE) foi usada para mensurar as experiências discriminatórias, com 18 perguntas sobre tratamento diferencial em diferentes domínios ao longo da vida. O questionário indagava sobre a frequência da experiência, suas motivações (cor/raça, posição socioeconômica, sexo, idade, orientação religiosa, entre outras), o grau de incômodo e se o respondente se sentiu discriminado. A EDE já havia sido validada previamente em uma população similar (estudantes universitários brasileiros). Um pré-teste com 17 e um estudo-piloto com 43 estudantes, fora da amostra final, antecederam a coleta principal. Todos os questionários foram revisados para garantir consistência nas respostas, corrigindo eventuais inconsistências, por exemplo, quando um participante inicialmente negava ter sofrido discriminação, mas posteriormente descrevia a ocorrência.
3. Análise Estatística
A análise estatística utilizou o programa Stata®, versão 11.2. A associação entre sofrimento psíquico e características sociodemográficas foi analisada por meio do teste de Rao-Scott. A associação entre experiências discriminatórias e sofrimento psíquico foi avaliada com modelos de regressão logística convencional, estimando razões de chance (Odds Ratios) e seus intervalos de confiança de 95% (IC95%). A inclusão de variáveis nos modelos foi gradual, iniciando com a associação entre discriminação e sofrimento psíquico no primeiro modelo e, sucessivamente, ajustando para mais confundidores (cor/raça, posição socioeconômica, sexo, idade, curso de graduação e fase do curso). Todas as variáveis foram mantidas no modelo final, independentemente de sua força de associação com o desfecho ou significância estatística. O escore de discriminação foi categorizado em diferentes níveis (0 - não discriminado, 1, 2, 3-4, 5-7, 8-10, 11+), e a relação dose-resposta foi examinada utilizando técnicas de splines e lowess. Para a variável sofrimento psíquico, considerou-se a presença de sofrimento entre os indivíduos que assinalaram, em pelo menos 3 das 12 questões do GHQ, as duas respostas com maior intensidade. A análise de modificadores de efeito foi conduzida considerando cada variável do modelo como fator de interação em modelos separados. Valores de probabilidade bicaudais menores que 5% foram considerados estatisticamente significativos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da UFSC em 13/12/2011, sob o protocolo nº 459965.
II.Resultados Prevalência de Discriminação e Sofrimento Psíquico
A pesquisa revelou uma alta prevalência de experiências discriminatórias (66%) e sofrimento psíquico (40,1%) entre os estudantes. Estudantes que relataram alta frequência e intensidade de discriminação apresentaram 4,4 vezes mais chances (IC95% 1,6 – 12,4) de apresentar sofrimento psíquico. A análise mostrou uma relação dose-resposta, com a prevalência de sofrimento psíquico aumentando com a frequência e intensidade da discriminação (de 27,6% para 64,9%). Entretanto, observou-se modificação de efeito dependendo do curso: estudantes de Engenharia Elétrica apresentaram menor probabilidade de sofrimento psíquico em comparação aos de Ciências Contábeis, enquanto que os de Odontologia apresentaram uma probabilidade 2,3 vezes maior.
1. Prevalência Geral de Discriminação e Sofrimento Psíquico
A pesquisa revelou uma alta prevalência de sofrimento psíquico (40,1%) e de experiências discriminatórias (66%) entre os estudantes participantes. Essa alta taxa de sofrimento psíquico é um dado relevante, indicando a necessidade de maior atenção para a saúde mental dos estudantes. A prevalência de experiências discriminatórias também destaca a importância da investigação sobre o impacto deste fator na saúde mental dessa população. A relação entre ambas as variáveis será analisada mais profundamente nas próximas seções, buscando estabelecer correlações e determinar a força da associação entre as mesmas. Os dados indicam a presença de um problema significativo que necessita de estudos posteriores para uma melhor compreensão de suas causas e potenciais soluções.
2. Relação Dose Resposta e Intensidade da Discriminação
Um achado crucial foi a relação dose-resposta entre a frequência e a intensidade das experiências discriminatórias e a prevalência do sofrimento psíquico. Observou-se um aumento progressivo na prevalência de sofrimento psíquico à medida que a frequência e intensidade da discriminação relatadas pelos estudantes aumentavam. Especificamente, a prevalência passou de 27,6% entre aqueles que não reportaram discriminação para 64,9% entre aqueles que relataram maior intensidade e frequência. Este dado reforça a hipótese de uma relação causal entre discriminação e sofrimento psíquico, sugerindo que maiores níveis de exposição a experiências discriminatórias levam a maiores probabilidades de desenvolver sofrimento psíquico. A análise da relação dose-resposta, portanto, fornece evidências importantes para a compreensão do impacto da discriminação na saúde mental estudantil.
3. Modificadores de Efeito Influência do Curso de Graduação
A análise identificou uma modificação de efeito estatisticamente significativa apenas em relação ao curso de graduação. Comparando com os estudantes de Ciências Contábeis que não relataram discriminação, os estudantes de Engenharia Elétrica apresentaram uma probabilidade 57% menor (IC95% 49,5 – 63,4) de apresentar transtornos mentais comuns. Em contrapartida, os estudantes de Odontologia apresentaram uma probabilidade 2,3 vezes maior (IC95% 2,0 – 2,6). Essa variação na associação entre discriminação e sofrimento psíquico, dependendo do curso, sugere a necessidade de investigações futuras que considerem as especificidades de cada ambiente acadêmico e seus potenciais fatores protetores ou de risco para a saúde mental. A influência de outros fatores sociodemográficos, embora não estatisticamente significantes em todos os casos, merecem atenção em análises posteriores: pardos, formandos, mulheres e estudantes com idade entre 23 e 27 anos mostraram tendência a maior probabilidade de transtornos mentais quando comparados com seus pares não discriminados. Para idades entre 28 e 52 anos, e para o quintil econômico mediano, houve inversão na direção da relação.
III.Discussão Implicações da Associação entre Discriminação e Saúde Mental
Os resultados reforçam a associação entre discriminação e sofrimento psíquico em estudantes universitários brasileiros, corroborando estudos internacionais. A magnitude do efeito observado (4,4 vezes mais chances) foi superior a estudos anteriores, possivelmente devido à abordagem da interseccionalidade da discriminação e à avaliação contínua da intensidade e frequência. Limitações incluem o delineamento transversal e a utilização de instrumentos abreviados. O estudo destaca a importância de considerar a interseccionalidade e a relação dose-resposta em futuras pesquisas sobre discriminação e saúde mental.
1. Magnitude do Efeito e Comparação com Outros Estudos
A associação entre discriminação e sofrimento psíquico demonstrada neste estudo, com uma razão de chances de 2,1 (IC95% 1,6 – 2,7) após ajustes para fatores de confusão, é substancial. A prevalência de sofrimento psíquico aumenta significativamente com a intensidade e frequência da discriminação, passando de 27,6% para 64,9%. Essa medida de efeito (2,1) é comparada com outros estudos nacionais e internacionais. Em estudos anteriores realizados no Brasil, como os de Santana et al. (7) e Pavão et al. (8), a magnitude do efeito foi menor, possivelmente devido à abordagem exclusiva da discriminação racial e à ausência de avaliação contínua da intensidade e frequência da discriminação. A medida de efeito encontrada neste estudo (2,1) ainda é inferior àquela observada em estudos com indígenas norte-americanos (2,25 vezes mais chances de pior condição de saúde mental) e em estudos com grupos étnicos nos Estados Unidos (até 4,21 vezes mais chances de depressão em porto-riquenhos), demonstrando que a magnitude do impacto da discriminação na saúde mental varia entre diferentes populações e contextos.
2. Limitações do Estudo e Sugestões para Pesquisas Futuras
Algumas limitações deste estudo precisam ser consideradas. A utilização da versão abreviada do GHQ para mensurar sofrimento psíquico e a ênfase em discriminação interpessoal, desconsiderando outros níveis do fenômeno, impactam na precisão das medidas. O delineamento transversal impede a determinação da causalidade, ou seja, não é possível afirmar com certeza se o sofrimento psíquico precede ou sucede a experiência discriminatória. A análise da interseccionalidade, embora considerada na coleta de dados, não foi realizada diretamente nesta pesquisa. Apesar destas limitações, o estudo destaca a importância de considerar a interseccionalidade e a relação dose-resposta em pesquisas futuras. A utilização de um questionário autopreenchível pode ter facilitado o relato de eventos discriminatórios, que se mostraram expressivamente frequentes na amostra. Este método, embora possa superestimar o relato, também minimiza possíveis constrangimentos em relatar ambos os fenômenos na presença de um entrevistador. Para aprofundar o conhecimento sobre o tema, recomenda-se a realização de estudos futuros, inclusive pesquisas qualitativas, para melhor compreender o caráter subjetivo dos fenômenos em questão.
3. Contribuições e Generalização dos Resultados
Apesar das limitações, este estudo, realizado com estudantes universitários brasileiros, corrobora achados de pesquisas norte-americanas sobre a relação entre discriminação e sofrimento psíquico, expandindo a compreensão para o contexto brasileiro. A inclusão de múltiplos tipos de discriminação e a análise da relação dose-resposta contribuíram para uma associação mais forte entre os fenômenos, ao contrário de estudos anteriores que se concentraram na discriminação racial. O estudo, portanto, não se limita a grupos específicos tradicionalmente associados à discriminação, permitindo uma maior generalização dos resultados. A constatação de uma relação sugestivamente forte entre discriminação e sofrimento psíquico reforça a importância do fenômeno discriminatório como determinante das condições de saúde e destaca a necessidade de ações para combater a discriminação e promover a saúde mental dos estudantes.