Artigo 267º TFUE : Lex  imperfecta? : das consequências da omissão do reenvio prejudicial à luz da lei civil portuguesa

Artigo 267º TFUE: Lex Imperfecta?

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Autor

Mariana Nogueira Sá

instructor Professora Doutora Sofia Oliveira Pais
Escola

Universidade Católica Portuguesa

Curso Direito
Tipo de documento Tese de Mestrado
Idioma Portuguese
Formato | PDF
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Resumo

I.Considerações gerais acerca do reenvio prejudicial

Este capítulo analisa o mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no art. 267º TFUE, como interação entre tribunais nacionais e o TJUE. Discute-se a ausência de estrutura hierárquica na arquitetura jurisdicional da UE, enfatizando a relação de cooperação horizontal entre o TJUE e os tribunais nacionais na aplicação do Direito da UE. A semelhança entre o juízo de existência de uma questão prejudicial (CPC) e o juízo de pertinência do reenvio é destacada, ambos visando evitar decisões jurisdicionais incompatíveis. A impossibilidade de particulares suscitarem diretamente o reenvio prejudicial ao TJUE, conforme jurisprudência (Pr. 44/65 e 93/78), também é abordada.

1. O Reenvio Prejudicial e o artigo 267º TFUE

A seção inicia definindo o reenvio prejudicial, previsto no artigo 267º do TFUE, como um mecanismo de interação entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Destaca-se a natureza peculiar da arquitetura jurisdicional da UE, caracterizada por uma relação de cooperação horizontal, e não hierárquica, entre o TJUE e os tribunais dos Estados-Membros. A ausência de um sistema de tribunais próprios da UE para aplicar diretamente as suas normas implica a responsabilidade dos tribunais nacionais na aplicação do acervo comunitário, considerando os princípios do primado e do efeito direto. A análise enfatiza a necessidade de um mecanismo que garanta a uniformidade das decisões judiciais em matéria de Direito da UE, dado o caráter não federal da arquitetura jurisdicional da União.

2. Afinidades entre o Juízo de Existência de Questão Prejudicial e o Juízo de Pertinência do Reenvio

O texto estabelece uma comparação entre o juízo de existência de uma questão prejudicial, previsto no Código de Processo Civil português (CPC), e o juízo de pertinência e necessidade do reenvio, conforme o artigo 267º TFUE. A similaridade reside no objetivo comum de assegurar a compatibilidade entre decisões jurisdicionais dentro do mesmo ordenamento jurídico, evitando decisões contraditórias. A citação de Inês Quadros reforça a ideia de pertinência do reenvio quando a resposta do TJUE constitui premissa para a decisão final do juiz nacional. Esta análise destaca a importância da coerência e uniformidade na aplicação do direito da UE em diferentes instâncias jurisdicionais.

3. A Iniciativa Processual e a Impossibilidade de Ação Direta por Particulares

A seção esclarece que os particulares não podem, por iniciativa própria, suscitar a apreciação de uma questão prejudicial perante o TJUE, cabendo-lhes apenas requerer ao juiz que o faça. O reenvio não se configura como uma via de recurso aberta às partes em litígio, conforme interpretação do artigo 267º TFUE. A jurisprudência do TJUE, em decisões como os processos Hessische Knappschaft (Pr. 44/65) e Lothar Mattheus (Pr. 93/78), reforça a impossibilidade de os particulares suscitarem diretamente o reenvio prejudicial. Apesar da clareza do artigo 267º TFUE, o texto reconhece a existência de dificuldades interpretativas e possíveis problemas práticos decorrentes dessa impossibilidade de intervenção direta.

II.Dificuldades na aplicação do reenvio prejudicial em procedimentos cautelares e executivos

A aplicação do reenvio prejudicial em procedimentos cautelares e executivos apresenta desafios. A natureza urgente dos procedimentos cautelares dificulta a conciliação com a tramitação do reenvio, apesar da possibilidade de tramitação urgente (art. 267º TFUE). Em ações executivas, o reenvio só é cabível em momentos declarativos, como na oposição à execução, conforme jurisprudência (AUJ de 27.01.10). O caráter provisório das decisões cautelares e a necessidade de um juízo de certeza em oposição ao juízo de probabilidade (art. 387º CPC) são analisados como obstáculos.

1. Dificuldades em Procedimentos Cautelares

A seção analisa os desafios da aplicação do reenvio prejudicial em procedimentos cautelares. A principal dificuldade reside na natureza urgente desses procedimentos, que contrasta com a tramitação, geralmente demorada, do reenvio prejudicial. Embora exista a possibilidade de tramitação urgente e acelerada do reenvio, as dificuldades de articulação entre a urgência das medidas cautelares e a lentidão do processo de reenvio permanecem significativas. O caráter meramente provisório das decisões tomadas em procedimentos cautelares é destacado, sugerindo que o reenvio se justificaria mais na ação principal, destinada à apreciação de fundo. Entretanto, se o objeto do reenvio forem as normas que regulam os procedimentos cautelares, a situação muda. A sobrecarga do TJUE com reenvios relacionados a processos cautelares, cuja subsistência é provisória, também é mencionada como fator relevante.

2. A Natureza Cautelar e o Juízo de Certeza

A natureza cautelar dos procedimentos cautelares é contrastada com a necessidade de um juízo de certeza quanto ao direito invocado, inerente ao reenvio prejudicial. Nos procedimentos cautelares, basta a verificação do fumus boni iuris, um juízo de verosimilhança, em contraste com o juízo de certeza exigido para a ação principal, e que é o objetivo do reenvio prejudicial (art. 387º CPC). A exigência de um juízo de certeza no contexto de um procedimento cautelar é vista como a introdução de um elemento estranho à sua natureza, criando uma espécie de quimera jurídica. Esta discrepância entre a natureza probatória exigida e a finalidade da ação cautelar dificulta a aplicação eficaz do reenvio prejudicial neste tipo de procedimento.

3. Inadmissibilidade em Ações Executivas e Exceções

Em relação a ações executivas, o texto argumenta que o reenvio prejudicial só se justifica na fase declarativa do processo, pois a execução visa dar cumprimento prático a um direito já definido em sede de ação declarativa (art. 279º CPC, conforme doutrina do STJ de 24-05-1960). A jurisprudência do AUJ de 27.01.10 (Pr. 594/09.5YFLSB) ilustra a inadmissibilidade de questões prejudiciais em ações executivas. No entanto, reconhece-se uma exceção: a oposição à execução, que se configura como uma ação declarativa autônoma, podendo justificar o reenvio prejudicial na apreciação de seus fundamentos, sejam de natureza substantiva ou processual. A seção conclui ressaltando a natureza declarativa da oposição à execução como uma exceção à regra da inadmissibilidade do reenvio em ações executivas.

III.Obrigatoriedade do reenvio prejudicial exceções e teorias em confronto

Duas exceções à regra geral sobre o reenvio prejudicial são analisadas: a obrigatoriedade em tribunais cujas decisões não são recorríveis (art. 267º §3 TFUE) e em casos de juízo de invalidade de normas da UE. Discute-se a controvérsia entre a teoria do litígio abstrato e a teoria do litígio concreto quanto à definição dos tribunais obrigados ao reenvio. A jurisprudência do TJUE, incluindo o acórdão Lyckeskog e o acórdão Köbler, é examinada nesse contexto. A Teoria do Acto Claro, seus requisitos e sua aplicação em Portugal, também são discutidos.

1. Exceções à Obrigatoriedade do Reenvio Artigo 267º 3 TFUE

A seção discute as exceções à regra da obrigatoriedade do reenvio prejudicial. A primeira exceção, prevista no artigo 267º §3 do TFUE, impõe a obrigatoriedade do reenvio quando a questão prejudicial é suscitada perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso interno. O caráter injuntivo dessa obrigação é destacado. No entanto, a seção reconhece a dificuldade em definir precisamente quais os tribunais cujas decisões são insuscetíveis de recurso. Introduz-se a distinção entre a teoria do litígio abstrato (ou orgânica) e a teoria do litígio concreto, que divergem quanto à identificação dos tribunais obrigados ao reenvio. A teoria do litígio abstrato indica que os tribunais obrigados são aqueles que decidem em última instância segundo a organização judiciária nacional, enquanto a teoria do litígio concreto defende que a obrigatoriedade se aplica aos tribunais que decidem em última instância no caso concreto. A complexidade e as implicações práticas de cada teoria são discutidas, considerando a carga de trabalho no TJUE e a duração dos processos.

2. Teorias em Confronto Litígio Abstrato vs. Litígio Concreto

A seção aprofunda a discussão sobre as duas teorias em conflito: a do litígio abstrato e a do litígio concreto, ambas relacionadas à obrigatoriedade do reenvio prejudicial. Argumentos práticos são apresentados em defesa da teoria do litígio abstrato, que busca evitar sobrecarga de trabalho no TJUE e prolongamento dos processos. A teoria do litígio concreto, por sua vez, enfatiza a necessidade de coerência e uniformidade na aplicação do direito da UE, especialmente quando a decisão é definitiva, e a garantia de iguais oportunidades aos litigantes dos diferentes Estados-Membros. O texto destaca a ausência de um posicionamento definitivo do TJUE sobre qual teoria deve prevalecer, mencionando a decisão no processo Lyckeskog (Pr. n.º 99/2000) e o acórdão Köbler como exemplos de tendências, ainda que não explícitas, em direção à teoria do litígio concreto. Inês Quadros é citada como fonte que identifica uma tendência para a teoria do litígio concreto.

3. Teoria do Acto Claro e sua Aplicação

A seção introduz a Teoria do Acto Claro como uma exceção à obrigatoriedade do reenvio prejudicial, aplicável quando as normas da UE são consideradas claras e não suscitam dúvidas interpretativas. Os perigos da aplicação subjetiva dessa teoria e o risco para a uniformidade pretendida com o reenvio são analisados. O TJUE, antevendo esses riscos, estabeleceu critérios objetivos para a aplicação da Teoria do Acto Claro, incluindo a comparação das várias versões linguísticas das normas, a consideração do contexto nacional e a análise do acervo da UE, seus objetivos e estado de evolução. Apesar da intenção de objetivar o juízo de clareza, o texto aponta para críticas ao acórdão, alegando que os requisitos para considerar uma norma clara são demasiadamente restritivos. A situação em Portugal é apresentada como um contraste, com grande parte dos reenvios sendo rejeitados com base na clareza das normas, sugerindo uma aplicação mais ampla da Teoria do Acto Claro do que a pretendida pelo TJUE.

IV.Meios de reação à omissão da obrigação de reenvio prejudicial

O capítulo aborda as consequências da omissão ilícita do reenvio prejudicial. São analisados os três grupos de violação da obrigação de reenvio, segundo Nuno Piçarra e Francisco P. Coutinho, incluindo a aplicação indevida da Teoria do Acto Claro e a utilização de critérios hermenêuticos internos em detrimento do reenvio. A ausência de sanção específica no TFUE para a inobservância do reenvio é mencionada, assim como a possibilidade de ação de cumprimento (258º TFUE), embora limitada na proteção ao particular. Os autores, Inês Quadros, Georgios Anagnostaras e Sofia Oliveira Pais, são referenciados.

1. Contornos da Ilicitude na Omissão do Reenvio

A seção inicia a análise das consequências da omissão da obrigação de reenvio, identificando os contornos dessa ilicitude na perspectiva dos tribunais portugueses. Nuno Piçarra e Francisco P. Coutinho são citados, classificando três grupos de casos de violação dessa obrigação: 1) recusa do reenvio com base na Teoria do Acto Claro sem fundamentação adequada ou com fundamentos diferentes daqueles definidos na jurisprudência Cilfit; 2) não recurso ao reenvio apesar do reconhecimento de dúvidas interpretativas, optando por critérios hermenêuticos internos (art. 9º CC); 3) negação da natureza oficiosa do reenvio ou exclusão do âmbito de aplicação do reenvio a certos atos jurídicos da UE (jurisprudência Grimaldi). A ausência de sanções específicas no TFUE para a inobservância do reenvio obrigatório é ressaltada, destacando a possibilidade, no plano da UE, de ação de cumprimento (art. 258º TFUE), com proteção limitada ao particular.

2. Recursos Ordinários Apelação e Revista

A seção examina a utilização de recursos ordinários (apelação e revista) como meio de reação à omissão do reenvio. Os recursos são apresentados como o meio natural para corrigir más decisões judiciais e restabelecer a legalidade violada. A jurisprudência do TJUE, que considera que na ausência de normas adjetivas europeias, cabe aos Estados-Membros assegurar a proteção da ordem jurídica da UE ao nível das normas internas, é lembrada, assim como os princípios da autonomia procedimental e da equivalência (princípio da efetividade; Peterbroeck, n.º 12) e da cooperação leal (art. 4º TUE). A análise destaca, porém, que apenas a omissão do reenvio de apreciação de validade (jurisprudência Foto-Frost) é relevante para recursos ordinários, enquanto a omissão do reenvio de interpretação, numericamente mais frequente, escapa a essa via. A ineficácia dos recursos ordinários como garantia do cumprimento da obrigação de reenvio é apontada.

3. Nulidades Processuais Recurso de Revisão e Recursos Constitucionais

A omissão do reenvio é analisada sob a ótica da nulidade processual (art. 201º CPC) e seu potencial como fundamento de recurso, dependendo da influência na decisão final. A introdução da alínea f) no art. 771º (DL n.º 303/2007), permitindo recurso de revisão para decisões judiciais transitadas em julgado inconciliáveis com decisões definitivas de instâncias internacionais, é vista como um caminho para a correção de decisões nacionais contrárias ao direito da UE. Contudo, a dificuldade de acesso a este recurso para particulares é mencionada devido à exigência de uma ação de incumprimento prévia por parte da Comissão. A possibilidade de recursos constitucionais (amparo na Espanha e recurso de constitucionalidade em Portugal), baseado em violações dos direitos ao juiz legal e à tutela jurisdicional efetiva, é explorada, analisando as experiências da doutrina castelhana e alemã e seus limites. No contexto português, a dificuldade em garantir o respeito ao direito do juiz legal via recurso de constitucionalidade é analisada, considerando que o Tribunal Constitucional português aprecia normas e não decisões judiciais.

V.Recursos ordinários e a omissão do reenvio prejudicial

A eficácia dos recursos ordinários (apelação e revista) como meio de corrigir a omissão ilícita do reenvio é avaliada. A jurisprudência do TJUE que exige dos Estados membros assegurar o mesmo nível de proteção ao Direito da UE que às normas internas (princípio da equivalência e efetividade) é lembrada. A análise se concentra nos casos de reenvio obrigatório de apreciação de validade, cuja omissão pode ser corrigida por recurso. A omissão do reenvio de interpretação, mais frequente, foge à correção via recurso ordinário. A relevância do princípio da cooperação leal (art. 4º TUE) é sublinhada no contexto da obrigação de reenvio.

1. Recursos Ordinários como Meio de Correção

A seção analisa a eficácia dos recursos ordinários (apelação e revista) na correção de decisões judiciais afetadas pela omissão do reenvio prejudicial. Os recursos são apresentados como o mecanismo natural para corrigir erros judiciais (error in judicando), independentemente de se tratar de normas nacionais ou europeias. O texto cita a jurisprudência do TJUE, que impõe aos Estados-Membros a garantia de um nível de proteção idêntico ao Direito da UE e às normas internas, respeitando os princípios da autonomia procedimental e da equivalência, visando impedir que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária se torne impossível ou excessivamente difícil (princípio da efetividade). A cooperação leal entre os Estados-Membros (art. 4º TUE) é destacada como fundamento para o cumprimento da obrigação de reenvio. Apesar disso, a análise conclui que a eficácia dos recursos ordinários é limitada, aplicando-se principalmente à omissão do reenvio de apreciação de validade (jurisprudência Foto-Frost).

2. Limitações dos Recursos Ordinários Reenvio de Validade vs. Interpretação

A seção aprofunda as limitações dos recursos ordinários na correção da omissão do reenvio prejudicial. A análise distingue entre a omissão do reenvio de apreciação de validade e a omissão do reenvio de interpretação, enfatizando que apenas a primeira é passível de correção via recurso ordinário. A obrigatoriedade do reenvio de validade decorre da competência exclusiva do TJUE para apreciar a validade do direito da UE. A omissão do reenvio de interpretação, embora mais frequente, escapa à reapreciação judicial por recurso ordinário. Embora se reconheça que muitos casos envolvem dois graus de jurisdição, oferecendo garantias às partes, a resistência dos tribunais nacionais à utilização do reenvio e a fraca interpenetração do Direito da UE na prática judicial portuguesa são apontadas como justificativas para uma reflexão mais profunda sobre o tema.

3. Nulidades Processuais e a Ineficácia dos Recursos Ordinários

A seção analisa a omissão do reenvio sob a ótica da nulidade processual (art. 201º CPC) e argumenta que o seu tratamento jurídico impede que o incumprimento do reenvio, isoladamente, fundamente um recurso. A omissão do reenvio é comparada a um vício de nulidade, mas apenas pode servir de fundamento de recurso se acompanhada de outros fundamentos materiais que justifiquem a sucumbência. A seção conclui que os recursos ordinários têm um âmbito de aplicação diminuto na questão do reenvio, limitando-se aos casos de reenvio de apreciação de validade, que são menos frequentes. A omissão de reenvio de interpretação, embora mais comum, escapa à correção por via do recurso ordinário, afetando a eficácia do sistema recursivo como meio de garantir o cumprimento da obrigação de reenvio e prejudicando os interesses dos particulares na correta aplicação do direito da UE.

VI.Nulidades processuais e recurso de revisão

A omissão do reenvio prejudicial é analisada sob a ótica da nulidade processual (art. 201º CPC), considerando a influência no resultado final. O recurso de revisão (art. 771º, alínea f), introduzido pelo DL n.º 303/2007), como potencial meio de correção de decisões transitadas em julgado incompatíveis com decisões do TJUE, é discutido. A dificuldade de acesso a esse recurso para os particulares é também apontada.

1. A Omissão de Reenvio como Nulidad Processual

Esta seção analisa a omissão do reenvio prejudicial sob a ótica do vício de nulidade processual, previsto no artigo 201º do CPC. A omissão de uma formalidade legal que possa influenciar a decisão final gera a nulidade do despacho judicial que a sancione, direta ou indiretamente. O texto argumenta que, considerando o direito da UE, a referência à “lei” nesse artigo inclui todo o acervo comunitário, incluindo as normas adjetivas, como o artigo 267º TFUE. A influência do reenvio na decisão final, permitindo a interpretação correta das normas da UE, é destacada. Apesar de a decisão de não reenviar não ser considerada um despacho discricionário (art. 679º CPC), a omissão do reenvio, isoladamente, configura uma nulidade processual que só serve de fundamento de recurso se acompanhada de outros fundamentos materiais que justifiquem a sucumbência.

2. Recurso de Revisão artigo 771º alínea f e suas Limitações

A seção examina o recurso de revisão, previsto no artigo 771º, alínea f), do CPC, introduzido pelo DL n.º 303/2007, como potencial mecanismo para reparar a omissão do reenvio. Este recurso permite a revisão de decisões judiciais transitadas em julgado se “inconciliáveis com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado português”. O texto argumenta que, apesar da promessa de reposição da legalidade em caso de violação da obrigação de reenvio, a aplicação prática deste recurso é limitada para os particulares. A necessidade de uma ação de incumprimento prévia pela Comissão ou de decisões nacionais que gerem jurisprudência contrária à decisão revidenda, para configurar a “decisão inconciliável”, restringe o acesso dos particulares a este recurso, dificultando a responsabilização do Estado. Essa limitação é contrastada com os princípios da efetividade e equivalência preconizados pela jurisprudência do TJUE.

VII.Recursos Constitucionais e Responsabilidade Civil do Estado

A possibilidade de recorrer à via constitucional (amparo na Espanha, recurso de constitucionalidade em Portugal) para contestar a omissão do reenvio, com base em violações de direitos fundamentais (direito ao juiz legal e à tutela jurisdicional efetiva), é explorada. A experiência espanhola e alemã, incluindo a atuação do Tribunal Constitucional espanhol e do Bundesverfassungsgericht, é usada para ilustrar as limitações desses recursos. A jurisprudência do TJUE referente ao princípio da responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais (acórdão Köbler) e sua relação com a responsabilidade civil no direito português (Lei n.º 67/2007) é analisada. Os requisitos para a responsabilidade civil do Estado (violação suficientemente caracterizada, nexo de causalidade, e culpa) são examinados, incluindo a discussão sobre a ressarcibilidade do “dano de perda de chance”. A necessidade de uma decisão judicial prévia para a responsabilidade do Estado é criticada.

1. Recursos Constitucionais Experiência Espanhola e Alemã

A seção explora a possibilidade de recorrer a recursos constitucionais para contestar a omissão do reenvio prejudicial, focando a experiência da Espanha e da Alemanha. A doutrina castelhana argumenta que a omissão do reenvio pode violar os direitos constitucionais ao juiz legal e à tutela jurisdicional efetiva, uma vez que o Estado, ao aceitar a competência do TJUE, renuncia à competência nacional em casos de reenvio obrigatório. Contudo, o Tribunal Constitucional espanhol demonstra relutância em aceitar esse argumento, exigindo demonstração de arbitrariedade ou irrazoabilidade na recusa do reenvio, limitando o sucesso do recurso de amparo. A doutrina alemã apresenta uma situação semelhante, defendendo a possibilidade do Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) fiscalizar o cumprimento da obrigação de reenvio, com base no direito ao juiz legal. No entanto, a jurisprudência alemã condiciona a admissibilidade da ação à demonstração de violação de direitos fundamentais e arbitrariedade na recusa do reenvio.

2. Sistema Luso de Fiscalização de Constitucionalidade e o Direito ao Juiz Legal

O texto contrasta o sistema português de fiscalização de constitucionalidade com os sistemas espanhol e alemão, analisando a viabilidade de recurso constitucional contra a omissão do reenvio no contexto português. O direito à tutela jurisdicional efetiva (art. 20º CRP) e o direito ao juiz legal (art. 32º, n.º 9, CRP) são mencionados como potenciais fundamentos para tal recurso. No entanto, a impossibilidade do Tribunal Constitucional português (TC) apreciar a constitucionalidade de decisões judiciais, em contraste com a possibilidade de apreciação da constitucionalidade da interpretação das normas, é destacada como um obstáculo. A citação de Inês Quadros sublinha a dificuldade em definir a fronteira entre a apreciação permitida da constitucionalidade da interpretação e a apreciação vedada da constitucionalidade da decisão judicial. A proteção do particular, neste contexto, é considerada limitada.

3. Responsabilidade Civil do Estado Acórdão Köbler e a Lei n.º 67 2007

A seção analisa a responsabilidade civil do Estado por omissão do reenvio, à luz do acórdão Köbler e da Lei n.º 67/2007. O princípio da responsabilidade dos Estados-Membros por atos cometidos no exercício da função jurisdicional, conforme o acórdão Köbler, é apresentado como inerente ao sistema do Tratado, visando garantir a plena eficácia do direito da UE. As três condições para a responsabilidade do Estado-Membro (Köbler, n.º 51), adaptadas às especificidades da função jurisdicional, são delineadas: a norma violada deve conferir direitos aos particulares; a violação deve ser suficientemente caracterizada; e deve existir nexo de causalidade entre a violação e o prejuízo sofrido. A análise foca nas dificuldades de articulação entre a noção de ilícito judicativo da Lei n.º 67/2007 e a omissão do reenvio, questionando se a violação de normas da UE é, por si só, suficiente para fundamentar uma ação de responsabilidade civil, ou se é necessário que a contradição seja manifesta. A jurisprudência do TJUE e o conceito de “violação suficientemente caracterizada” (acórdão Köbler) são discutidos. O autor cita M.J. Rangel de Mesquita e Georgios Anagnostaras.

VIII.Conclusões

O reenvio prejudicial é considerado fundamental para a integração do Direito da UE nos sistemas jurídicos nacionais. Apesar do valor dos recursos ordinários para corrigir a omissão do reenvio, suas limitações, tanto na construção conceitual do reenvio obrigatório quanto no enquadramento da omissão como nulidade processual, são apontadas. A ação de responsabilidade civil do Estado, embora importante, enfrenta desafios práticos na comprovação dos danos, especialmente no que tange ao “dano de perda de chance”. A pressão indireta sobre os Estados-membros é vista como o principal efeito da ação de responsabilidade.