
Assimetrias Híbridas: Resposta OCDE-UE
Informações do documento
Autor | Ana Paula Pombinho Miranda |
instructor | Inês Pinto Leite |
Escola | Universidade Católica Portuguesa |
Curso | Direito Fiscal |
Tipo de documento | Dissertação |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 0.94 MB |
Resumo
I.Assimetrias Híbridas e Planeamento Fiscal Internacional
Este documento analisa as assimetrias híbridas ( hybrid mismatch arrangements) como um mecanismo crucial de planeamento fiscal (tax planning) em contextos internacionais. A falta de harmonização entre jurisdições fiscais leva a dupla não-tributação (double non-taxation) e dupla tributação (double taxation), criando oportunidades para empresas multinacionais reduzirem sua carga tributária. A problemática central reside na qualificação divergente de entidades, instrumentos e transações entre diferentes Estados, permitindo situações de dupla dedução de gastos (double deduction of expenses) e dedução de gastos sem inclusão de rendimentos (deduction of expenses without inclusion of income). O estudo foca-se em estratégias de BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), explorando o impacto negativo na receita fiscal dos Estados. São analisadas as iniciativas da OCDE (OECD) e da União Europeia (EU) para combater estas práticas, incluindo a Convenção Multilateral para Implementar Medidas Relativas a Tratados Fiscais para Prevenir a Erosão da Base Tributável e a Transferência de Lucros (MLI), e as diretrizes da Diretiva Sociedades Mães-Afiliadas e Diretiva Juros e Royalties.
1. A Internacionalização das Empresas e os Conflitos de Qualificação
A crescente internacionalização das empresas gera conflitos de qualificação jurídica de uma mesma realidade entre diferentes Estados. A aplicação de disposições de ordenamentos jurídicos distintos, muitas vezes não harmonizados, é a raiz do problema. Este contexto é o palco para o surgimento das assimetrias híbridas, tema central do estudo. A análise aborda as diversas modalidades de assimetrias híbridas, seus efeitos, e as iniciativas da OCDE e da UE para combater esses mecanismos de planeamento fiscal. A livre circulação de capitais na UE, a partir de 1994 com o Tratado de Maastricht, conjugada com a globalização, aumentou o fluxo de operações transfronteiriças. Isto resultou numa plurilocalização da receita arrecadada pelos Estados, devido à possibilidade de transacionar além-fronteiras e estabelecer sociedades geradoras de lucros tributáveis em diversos países. A falta de harmonização entre as jurisdições globais, a pluralidade de elementos de conexão que legitimam o direito à tributação e a multiplicidade de critérios para definir esses elementos, especialmente quando a fonte e a residência se localizam em Estados diferentes, levam a situações de dupla tributação ou dupla não-tributação. A dupla não-tributação pode resultar de dupla dedução (dedutibilidade em ambos os Estados) ou dedução sem inclusão (dedução em um Estado, sem tributação no outro). Estes dois problemas (dupla tributação e dupla não-tributação) constituem obstáculos à internacionalização da economia e ao planeamento fiscal, sendo agravados pela existência de zonas offshore, verdadeiros paraísos fiscais que atraem investimentos de grandes empresas devido à baixa ou nula tributação.
2. O Planeamento Fiscal e as Vantagens Fiscais
O planeamento fiscal é apresentado como uma técnica de redução da carga fiscal, onde o sujeito passivo escolhe a solução com menor encargo fiscal. Em contexto internacional, e principalmente em períodos de crise, a componente fiscal torna-se um fator decisivo na atuação das empresas, integrando-se nas suas políticas. O planeamento fiscal visa obter vantagens fiscais, como a diminuição ou anulação da tributação ou o diferimento do imposto a pagar. No entanto, a falta de harmonização entre jurisdições internacionais gera conflitos, como a dupla tributação e a dupla não-tributação, que afetam diretamente as receitas fiscais dos Estados. A distinção entre active income (rendimento sobre o qual o contribuinte tem controlo) e passive income (rendimentos de investimentos) é crucial para determinar a competência tributária primária e secundária. O Estado da fonte (EF) tem competência primária para tributar active income, enquanto o Estado da residência (ER) tem competência primária para passive income. O Estado com competência secundária deve alterar um dos elementos da equação fiscal (Lucro Tributável x taxa de imposto = imposto a pagar) para evitar a dupla tributação. As soluções para a dupla tributação e a dupla não-tributação passam pela ação unilateral dos Estados (alterações na lei interna) ou multilateral (transposição de diretivas da UE e celebração de Convenções de Dupla Tributação – CDT).
3. Conceitos chave Fonte Residência e Estabelecimento Estável
A delimitação da competência tributária entre o Estado da fonte (EF) e o Estado da residência (ER) depende dos conceitos de fonte e residência. A determinação da residência pode ser feita através do critério da sede ('place of incorporation') ou do critério da direção efetiva ('real seat'). O primeiro é puramente formal, enquanto o segundo considera elementos como localização da sede administrativa, centro de gravidade da entidade (local de trabalho dos funcionários, ativos e direção efetiva). Para o Estado da fonte (EF), a competência tributária está relacionada ao conceito de Estabelecimento Estável (EE). De acordo com a CMOCDE, um EE é um lugar fixo de atividade comercial ou um agente dependente. Somente os rendimentos diretamente imputados à atividade de um EE podem ser tributados pelo EF. Se uma empresa tem sede ou direção efetiva em um Estado A, mas gera rendimentos em outros Estados, fala-se em sujeição ilimitada à tributação no Estado A. Por outro lado, se uma empresa residente em um Estado B recebe rendimentos de um Estado A, surge a necessidade de limitar a tributação em A, o que requer a existência de um EE para transformar o regime fiscal numa sujeição ilimitada. A dificuldade de preencher os conceitos de fonte e residência contribui para o surgimento dos problemas da dupla tributação e da dupla não-tributação.
II.Tipos de Assimetrias Híbridas e seus Efeitos
O documento identifica diferentes tipos de assimetrias híbridas, incluindo aquelas criadas por instrumentos financeiros híbridos e entidades híbridas. Estas últimas são classificadas como opacas em uma jurisdição e transparentes em outra, gerando vantagens fiscais ilegais. Os esquemas descritos resultam em dupla não-tributação (double non-taxation), através de mecanismos como a dupla dedução e a dedução sem inclusão de rendimentos. O conceito de estabelecimento estável (permanent establishment - PE) também é crucial, pois sua qualificação divergente entre Estados contribui para a criação de assimetrias híbridas. O documento apresenta exemplos práticos, demonstrando como essas estruturas permitem a redução da carga fiscal, explorando as diferenças no tratamento de active income e passive income.
1. Assimetrias Híbridas Conceito e Mecanismos
As assimetrias híbridas, ou hybrid mismatch arrangements, são um mecanismo frequente de dupla não-tributação, decorrente do tratamento diferenciado dado a instrumentos, entidades e transações em diferentes Estados. Este tratamento diferenciado resulta da falta de harmonização entre jurisdições fiscais internacionais, não sendo considerado comportamento fraudulento. As assimetrias híbridas permitem obter uma vantagem fiscal, configuram-se como um mecanismo de planeamento fiscal, explorando as diferenças de qualificação jurídica de uma mesma realidade entre dois ou mais Estados. Um exemplo crucial reside no tratamento fiscal desigual dado a juros e dividendos. Os juros são dedutíveis na esfera da entidade pagadora e tributáveis na entidade receptora (dedução e inclusão), enquanto os dividendos não são considerados custos dedutíveis no Estado da entidade distribuidora, embora possam sofrer retenção na fonte, podendo ser limitada ou eliminada por aplicação do artigo 10 da CMOCDE, do regime de participation exemption ou da Diretiva Sociedades Mães-Afiliadas. A Diretiva Sociedades Mães-Afiliadas estabelece a não inclusão dos lucros distribuídos na matéria coletável da sociedade-mãe ou sua tributação, seguida de uma dedução do imposto pago pela sociedade afiliada. A diferença entre entidades opacas e transparentes é fundamental. Entidades opacas são tributadas autonomamente, enquanto entidades transparentes têm seus resultados imputados na matéria coletável da sociedade-mãe.
2. Dupla Não Tributação Mecanismos de Dupla Dedução e Dedução Sem Inclusão
As assimetrias híbridas podem levar a dois tipos principais de dupla não-tributação: a dupla dedução e a dedução sem inclusão. A dupla dedução ocorre quando os encargos são dedutíveis em ambos os Estados envolvidos numa transação, reduzindo a carga tributária sem que haja uma correspondente redução nos rendimentos tributáveis noutro Estado. Já a dedução sem inclusão acontece quando determinada transferência de capitais é dedutível na esfera da entidade que a efetua, mas não tributada na esfera da entidade beneficiária. O documento ilustra como o uso de entidades híbridas (consideradas opacas para uma jurisdição e transparentes para outra) facilita a dupla dedução de encargos. Num exemplo, uma entidade híbrida é transparente em E1, e a sociedade-mãe (A) detentora do capital da entidade híbrida (B) não inclui os rendimentos de B na sua matéria coletável. Em E2, a entidade híbrida é considerada opaca e consegue imputar os prejuízos do empréstimo à sua matéria coletável, diminuindo a sua carga tributária. A existência de um Estabelecimento Estável (EE) em apenas uma das jurisdições também pode criar uma assimetria que gera dupla não tributação. Se o ER da entidade proprietária do EE o qualifica como tal, mas o EF não, resulta numa atribuição de competência tributária exclusiva ao ER, enquanto o ER reconhece a existência de um EE no EF, levando a uma competência cumulativa para tributar os lucros gerados pelo EE.
3. Instrumentos Financeiros Híbridos e o Impacto Econômico
O documento destaca o uso de instrumentos financeiros híbridos para criar assimetrias e obter dupla não-tributação. Um exemplo é apresentado onde um financiamento é qualificado como injeção de capital em E1 (não sujeito à tributação) e como financiamento por dívida (com dedução de juros) em E2. Em E2, os juros são dedutíveis na esfera da entidade B, e em E1, os dividendos correspondentes não são incluídos na matéria coletável de A. Este resultado é alcançado devido à assimetria no tratamento dos instrumentos financeiros. O uso de entidades híbridas também é analisado, com enfoque na qualificação jurídica divergente entre jurisdições. Para uma jurisdição, a entidade é opaca, sendo tributada autonomamente; para outra, é transparente, com despesas imputadas diretamente ao lucro tributável da sociedade-mãe. A utilização destes mecanismos, particularmente quando um mesmo investimento é mais atrativo fora da jurisdição doméstica, compromete a eficiência económica do sistema tributário. Apesar das assimetrias híbridas não violarem diretamente disposições legais, seus resultados indesejáveis demonstram a necessidade de medidas de combate a essas práticas, que apesar de não serem ilegais, são prejudiciais à integridade do sistema tributário, permitindo que empresas internacionais obtenham vantagens competitivas em relação a empresas domésticas.
III.Respostas da OCDE e da UE ao Planeamento Fiscal Agressivo
A OCDE, em conjunto com o G20, lançou o Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) para combater o planeamento fiscal agressivo. A Ação 2 do Projeto BEPS foca-se na neutralização dos efeitos das assimetrias híbridas, propondo recomendações para alterações domésticas e na Convenção Modelo da OCDE. A União Europeia (UE), por sua vez, implementou o Pacote Antielisão Fiscal, incluindo a revisão da Diretiva sobre a Cooperação Administrativa, diretivas anti-híbridos, e uma cláusula geral anti-abuso, alinhadas com as recomendações do Projeto BEPS. O objetivo é criar um ambiente mais justo e equitativo na tributação de empresas na UE, prevenindo a utilização de paraísos fiscais (tax havens) e esquemas de zonas offshore.
1. Ação da OCDE e G20 Projeto BEPS
O G20 e a OCDE, através do Comité dos Assuntos Fiscais, lançaram iniciativas para combater o planeamento fiscal agressivo, com foco na transparência e justiça fiscal. O Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) surgiu como resposta aos crescentes desafios, visando a erosão das bases fiscais e a transferência de lucros. O projeto culminou em 15 ações, com recomendações para os Estados, tanto no plano doméstico quanto internacional. A Ação 2, em particular, foca-se na neutralização dos efeitos das assimetrias híbridas. A Convenção Multilateral (MLI) para implementar medidas relacionadas a tratados fiscais para prevenir BEPS, correspondente à Ação 15, tem forte impacto na tributação internacional, principalmente nas convenções bilaterais. A MLI transpõe os resultados do Projeto BEPS para as CDTs, implementando requisitos que combatem sua utilização abusiva. Portugal assinou a Convenção Multilateral em 7 de junho de 2017, com entrada em vigor em 1 de julho de 2018. A Parte II da MLI aborda entidades transparentes (artigo 3º), entidades com dupla residência (artigo 4º) e métodos de eliminação da dupla tributação (artigo 5º). Em suma, se um Estado atribui personalidade tributária a uma entidade, o outro Estado deve reconhecê-la, evitando a dupla residência causada por sujeitos passivos híbridos. O relatório final da Ação 2 (2015) define recomendações para neutralizar os efeitos dos híbridos, através de regras domésticas e alterações na CMOCDE. A Parte I propõe uma resposta primária (negar dedução de encargos não incluídos na matéria coletável do beneficiário) e defensiva (incluir rendimentos na matéria coletável do beneficiário, caso o Estado da entidade pagadora não neutralize a assimetria).
2. Ação da União Europeia Pacote Antielisão Fiscal
A Comissão Europeia elaborou um plano de ação para uma tributação mais justa e coordenada das sociedades na União Europeia, o Pacote Antielisão Fiscal. Este pacote reflete uma nova abordagem económica e política para a tributação das sociedades, visando prevenir planeamento fiscal agressivo e promover a transparência fiscal. Apresentado em 28 de janeiro de 2016, o Pacote anti abuso culmina as iniciativas da UE no combate ao BEPS, incluindo uma cláusula geral anti-abuso e regras anti-híbridos na Diretiva Sociedades-Mães Afiliadas e na Diretiva Juros e Royalties. O Pacote Antielisão Fiscal inclui uma comunicação sobre motivações políticas e económicas; uma recomendação sobre medidas contra práticas abusivas em convenções fiscais; uma revisão da Diretiva sobre Cooperação Administrativa (troca de informações entre autoridades fiscais); uma comunicação sobre estratégia externa de boa governação fiscal; e a Diretiva Antielisão Fiscal (transposição das medidas do BEPS relativas a híbridos para os ordenamentos jurídicos da UE). A Diretiva 2014/86/UE adicionou uma regra anti-híbridos para evitar dupla não-tributação, permitindo isenção fiscal apenas se os lucros forem sujeitos a imposto no Estado da entidade distribuidora. Alterações na Diretiva Juros e Royalties impõem que o beneficiário de juros e royalties seja sujeito passivo de imposto no Estado Membro onde seu estabelecimento está situado. O Projeto BEPS da OCDE define exemplos de operações que constituem entendimentos estruturados para obter vantagens fiscais através de assimetrias híbridas, aplicando um teste objetivo independente das intenções das partes.
IV.Conclusão O Desafio da Harmonização Fiscal Internacional
A globalização e a livre circulação de capitais na UE criaram novos desafios para a harmonização fiscal internacional. As assimetrias híbridas, como demonstrado, exploram lacunas legislativas para reduzir a carga tributária, levando a uma diminuição significativa das receitas estatais. Embora a OCDE e a UE estejam a implementar medidas para combater essas práticas (como o Projeto BEPS e o Pacote Antielisão Fiscal), a complexidade e a falta de harmonização entre jurisdições continuam a representar um obstáculo significativo para garantir a justiça fiscal e a equidade na tributação de empresas multinacionais. A implementação efetiva das recomendações do BEPS e das diretivas da UE é crucial para mitigar os efeitos negativos do planeamento fiscal agressivo (aggressive tax planning) e promover a transparência fiscal (tax transparency).
1. A Globalização e o Desafio à Harmonização Fiscal
A globalização e a consolidação das liberdades fundamentais na União Europeia (UE), como a livre circulação de capitais, trabalhadores e serviços, geraram novos desafios para os sistemas fiscais. As empresas, agora com maior mobilidade internacional, podem estruturar suas atividades além-fronteiras de forma a reduzir sua carga tributária, utilizando estratégias de planeamento fiscal, algumas consideradas agressivas. Estas estratégias contribuem para uma diminuição drástica das receitas estatais, sendo a falta de harmonização entre jurisdições um fator crucial para o seu surgimento. A complexidade aumentou, com a possibilidade de empresas criarem estruturas que tiram proveito de diferentes interpretações legais em distintos países, resultando em situações de dupla tributação ou, mais frequentemente, de dupla não-tributação. A análise de assimetrias híbridas demonstra como essas lacunas legais podem ser exploradas para obter vantagens fiscais, comprometendo a eficácia dos sistemas tributários nacionais e a sua capacidade de arrecadação de impostos. A crise económica mundial a partir de 2008 exacerbou a visibilidade destes problemas, fazendo com que a política fiscal se torne cada vez mais central para a governação de cada Estado.
2. Necessidade de Medidas de Combate ao Planeamento Fiscal Agressivo
Apesar dos esforços para eliminar a dupla tributação através de convenções bilaterais, as situações de dupla não-tributação, associadas à proliferação de zonas offshore, continuam a aumentar. O recurso às assimetrias híbridas conduz a resultados indesejáveis, mesmo sem o incumprimento de disposições legais específicas. A falta de coerência na qualificação jurídica de entidades, instrumentos e transações entre diferentes Estados é o cerne do problema. As entidades podem ser opacas num Estado e transparentes noutro, levando a dupla não-tributação por dupla dedução ou dedução sem inclusão. A eficiência económica do sistema é também posta em causa quando um mesmo investimento se torna mais atrativo fora da jurisdição doméstica, devido à menor carga tributária. A conclusão ressalta que, mesmo que as assimetrias híbridas não representem um incumprimento direto de leis tributárias, o seu impacto negativo nas receitas estatais e na equidade do sistema exige a implementação de medidas de combate eficazes. A integração de ações para neutralizar a dupla não-tributação é fundamental para garantir a sustentabilidade financeira dos estados e a manutenção de um sistema tributário justo e eficaz.