
Framing e Agenda Setting em Campanhas Eleitorais
Informações do documento
Autor | Rute Ilisbon Neves |
instructor | Professora Doutora Helena Lima |
Escola | Faculdade de Letras da Universidade do Porto |
Curso | Ciências da Comunicação |
Tipo de documento | Dissertação |
Local | Porto |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 3.15 MB |
Resumo
I.Enquadramento Teórico Framing Agenda Setting e Agenda Building
Este estudo investiga a cobertura mediática das eleições presidenciais portuguesas de 2016 em três jornais de referência: Diário de Notícias (DN), Público e Jornal de Notícias (JN). A análise centra-se em três conceitos chave da comunicação política: framing (enquadramento), agenda-setting e agenda-building. A pesquisa explora como a cobertura mediática influencia a opinião pública, analisando a forma como os media selecionam e enquadram informações, impactando o que o público considera importante (agenda-setting) e como determinados assuntos chegam à agenda mediática (agenda-building). Autores como Lippmann, Cohen, McCombs e Shaw, entre outros, são referenciados para fundamentar a análise teórica destes conceitos.
1. Introdução A Importância da Análise da Comunicação Política
O texto inicia estabelecendo a relevância do estudo da comunicação política no contexto atual, marcado pela forte presença da política na sociedade e pela massificação dos debates nos media. A análise pretende ir além da simples constatação da presença política nos media, questionando a equidade e o pluralismo na cobertura jornalística. A investigação foca-se na narrativa noticiosa de três jornais portugueses – Diário de Notícias (DN), Público e Jornal de Notícias (JN) – para desconstruir os conceitos de framing, agenda-setting e agenda-building na cobertura mediática da política. Os estatutos editoriais dos jornais, que se comprometem com a verdade, rigor e isenção, são apresentados como ponto de partida para a investigação, levantando a questão de possíveis enviesamentos na cobertura de partidos e candidatos. A pergunta central é se a notoriedade atribuída a cada candidato ou partido político é equitativa e reflete um verdadeiro pluralismo. O estudo considera crucial responder a esta questão, dado o papel dos meios de comunicação social em aproximar os políticos das massas.
2. Agenda Setting A Influência dos Media na Percepção Pública
Esta seção aprofunda o conceito de agenda-setting, destacando a sua relevância para compreender como os media influenciam a percepção do público sobre a importância dos assuntos. A teoria do agenda-setting explica que os consumidores de notícias tendem a dar maior importância aos assuntos destacados pelos media, levando à coincidência entre os temas salientados nos meios de comunicação e os mais discutidos pela esfera pública. A citação de Cohen (1963) – “a teoria do agendamento demonstra que a mídia pode ter efeitos directos (não mediados) sobre as pessoas, tendo, nomeadamente, o poder de “dizer” às pessoas sobre o que pensar” (apud SOUSA, p.8, 2008) – ilustra este poder dos media. A análise cita Lippmann, considerado um dos grandes nomes do agenda-setting, cujo argumento principal é que “os news media, nossa janela para o vasto mundo além da nossa experiência direta, determinam nossos mapas cognitivos do mundo” (apud McCombs; Reynolds, 2002, p.2). Outros autores como Wolf (2003) e Melo (2009) reforçam a influência dos media na construção da opinião pública e na circulação do conhecimento, mostrando como a seleção dos factos e os seus enquadramentos moldam a percepção da realidade.
3. Agenda Building O Processo de Seleção e Enfatização de Assuntos
A seção introduz o conceito de agenda-building, que vai além do agenda-setting, analisando o processo de seleção e ênfase de determinados assuntos pelos media. Gandy (1982) e Colistra (2012) são citados para enfatizar a importância de identificar quem define a agenda mediática, como e com que propósito, e o impacto disso na distribuição de poder e valores na sociedade. O agenda-building é definido como o processo de influenciar as escolhas dos media, reconhecendo que as decisões dos jornalistas não são aleatórias, refletindo seus conhecimentos prévios e contexto. Neuman, Just e Crigler (1992), e Funkhouser (1973) são mencionados por destacarem a possível incoerência entre a agenda pública e a agenda mediática. Kingdon (2003) é apresentado com sua teoria sobre três fluxos que influenciam a agenda dos governos: fluxo de problemas, fluxo de alternativas e fluxo político. Finalmente, Molotch e Lester (1999) são citados, apresentando três categorias de agentes no agenda-building: new promoters, new assemblers e new consumers, demonstrando a complexidade do processo de construção da agenda pública.
4. Framing Enquadramento Saliência e a Construção da Realidade
Esta parte discute o conceito de framing (enquadramento), diferenciando-o do agenda-setting. Enquanto o agenda-setting foca no que se fala, o framing centra-se em como se fala, analisando a construção da narrativa e a forma como determinados aspetos são realçados, moldando a interpretação do público. Reese (2001) é citado para salientar a distinção entre os dois conceitos, enfatizando a intencionalidade do framing e sua relação com estratégias políticas. A seção define o framing com base em Goffman (1974), Carragee e Roefs (2004), e Scheufele (2006), mostrando como os frames atuam como recursos simbólicos que dão sentido aos eventos e situações sociais. Entman (1993) é apresentado com sua definição de framing como a seleção e saliência de determinados aspetos da realidade, promovendo uma interpretação específica. A análise destaca a importância da saliência e seleção de factos na construção do framing, e como este pode orientar a opinião do receptor e disfarçar a intenção do jornalista. Finalmente, a seção apresenta a tipologia de frames de Anabela Carvalho (2000), que inclui frames pessoais, textuais e socioculturais, mostrando a complexidade deste conceito.
II.Análise da Cobertura Mediática Desigualdade na Presença dos Candidatos
A análise da cobertura mediática revela uma significativa desigualdade na presença dos candidatos. Marcelo Rebelo de Sousa, António Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém foram os mais citados nos três jornais, enquanto outros candidatos, como Cândido Ferreira, Jorge Sequeira e Vitorino Silva, receberam cobertura mediática significativamente menor. Esta desigualdade é analisada através de várias variáveis: o posicionamento das notícias (página total, duas ou mais páginas, central e canto da página), as referências em capa, e a frequência de menções dos candidatos e suas palavras-chave associadas. A análise evidencia um potencial enviesamento na cobertura mediática, questionando a imparcialidade dos jornais.
1. Desigualdade na Cobertura Mediática Dados Gerais
A análise da cobertura mediática das eleições presidenciais portuguesas de 2016, nos jornais Diário de Notícias (DN), Público e Jornal de Notícias (JN), revelou uma significativa desigualdade na presença dos candidatos. Marcelo Rebelo de Sousa, António Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém de Sousa foram os candidatos que receberam maior destaque, enquanto outros cinco candidatos (Henrique Neto, Paulo de Morais, Jorge Sequeira, Vitorino Silva e Cândido Ferreira) tiveram uma presença muito reduzida. Mais de 85% da cobertura noticiosa focou-se nesses três candidatos principais, demonstrando um desequilíbrio considerável na cobertura. A análise indica que, mesmo considerando a média entre os três jornais, a diferença na cobertura é gritante, com valores ainda mais expressivos em cada jornal individualmente. Marcelo Rebelo de Sousa liderou a cobertura no DN e JN, enquanto Sampaio da Nóvoa liderou no Público. Maria de Belém ocupou a terceira posição na média geral, com maior destaque no DN. Marisa Matias e Edgar Silva seguiram em posições subsequentes, mas com uma presença muito menor em comparação com os três principais candidatos. Mesmo excluindo Matias e Silva da análise, a desigualdade permanece, com 64,2% da cobertura dedicada aos três candidatos mais populares. Esta disparidade torna quase impossível a ideia de um equilíbrio na cobertura noticiosa.
2. Análise por Variáveis Posicionamento das Notícias Referências em Capa e Propostas Eleitorais
A análise aprofundou a desigualdade na cobertura através de diferentes variáveis. O posicionamento das notícias nas páginas dos jornais foi categorizado em quatro níveis: página total, duas ou mais páginas, central e canto da página. Os resultados mostram que os candidatos mais populares também ocuparam os melhores posicionamentos nas páginas. A análise das referências em capa dos jornais categorizou os conteúdos em três grupos: referência principal (conteúdo mais destacado relacionado com o candidato), referência secundária (conteúdos menos destacados, mas ainda presentes na capa e relacionados com o candidato) e referência de outros intervenientes. A frequência de aparições em capa também revelou um favoritismo para os candidatos mais populares. A cobertura das propostas eleitorais dos candidatos também evidenciou a mesma desigualdade. Cândido Ferreira, um dos menos favorecidos, foi o único com presença nos três jornais, embora com pouca expressão. Outros candidatos, como Jorge Sequeira e Vitorino Silva, tiveram uma presença mínima, com suas propostas noticiadas apenas em um dos jornais. O Público, por exemplo, além dos cinco candidatos mais populares, apenas divulgou as propostas de Cândido Ferreira, mas de forma muito limitada. A análise demonstra a relação entre o posicionamento das notícias, a presença em capa, e a cobertura das propostas eleitorais, todos evidenciando um tratamento desigual dos candidatos.
3. Framing e a Cobertura dos Candidatos Tipos de Enquadramento
A pesquisa analisou a presença de diferentes tipos de framing (enquadramento) na cobertura, utilizando uma tipologia que inclui os frames temático, episódico, personalista e “corrida de cavalos”. O framing temático, focado em propostas e objetivos dos candidatos, e o framing episódico, focado em eventos específicos, foram os mais comuns. Ambos os tipos de framing foram direcionados principalmente para os candidatos mais populares, evidenciando a desigualdade na cobertura mediática. O framing “corrida de cavalos”, que enquadra a campanha como uma competição, foi menos frequente, mas todos os jornais o utilizaram, principalmente através da menção de sondagens. A análise dos dados demonstra a supremacia dos três candidatos mais populares no que diz respeito a denúncias e críticas, tanto na sua origem como no seu alvo, reforçando o desequilíbrio na cobertura. A investigação conclui que a forte ênfase nos três candidatos mais populares, reflete-se em mais de 60% das críticas publicadas pelos três jornais, e estes mesmos três candidatos são o alvo de 84,5% das denúncias. Este foco acentua a desigualdade na cobertura e demonstra como o framing contribui para a construção de uma narrativa desequilibrada.
III.Tipos de Framing Identificados na Cobertura
A análise identificou diferentes tipos de framing (enquadramento) na cobertura dos três jornais: framing temático (foco nas propostas e objetivos dos candidatos), framing episódico (foco em eventos específicos), framing personalista (foco na imagem dos candidatos) e framing “corrida de cavalos” (foco na competição eleitoral). A pesquisa mostra que o framing temático e episódico foram os mais utilizados, principalmente direcionados para os candidatos mais populares. A presença do framing “corrida de cavalos*, evidenciada pelo uso de sondagens, também contribui para a percepção de uma competição desequilibrada, reforçando a desigualdade na cobertura mediática.
1. Tipos de Framing Identificados Uma Tipologia de Quatro Grupos
A análise da cobertura jornalística focou-se na identificação dos tipos de framing (enquadramento) presentes nos três jornais (DN, Público, JN). Utilizando uma tipologia recorrente, a pesquisa categorizou os frames em quatro grandes grupos: temático, episódico, personalista e “corrida de cavalos”. O framing temático abrange as propostas e objetivos dos candidatos, bem como debates políticos. O framing episódico concentra-se em eventos específicos da campanha. O framing personalista focaliza a imagem e personalidade dos candidatos. Finalmente, o framing “corrida de cavalos” (ou game frame) retrata a campanha como uma competição, com foco na posição dos candidatos e suas estratégias para a vitória. A análise utilizou o software MaxQDA para codificar os excertos reveladores de framing, resultando em 481 códigos distribuídos pelos quatro tipos de framing (250 no DN, 99 no JN e 132 no Público). A análise subsequente em SPSS permitiu a construção de gráficos para uma visualização mais clara dos dados e para a identificação de padrões e regularidades na utilização dos diferentes tipos de framing pelos três jornais.
2. Framing Temático e Episódico Predomínio nos Três Jornais
A análise quantitativa revelou que os frames temático e episódico foram predominantes na cobertura dos três jornais, representando, em conjunto, cerca de 75% da amostra. O framing temático, com ênfase nas propostas e objetivos dos candidatos, obteve a maior expressão no Público (35,6%), seguido pelo JN (34,3%) e DN (30%). Exemplos de framing temático incluem a apresentação das propostas de Maria de Belém para inovar as visitas de chefes de Estado a Portugal, incluindo visitas a instituições de apoio social. O framing episódico, embora com valores similares ao framing temático, também teve forte expressão, embora a análise detalhada deste framing não esteja explicitamente descrita nesta seção. A predominância destes dois tipos de framing demonstra a importância dada pelos jornais às propostas dos candidatos e a eventos específicos da campanha, mas, novamente, nota-se o direcionamento destas abordagens para os candidatos mais populares, confirmando as desigualdades na cobertura, como analisado em seções anteriores.
3. Framing Personalista e Corrida de Cavalos Presença e Implicações
A análise também considerou a presença de framing personalista e do framing “corrida de cavalos”. O framing personalista, que foca na imagem individual dos candidatos, teve menos expressão em comparação com os frames temático e episódico, mas ainda assim esteve presente nos três jornais, com ênfase em alguns candidatos. O framing “corrida de cavalos”, que apresenta a campanha como uma competição, foi identificado, principalmente através do uso de sondagens, e mesmo assim presente em todos os jornais analisados, marcando a posição dos candidatos na competição eleitoral. A presença deste tipo de framing, embora não predominante, contribuiu para realçar a rivalidade entre os candidatos mais populares, e a atenção dada a aspectos estratégicos da competição eleitoral, frequentemente ligados à performance em sondagens. A análise conclui que todos os tipos de framing são relevantes para entender a complexidade e o potencial desequilíbrio na cobertura jornalística. A análise detalhada dos excertos e exemplos está presente em seções posteriores da pesquisa, mas a conclusão aqui é de uma desigualdade acentuada, confirmando o framing como ferramenta que reforça a desigualdade na presença de candidatos na cobertura.
IV.Conclusão Framing Isenção e a Construção da Realidade Política
A pesquisa conclui que o framing (enquadramento) desempenha um papel crucial na construção da cobertura mediática das campanhas eleitorais, influenciando a percepção do público. A desigualdade na presença dos candidatos nos três jornais analisados (DN, Público, JN) questiona a imparcialidade proclamada nos estatutos editoriais. Apesar do compromisso declarado com a isenção, a análise demonstra que a cobertura mediática reflete, inevitavelmente, a subjetividade dos jornalistas e interesses subjacentes, impactando a opinião pública. A isenção total é considerada utópica, mas a busca por um equilíbrio na cobertura mediática é fundamental, especialmente em períodos eleitorais.