Cooperação transfronteiriça e integração regional: o Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF)

Cooperação Transfronteiriça: CIF e Integração Regional

Informações do documento

Autor

Alexandre Andreatta

instructor/editor Prof. Dr. José Renato Vieira Martins
Escola

Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA

Curso Integração Contemporânea da América Latina
Tipo de documento Dissertação
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 1.50 MB

Resumo

I.Integração Regional Abordagens Teóricas e o Papel das Fronteiras

Este estudo analisa a integração regional, focando no papel das fronteiras e sua influência no desenvolvimento socioeconômico. A pesquisa utiliza o neofuncionalismo como arcabouço teórico, contrastando abordagens clássicas e contemporâneas. Autores como Haas e Schmitter são fundamentais para entender a integração como processo, não produto, e a importância do spill-over. A perspectiva Westfaliana sobre a soberania estatal é confrontada com a crescente interação transfronteiriça, destacando-se o trabalho de Perkmann sobre a importância das regiões de fronteira na cooperação internacional e a globalização. A pesquisa explora a relação entre integração regional e desenvolvimento local, buscando convergências e efeitos de transbordamento. A União Europeia e suas Euroregiões servem como importante estudo de caso comparativo para a realidade sul-americana.

1. Integração Regional Conceitos e Importância

A seção inicia definindo a integração regional como um instrumento político-chave para o desenvolvimento socioeconômico, especialmente em um mundo globalizado. A articulação entre integração regional e políticas de desenvolvimento local é apresentada como promotora de processos convergentes, gerando efeitos de “transbordamento” que contribuem para a integração regional em larga escala. O estudo busca analisar a formação do Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF) e suas ações de cooperação transfronteiriça, inserindo-o no contexto da integração regional. A metodologia inclui a análise de experiências europeias de cooperação transfronteiriça, representadas pelas Euroregiões, servindo como parâmetro comparativo para o projeto de integração regional na Europa. A análise utilizará uma perspectiva neofuncionalista para explorar o desenvolvimento do capitalismo, a integração da economia internacional, o desenvolvimento de tecnologias da informação e a reformulação do papel dos Estados-nações no processo de integração.

2. Perspectivas Teóricas sobre Integração e Fronteiras

A concepção westfaliana de Estado-nação, que vê as fronteiras como limites entre Estados soberanos, é contrastada com a visão de autores como Perkmann, que as consideram espaços de interação humana crescente. As organizações administrativas nas regiões de fronteira são analisadas como entidades ativas de participação política, não podendo ser desconsideradas no contexto da globalização. Assim, as regiões de fronteira são apresentadas como essenciais para a cooperação entre Estados e a integração regional. Autores como Ernst B. Haas e Philippe C. Schmitter, a partir de seus estudos sobre a integração europeia, destacam a construção de um espaço social em constante transformação, com consequências para o Estado-nação. A integração é apresentada como um processo, e não um produto, requerendo um desenvolvimento endógeno para evitar vulnerabilidade a forças exógenas, particularmente nos estágios iniciais. A cooperação transfronteiriça, com seus impactos além das fronteiras nacionais, é analisada diminuindo a visão macro do sistema internacional, para uma perspectiva mais regional, reconhecendo a intensidade variável das funções exercidas, tanto interna quanto externamente.

3. Integração Europeia como Estudo de Caso

A seção discute a experiência europeia de integração, focando a criação do mercado comum e o movimento de livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais. Isso gerou uma mudança na percepção das fronteiras: de barreiras a pontes entre culturas, sociedades e economias, impulsionando relações transfronteiriças, onde os governos locais desempenharam papel crucial desde a década de 1950. O surgimento do modelo de Euroregião é analisado como resultado da criação de um corpo administrativo com competência transfronteiriça. A comparação com a realidade sul-americana é introduzida, destacando a diferença histórica na formação das fronteiras, definidas por potências europeias durante o processo de colonização, levando a fragmentação e (re)ordenamento territorial. A baixa densidade demográfica em muitas áreas fronteiriças sul-americanas, juntamente com as distâncias e dificuldades de comunicação, resultaram em isolamento e marginalização dessas regiões das políticas de desenvolvimento centrais.

II.Fronteiras e Desenvolvimento Comparação entre Europa e América do Sul

A pesquisa compara as experiências de integração regional na Europa e na América do Sul. Na Europa, as altas densidades demográficas e o fim da Segunda Guerra Mundial impulsionaram a cooperação transfronteiriça, exemplificada pelas Euroregiões. O livre movimento de pessoas, bens e capitais contribuiu para a transformação das fronteiras em pontes. Já na América do Sul, as fronteiras, definidas historicamente por potências europeias, são marcadas por baixa densidade demográfica e isolamento, dificultando a integração regional. A CEPAL e autores como Prebisch e Herrera são mencionados em relação à histórica abordagem do subdesenvolvimento e sua relação com a integração na região, com a ALALC como exemplo de iniciativa.

1. Fronteiras Europeias Alta Densidade e Integração

Na Europa, as áreas de fronteira, comumente marcadas por altas densidades demográficas, apresentam relações transfronteiriças frequentes e espontâneas. O fim da Segunda Guerra Mundial e os projetos subsequentes de integração regional levaram ao estabelecimento de novos limites fronteiriços e à redefinição dos existentes. A transformação de problemas e oportunidades socioespaciais em projetos concretos, por meio do intercâmbio de know-how e informação, foi um objetivo central. A criação de um corpo administrativo com competência transfronteiriça deu origem ao modelo de Euroregião. A integração europeia, particularmente a criação do mercado comum com livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais, transformou a visão tradicional das fronteiras como barreiras, em uma visão de pontes entre culturas e economias. Os governos locais desempenharam um papel essencial nesse processo, promovendo submodelos de integração transfronteiriça desde a década de 1950.

2. Fronteiras Sul Americanas Herança Histórica e Isolamento

Em contraste com a Europa, as fronteiras na América do Sul são o resultado de um processo histórico moldado pela formação dos Estados-nacionais, porém definidas sob a influência e interesse de potências europeias. A formação das nações sul-americanas é caracterizada por fragmentação e constante (re)ordenamento territorial, resultado da expansão do capital comercial europeu durante o processo de colonização. A partilha entre Espanha e Portugal, sem considerar os povos originários, gerou conflitos que persistem até hoje. A baixa densidade demográfica, decorrente da colonização litorânea, associada a grandes distâncias e dificuldades de comunicação, levou ao relativo isolamento das fronteiras sul-americanas, marginalizando-as das políticas centrais de desenvolvimento. A região é analisada buscando-se entender sua estrutura espacial como uma unidade distinta, observando articulações inter e intra-regionais nos processos de desenvolvimento.

3. Desenvolvimento e a Dimensão Espacial das Fronteiras

O estudo da dimensão espacial do desenvolvimento, segundo Brandão (2007), requer o trabalho com escalas específicas, particularmente em países como Argentina e Brasil, ou Espanha e França, analisando regiões ou redes de cidades com tamanhos e tipos variados, submetidas a diferentes lógicas. As decisões de investimento se tornam múltiplas, com dispersão espacial e diferenciação produtiva, possibilitando estratégias de valorização múltiplas. As políticas públicas, anteriormente centralizadas, passaram a ser mais descentralizadas, originando-se em planos regionais e locais. A região fronteiriça dos países co-fundadores do MERCOSUL, descrita por Grinsom, é considerada de grande importância no processo de integração regional. A existência de mecanismos e acordos de cooperação fronteiriça e bilateral, anteriores ao MERCOSUL, como a Comissão da Lagoa Mirim (1963), entre Brasil e Uruguai, é destacada, mostrando uma evolução das políticas públicas para o espaço fronteiriço, com criação de Comitês de Fronteira para discussão de problemas comuns e busca de soluções.

4. Comparação de Modelos MERCOSUL e União Europeia

A ausência de políticas regionais de origem supranacional no MERCOSUL, em contraste com a União Europeia, é destacada. A Euroregião “basca” (Aquitânia-Euskadi), firmada em 2011, serve como exemplo de cooperação normativa e comunitária, visando reforçar a coesão econômica, social e territorial. O acordo abrange cooperação em infraestruturas (trens de alta velocidade), segurança alimentar, agricultura, educação e financiamentos empresariais. Na América do Sul, a região que compreende a província de Misiones, o nordeste de Corrientes, o leste paraguaio, o oeste dos estados da região Sul do Brasil e o norte do Uruguai, apresenta experiências socioculturais e econômicas compartilhadas, resultando em integração de fato. Uma densa rede de relações interpessoais, comerciais e oficiais mantém em vigor a cultura das fronteiras, permitindo adaptação a condições singulares e articulação com mais de um Estado simultaneamente. A CEPAL, em sua crítica à teoria clássica das vantagens comparativas, utilizou as categorias de centro e periferia para mostrar como as relações econômicas sob o capitalismo tendem a reproduzir o subdesenvolvimento e aumentar a distância entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

III.O Consórcio Intermunicipal da Fronteira CIF e a Cooperação Transfronteiriça

O estudo de caso principal é o Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF), localizado na região tri-estadual (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) no Arco Sul do Brasil, na fronteira com a Argentina. O CIF busca promover a cooperação transfronteiriça e o desenvolvimento local através de projetos que fomentam o produto local, o urbanismo integrado e a integração social. A região abrange cidades como Bernardo de Irigoyen (Argentina), Dionísio Cerqueira (Santa Catarina) e Barracão (Paraná), com uma área de aproximadamente 1.561 km². A pesquisa analisa os desafios e as conquistas do CIF, considerando iniciativas como a EXPOCIF e a Feira Comercial, buscando identificar oportunidades de integração regional em um contexto de ausência de políticas multilaterais institucionalizadas, semelhante ao contexto do MERCOSUL. O CIF busca superar as dificuldades impostas pela ausência de políticas multilaterais robustas, similar ao contexto do MERCOSUL.

1. O Consórcio Intermunicipal da Fronteira CIF Localização e Objetivos

O estudo concentra-se no Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF), localizado na região tri-estadual do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina. Essa área, designada pelo Grupo de Trabalho Interfederativo (GTI) sobre Integração Fronteiriça como parte da Fronteira Arco Sul (2009), possui aproximadamente 1.561 km² de área urbana, onde as cidades se interligam por ruas e formam uma fronteira seca. O CIF é uma associação pública de direito público, com objetivos e escopo de trabalho definidos. A história da região é marcada pela conurbação urbana dinâmica e pelo alto fluxo de pessoas e cargas, sujeitas a pressões externas, anterior à criação do MERCOSUL. No lado argentino, Bernardo de Irigoyen, com aproximadamente 15.399 habitantes e 1.064 km², limita-se com as cidades brasileiras de Dionísio Cerqueira (SC) e Barracão (PR), numa fronteira seca de cerca de 32 km (Arnaiz; Dachary, 2012). A formação do CIF, portanto, não se deu exclusivamente pela instituição do MERCOSUL, mas pela dinâmica regional já existente.

2. Histórico da Região e Formação do CIF

O Estado do Paraná, após sua emancipação em 1853, preocupou-se com a delimitação territorial, disputando terras com Santa Catarina e, historicamente, com a Argentina (Questão das Missões, resolvida em 1895). Bernardo de Irigoyen (Argentina) tornou-se município em 1921, enquanto Dionísio Cerqueira (SC), cujo nome deriva do General Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira, antigo ministro das Relações Exteriores brasileiro que demarcou a fronteira, foi oficializado em 1954 (MERCOSUL, 2016). Barracão (PR), estabelecido em 1903 por Castro Cerqueira, tornou-se Distrito Judiciário em 1914. O estudo, portanto, destaca a importância de se compreender a complexa história da região para analisar a formação e o funcionamento do CIF, que surge como uma resposta às necessidades locais de integração e desenvolvimento em uma zona fronteiriça com dinâmicas próprias.

3. Ações do CIF Desenvolvimento Local e Cooperação Transfronteiriça

As ações integradas do CIF são focadas no desenvolvimento local e na cooperação transfronteiriça. Entre os eixos principais estão o desenvolvimento do produto local, com iniciativas como a Exposição das Potencialidades (EXPOCIF) e a Feira Comercial, visando dinamizar a economia local, valorizando suas potencialidades, e criando empregos e renda. O CIF também trabalha na reestruturação do centro urbano dos municípios, buscando um projeto integrado para melhor aproveitamento das vias públicas, com padronização e identificação dos estados por cores, transformando-o em atrativo turístico. Projetos integrados de reciclagem de lixo, com organização de associações de catadores, e de saneamento básico são outros exemplos. A análise compara o CIF com outros processos sul-americanos, como a Comissão da Lagoa Mirim, mostrando as fronteiras como fenômenos evolutivos, adaptando-se às realidades conjunturais.

4. Desafios e Potencial do CIF na Integração Regional

A falta de políticas multilaterais institucionalizadas dificulta os processos em curso no CIF. No entanto, iniciativas como o Grupo Ad Hoc sobre Integração Fronteiriça (GAHIF), o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul (FCCR), e o Grupo de Trabalho de Integração Fronteiriça demonstram a ascensão do Consórcio à integração regional. O CIF torna-se uma ferramenta para analisar os impactos da cooperação sobre as regiões de fronteira e a qualidade das políticas públicas direcionadas a este espaço, identificando oportunidades de aperfeiçoamento. A complexa realidade política, econômica, social e cultural da região exige a compreensão dos atuais usos das fronteiras através de iniciativas de cooperação transfronteiriça. A pesquisa conclui que a integração e cooperação são processos endógenos, porém vulneráveis a forças exógenas, principalmente nos estágios iniciais.

IV.Euroregião Aquitânia Euskadi Um Modelo de Cooperação Transfronteiriça

A Euroregião Aquitânia-Euskadi (entre Espanha e França) serve como exemplo de sucesso em cooperação transfronteiriça. Esta iniciativa, criada em 2011, demonstra como a integração regional pode ser alcançada através de acordos políticos que limitam o uso independente de instrumentos da política econômica, fomentando a estabilidade e a continuidade dos processos. A Euroregião se destaca pela sua capacidade de gerir fundos europeus e promover o intercâmbio cultural e econômico, atuando como um novo espaço social em constante construção, com enfoque em diversos setores, incluindo infraestrutura, agricultura e desenvolvimento econômico. Seu sucesso se relaciona com a busca pela reconstrução da identidade regional e a superação de conflitos históricos na região basca.

1. A Euroregião Aquitânia Euskadi Contexto e Objetivos

A Euroregião Aquitânia-Euskadi, firmada em 2011, é apresentada como um exemplo de cooperação transfronteiriça bem-sucedida entre a comunidade autônoma do País Basco (Espanha) e a região de Aquitânia (França). Seu objetivo principal é reforçar a coesão econômica, social e territorial, por meio da cooperação normativa e comunitária. O acordo inclui a melhoria da cooperação em infraestruturas (interligação de trens de alta velocidade), segurança alimentar, agricultura, educação, formação profissional e financiamentos empresariais (Estatuto de agrupação europeia de cooperação territorial "Euroregião Aquitania-Euskadi", 2011). A criação desta Euroregião é analisada dentro de um contexto de novas relações entre os Estados europeus após o fim da Guerra Fria e a crescente interdependência global, demonstrando como a cooperação transfronteiriça pode ser um motor para o desenvolvimento regional.

2. Motivações Históricas e Políticas da Cooperação

A intensificação da cooperação transfronteiriça na região basca é motivada por razões históricas e políticas. A existência de semelhanças culturais e históricas entre as regiões fronteiriças, e o interesse em reconstruir a identidade e a unidade perdidas no passado, são fatores importantes. O exemplo da Euroregião Aquitânia-Euskadi ilustra como a cooperação pode ser um instrumento para a reconstrução de uma identidade regional compartilhada. O crescente envolvimento de diferentes atores de ambos os lados da fronteira, promovem o networking e a coordenação, criando plataformas que podem ser consideradas embriões de partidos políticos, grupos de interesse ou movimentos sociais integrados. Estas entidades representam e defendem os interesses da Euroregião em um contexto multinível pluralista, regido pelo paradigma de governo europeu. A história da região basca, dividida entre Espanha e França após a formação dos Estados nacionais, e a subsequente busca por autonomia política, culminando na criação do grupo separatista ETA, contextualiza a importância da cooperação transfronteiriça para a construção de paz e desenvolvimento.

3. Implementação e Resultados da Euroregião Aquitânia Euskadi

A Euroregião Aquitânia-Euskadi, além de instância política, é também figura jurídica, capaz de gerir fundos europeus e assumir a propriedade de projetos. Sua institucionalização facilita o acesso a fontes de financiamento e centros europeus de decisão. O intercâmbio entre representantes consulares e líderes econômicos e sociais, inspirado pelas relações entre as Câmaras de Comércio e Indústrias de Bayonne (França) e Guipuzcoa (Espanha), é promovido. A Euroregião também atua na mobilidade cultural e no intercâmbio artístico, abrindo perspectivas para a cooperação na economia criativa. A cultura, como conjunto de conhecimentos, crenças e hábitos, é reconhecida como um patrimônio social importante, e o acesso a valores e tradições culturais é adotado como ação estratégica para a integração popular. A cooperação transfronteiriça na Euroregião Aquitânia-Euskadi se baseia em pontos como a liberdade de circulação de bens e fatores de produção, a existência de indiscriminação de fronteiras e a criação de instrumentos e acordos políticos que limitam o uso independente de instrumentos da política econômica para garantir estabilidade e continuidade aos processos. Muitos projetos foram desenvolvidos em parcerias com associações, administrações municipais, consórcios públicos e iniciativa privada (Plan Estratégico de la Eurorregión 2014-2020, 2014).