Das remoções aos Conjuntos Habitacionais: uma análise da percepção das mulheres chefes de família do Bairro Cidade Nova no município de Foz do Iguaçu/PR

Remoções e Moradia: Percepção Feminina em Foz

Informações do documento

Autor

Fernanda Sobral Rocha

instructor Prof. Dr. Exzolvildres Queiroz Neto
Escola

Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)

Curso Políticas Públicas e Desenvolvimento
Tipo de documento Dissertação
Local Foz do Iguaçu
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 3.10 MB

Resumo

I.A Percepção de Mulheres Chefes de Família sobre Remoções Habitacionais em Foz do Iguaçu

Esta pesquisa analisa a percepção de mulheres chefes de família residentes no bairro Cidade Nova, em Foz do Iguaçu, sobre as remoções habitacionais promovidas pelo programa FOZHABITA. O estudo, utilizando a análise de conteúdo de entrevistas, revela as consequências negativas das remoções, incluindo a interrupção das relações de vizinhança, a exposição à violência urbana, a ausência de políticas públicas adequadas, e problemas relacionados à localização dos novos conjuntos habitacionais. A pesquisa destaca a importância da participação das mulheres no ciclo das políticas públicas, mas também evidencia a sua limitada participação e a necessidade de maior inclusão e consideração das suas necessidades específicas em projetos de reassentamento e políticas habitacionais.

1. Metodologia e Análise dos Dados

A pesquisa utilizou a análise de conteúdo como método principal para compreender a percepção das mulheres chefes de família do bairro Cidade Nova em Foz do Iguaçu sobre as remoções habitacionais promovidas pelo programa FOZHABITA. A coleta de dados se deu por meio de entrevistas com as mulheres, focando em suas experiências e perspectivas sobre o processo de realocação. A análise dessas entrevistas resultou na identificação de cinco subcategorias: 1) a interrupção da relação de vizinhança; 2) a violência; 3) a ausência de políticas públicas; 4) a localização; e 5) a participação das mulheres no ciclo da política pública. Uma categoria central emergiu da análise: a memória das mulheres, que trouxe à tona suas vivências e emoções relacionadas às remoções. O método qualitativo permitiu uma imersão profunda na experiência subjetiva das mulheres, revelando nuances e detalhes que métodos quantitativos poderiam perder. A escolha de entrevistas individuais, ainda que tenha apresentado obstáculos iniciais como a dificuldade de agendamento e receio das entrevistadas em compartilhar suas memórias, foi fundamental para obter respostas focadas e reflexivas, possibilitando a construção de narrativas ricas em detalhes e emoções. A amostragem, embora aleatória e indicativa, contribuiu para um panorama abrangente das percepções, considerando que a amizade entre as mulheres facilitou o desenvolvimento das entrevistas.

2. Consequências das Remoções Impactos na Vida das Mulheres

Os resultados da pesquisa evidenciam os impactos negativos das remoções mal planejadas no dia a dia das mulheres. A perda das relações de vizinhança, um aspecto fundamental da vida social e de apoio mútuo, foi profundamente sentida. A violência urbana, presente no relato de diversas entrevistadas, representou um fator crítico de insegurança, afetando a rotina e a tranquilidade das famílias. A falta de políticas públicas adequadas, incluindo a precariedade em infraestrutura (transporte público deficiente, falta de escolas e postos de saúde próximos), agravou as dificuldades e limitações das mulheres no acesso a serviços essenciais. A localização dos novos conjuntos habitacionais, muitas vezes distantes dos locais de trabalho e de outros serviços, impôs desafios adicionais, afetando a vida profissional e familiar dessas mulheres. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, como a falta de infraestrutura básica, o transporte precário e a violência, levaram muitas a retornarem para seus antigos bairros, mesmo com as condições precárias de moradia. A ausência de planejamento e a falta de políticas públicas que levassem em conta as necessidades específicas das mulheres e de suas famílias contribuíram significativamente para esses impactos negativos. A pesquisa demonstra, através dos depoimentos, a dificuldade de inserção das famílias em um novo ambiente desprovido dos recursos básicos para uma vida digna. A experiência de mudança forçada gerou um sentimento de perda e deslocamento, afetando a estabilidade emocional e a qualidade de vida das mulheres.

3. Participação Política das Mulheres e a Necessidade de Mudança

A pesquisa também destaca a participação das mulheres, ou a falta dela, no ciclo de políticas públicas. Embora reconheçam a importância da participação feminina na tomada de decisões sobre políticas de habitação, a pesquisa indica um baixo engajamento por parte da maioria das entrevistadas, devido a diversos fatores, como falta de tempo e recursos financeiros, e o próprio desgaste emocional causado pela situação de remoção. Apesar da pouca participação, o estudo evidencia a necessidade de incentivo e suporte para aumentar o envolvimento das mulheres, considerando as suas necessidades e limitações. Uma das entrevistadas, entretanto, apresenta-se como agente ativa, participando ativamente dos conselhos comunitários, mostrando que mesmo em meio as dificuldades, é possível a atuação política como forma de transformação social. A pesquisa destaca a importância do envolvimento efetivo dessas mulheres, pois elas possuem uma visão diferenciada das necessidades da comunidade, muitas vezes ignoradas. A pesquisa sugere a criação de espaços e mecanismos que facilitem sua participação, incluindo a provisão de creches e alimentação durante as reuniões, liberando as mulheres de tarefas domésticas e de cuidado com os filhos. O depoimento de uma entrevistada sobre a necessidade de participar ativamente dos conselhos comunitários, mesmo com gastos pessoais de tempo e recursos, reforça essa urgência e o quanto o engajamento feminino pode contribuir para a formulação de políticas habitacionais mais justas e efetivas.

II.O Papel da Especulação Imobiliária e a Exclusão Socioespacial

A pesquisa contextualiza as remoções dentro de um quadro de especulação imobiliária, onde a habitação deixa de ser um direito social e se transforma em um ativo financeiro. A segregação espacial resultante expulsa a população de baixa renda para áreas periféricas, desprovidas de infraestrutura e serviços públicos essenciais. O conceito de aglomerados de exclusão, proposto por Haesbaert, descreve a concentração de pessoas em locais precários, sujeitas à exclusão social, econômica, e ambiental. A falta de democratização do acesso à terra urbana agrava essa situação.

1. A Habitação como Bem de Uso x Capital Fixo

O texto inicia abordando a mudança de paradigma na concepção da habitação. A crença na autorregulação do mercado imobiliário, combinada com o desenvolvimento de produtos financeiros inovadores, levou ao abandono da política pública que via a habitação como um bem social, um direito acessível a todos, especialmente à população de baixa renda. Rolnik (2015) é citado para explicar essa transição, onde a casa deixa de ser um bem de uso e passa a ser um capital fixo, cujo valor é determinado pela especulação imobiliária e pela expectativa de aumento dos preços no mercado. Essa nova economia política, centrada na habitação como meio de acesso à riqueza, acarreta consequências graves para as camadas mais vulneráveis da população, que são excluídas do acesso a moradias dignas. A mudança de foco para a habitação como investimento, em detrimento de seu caráter social, reforça a desigualdade e a segregação espacial.

2. Segregação Espacial e Aglomerados de Exclusão

A ocupação do espaço urbano, sob a ótica do capitalismo, é apresentada como um processo de segregação, onde os mais ricos se apropriam dos espaços mais valorizados, enquanto os mais pobres são relegados às periferias. Gomes (2013) é citado para ilustrar a dificuldade de acesso a áreas modernizadas devido à especulação imobiliária e à falta de políticas públicas inclusivas. Maricato (2017) complementa esse argumento, enfatizando a falta de democratização do acesso à terra urbana em sociedades capitalistas, resultando na segregação espacial e na valorização diferenciada do solo urbano de acordo com a localização. Essa disputa acirrada por áreas com melhores infraestruturas (emprego, transporte, serviços) leva à expulsão da população mais pobre para locais periféricos. O conceito de “aglomerados de exclusão” (Haesbaert, 2007a e 2016), que descreve o amontoado de pessoas em territórios precários e desprovidos de recursos, é crucial para compreender a dinâmica da exclusão socioespacial. Essa exclusão é vista como multifacetada, englobando aspectos sociais, econômicos, ambientais, jurídicos e culturais, conforme aponta Maricato (2003). A análise ressalta a importância de considerar o território como um recurso essencial para a reprodução social e como a pobreza e a exclusão social são frequentemente associadas a uma exclusão socioespacial e territorial.

3. Pobreza Urbana Migração e Ausência do Estado

A pobreza urbana é relacionada à falta de emprego e à migração do campo para a cidade, intensificada pelo processo de industrialização. Leguizamón (2007) destaca as teorizações sobre a produção da pobreza urbana, vinculando-a à falta de oportunidades de trabalho e à carência de políticas habitacionais que garantam o acesso a serviços básicos. A ausência dessas políticas impulsiona a migração para favelas e ocupações ilegais, contribuindo para a formação de aglomerados de exclusão. Apesar de a narrativa dominante apontar a ausência do Estado como causa desses locais, o estudo ressalta que o Estado desempenha um papel fundamental na formação, consolidação e remoção desses assentamentos, mediando ativamente os processos, como indicado pela menção a Fernandes (2008). A ilegalidade urbanística é acompanhada da ilegalidade na resolução de conflitos, o que agrava as condições de vida dessas populações. A falta de acesso a infraestrutura urbana (transporte, saneamento, saúde, educação), somada à violência e à discriminação, acentua a exclusão em todas as suas dimensões.

III.A Cidade Nova Um Estudo de Caso de Remoção e suas Consequências

A criação da Cidade Nova em Foz do Iguaçu é apresentada como um exemplo de limpeza social, com a remoção de moradores de áreas centrais para um local periférico. A falta de planejamento adequado resultou em graves problemas de infraestrutura, como a ausência de transporte público eficiente, de escolas, postos de saúde, e a persistência da violência. A pesquisa mostra como a ausência de serviços básicos contribuiu para o retorno de muitas famílias às áreas de ocupação irregular. O programa FOZHABITA, responsável pela remoção, é criticado por sua falta de integração com outras políticas públicas e por ignorar a participação efetiva da comunidade no planejamento. A pesquisa destaca a importância da integração das políticas habitacionais com outras políticas sociais para garantir a dignidade e o bem-estar dos moradores.

IV.A Importância da Participação das Mulheres na Política Pública de Habitação

A pesquisa enfatiza a necessidade crucial da participação das mulheres na formulação e implementação de políticas públicas de habitação. As entrevistadas demonstram que a visão e as necessidades das mulheres chefes de família são frequentemente ignoradas, levando a projetos inadequados e soluções ineficientes. A pesquisa ressalta a importância da participação das mulheres nos conselhos municipais e a necessidade de mecanismos que facilitem sua participação, considerando as suas limitações de tempo e recursos. Um projeto de extensão da UNILA, o livro “O peso das remoções urbanas”, ilustra as experiências e dificuldades vividas pelas famílias removidas para a Cidade Nova.

1. A Visão das Mulheres sobre a Participação Política

A pesquisa destaca a importância da participação das mulheres nas políticas públicas, especialmente nas relacionadas à habitação. As entrevistadas afirmam que as mulheres têm uma perspectiva diferenciada, baseada nas suas experiências cotidianas como mães e chefes de família. Elas sabem o que é necessário para garantir uma melhor qualidade de vida para as famílias, como escolas, creches, postos de saúde próximos, áreas de lazer e segurança. Essa visão, muitas vezes ausente no planejamento governamental, é fundamental para a criação de políticas públicas mais eficazes e inclusivas. A maioria das famílias hoje é chefiada por mulheres que, frequentemente, são responsáveis pelo cuidado dos filhos e pela renda da casa. Essa dupla jornada de trabalho dificulta a participação efetiva das mulheres em conselhos e espaços de decisão, necessitando de políticas de apoio para facilitar essa participação.

2. Dificuldades e Obstáculos à Participação Feminina

Apesar da percepção da importância da participação feminina em políticas públicas de habitação, a pesquisa revela a existência de dificuldades e obstáculos que impedem ou limitam o engajamento das mulheres. A falta de tempo, devido à dupla jornada de trabalho (trabalho remunerado e tarefas domésticas), é um dos principais entraves. A ausência de políticas que auxiliem as mulheres a conciliar suas responsabilidades domésticas com a participação política é criticada. Algumas entrevistadas demonstram a dificuldade de equilibrar os afazeres domésticos com a participação em espaços de decisão, mesmo reconhecendo sua importância. A entrevistada 3 exemplifica esse desafio, afirmando investir tempo e recursos próprios para participar de conselhos, demonstrando um grande empenho pessoal para entender e participar da política pública, mas destacando a falta de apoio institucional. Sugestões como a disponibilização de creches e alimentação em locais de reunião são apresentadas para facilitar a participação feminina, enfatizando a necessidade de políticas públicas que apoiem a participação das mulheres.

3. O Projeto de Extensão da UNILA e a Memória Coletiva

O projeto de extensão da UNILA, “Livros de pano: expressões da vida urbana”, realizado em 2017, é mencionado como um exemplo de iniciativa que captou a percepção dos moradores do bairro Cidade Nova sobre suas experiências. O livro resultante, “O peso das remoções urbanas”, documentou as dificuldades e aflições das famílias removidas, dando voz às suas histórias e experiências. Este projeto reforça a importância da memória coletiva para a compreensão das consequências de um programa habitacional mal planejado e para o futuro das políticas habitacionais. O livro, que encontra-se na Biblioteca Cidade Nova, se torna um registro fundamental das dificuldades enfrentadas pelas famílias, e um instrumento de reflexão para futuras políticas de reassentamento. A recordação das dificuldades vividas pelos moradores, incluindo a falta de transporte, educação e saúde, é crucial para compreender o impacto das remoções na vida das pessoas. A página com fitinhas pretas de luto, representando a perda de jovens vítimas da violência, destaca o lado mais impactante dessa experiência. A análise final reforça a necessidade de uma profunda mudança nas políticas habitacionais, considerando a participação efetiva da população, principalmente a perspectiva e as necessidades das mulheres, para que futuros projetos atendam às necessidades reais da comunidade, promovendo a dignidade e o bem-estar social.