De rocks, murgas e maracatus: o fazer musical e a construção do “local” sob o neoliberalismo latino-americano da virada de século. Um estudo comparativo das bandas Bersuit Vergarabat (Argentina) e Chico Science & Nação Zumbi (Brasil)

Música, Local e Neoliberalismo na América Latina

Informações do documento

Autor

Larissa Fostinone Locoselli

instructor/editor Adrián Pablo Fanjul
Escola

Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Curso Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana
Tipo de documento Tese
Local São Paulo
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 2.56 MB

Resumo

I.Reconfigurações Simbólicas na Música Popular Latino americana dos Anos 90 Um Estudo Comparativo

Esta pesquisa analisa as reconfigurações simbólicas na música popular latino-americana (MPL) do início da década de 1990, sob a influência do processo de hegemonização do capitalismo pós-industrial e das políticas neoliberais. O foco é a produção de bens simbólicos, especificamente bandas que participaram das disputas em torno do rock considerado "nacional" e se definiram através de conceitos como "mistura", "fusão" e "hibridismo". O estudo realiza uma análise de discurso materialista, comparando dois casos: as bandas Bersuit Vergarabat (Argentina) e Chico Science & Nação Zumbi (Brasil). Palavras-chave: Música Popular Latino-americana, Análise de Discurso, Neoliberalismo na América Latina, Rock Latinoamericano, Hibridismo Cultural.

II.Determinação Discursiva do Local e do Forâneo na Música de Bersuit Vergarabat e Nação Zumbi

A análise investiga como o "local" e o "forâneo" são construídos discursivamente nas músicas das bandas. Para isso, utiliza-se um corpus de canções, álbuns, entrevistas, reportagens e documentários. A pesquisa observa que a tematização da desigualdade social é decisiva na construção do "local" em ambos os casos. A metodologia foca na cenografia enunciativa e na constituição de objetos discursivos, considerando também a materialidade musical e corporal (performática). Palavras-chave: Análise de Discurso, Nação Zumbi, Bersuit Vergarabat, Local e Forâneo, Materialidade Musical. A banda Nação Zumbi, com Chico Science como figura central em seu início, e a Bersuit Vergarabat são analisadas em seus álbuns, performances e entrevistas, buscando entender a construção identitária em suas músicas.

III.Contexto Sócio Histórico e a Produção Musical Argentina e Brasil nos Anos 1990

Este estudo contextualiza as bandas dentro do cenário sócio-histórico da Argentina e do Brasil dos anos 1990, marcado pela aplicação de políticas neoliberais e suas consequências. Na Argentina, a crise de 2001 e o contexto do rock nacional são abordados, assim como a atuação da banda Bersuit Vergarabat, incluindo álbuns como Libertinaje (1998) e Hijos del culo (2001) e a produção de Gustavo Santaolalla. No Brasil, a pesquisa analisa o contexto da música popular pernambucana, o movimento Mangue Beat, e o papel da Nação Zumbi, incluindo álbuns como Da lama ao caos (1994) e Afrociberdelia (1996), considerando a influência de Chico Science e a cena underground de Recife-Olinda. Palavras-chave: Neoliberalismo, Crise Argentina 2001, Rock Argentino, Música Popular Pernambucana, Mangue Beat, Chico Science.

IV.Análise da Materialidade Discursiva nas Canções Exemplos e Metalinguagem

A análise detalha a materialidade discursiva das canções, incluindo aspectos textuais, musicais e performáticos. Examina-se a construção da metalinguagem, a relação entre o “local” e o “forâneo”, o uso de gêneros musicais diversos e a representação da identidade. São analisadas as estratégias discursivas para a construção da identidade nacional e regional, através da combinação de gêneros musicais distintos. A pesquisa explora a relação entre a linguagem verbal e a musical, e a inserção de elementos de outras culturas. Palavras-chave: Análise da Música, Metalinguagem, Gêneros Musicais, Identidade Cultural. Exemplos específicos de canções e trechos são analisados para ilustrar as estratégias discursivas.

1. Metalinguagem e a Construção da Identidade da Nação Zumbi

A análise da materialidade discursiva nas canções da Nação Zumbi destaca a construção de uma metalinguagem, principalmente relacionada ao Maracatu. O nome da banda, "Nação Zumbi", já inscreve a sua identidade numa memória discursiva pernambucana. A presença sonora e visual das alfaias – instrumento-chave no Maracatu de baque virado – nas performances reforça essa ligação. A textualidade das canções também apresenta diversas referências, diretas ou metonímicas, ao Maracatu. Há, contudo, tendências inversas entre os aspectos musicais e textuais nas duas fases da banda: na primeira, liderada por Chico Science, a sonoridade era mais focada no diálogo entre Maracatu, rock, funk e hip hop; já na segunda fase, após a morte de Chico Science, as referências textuais ao Maracatu se tornam mais sistemáticas, enquanto a musicalidade se diversifica, se afastando da sonoridade original. A análise observa que a metalinguagem, por meio das referências ao Maracatu, influencia a escuta e a formação de público e opinião sobre a banda.

2. Análise de Exemplos Específicos Samba Makossa e a Construção Discursiva do Samba

A análise examina como o conceito de "samba" é construído como objeto discursivo em uma canção específica. A formulação "pra desvendar o samba" introduz o tema, mas o segmento narrativo é considerado opaco. A pesquisa busca interpretar o significado implícito nas ações descritas, como "não falha" e "não cai do chão." Uma representação de "samba" é então delineadapela sequência "mal ouvido ou não, já vi muito por aí," mostrando sua propagação mesmo com inserção problemática. A canção "Samba Makossa" dialoga diretamente com a canção de Donga "Samba da Minha Terra", deslocando-se temporal e geograficamente do paradigma do "samba carioca." Essa intertextualidade contribui para a inscrição da canção num discurso sobre a tradição do samba no Brasil, ampliando o conceito de "samba" além de sua origem carioca.

3. A Relação entre Recife Nordeste e Brasil Uma Questão de Lugar de Dizer

A pesquisa analisa a construção discursiva do "Nordeste" e sua relação com o "Brasil", particularmente na fala de Chico Science. A frase: "chegamos, atingimos muitos lugares com esse pequeno satélite (...) de longo alcance aí, para todo o Brasil," expressa a relação entre Recife, Pernambuco, Nordeste e o Brasil como algo marcado por distanciamento e desconexão. Essa formulação difere da que seria utilizada por um locutor carioca ou paulista, o que destaca o lugar de enunciação como crucial na construção de sentido. O eixo Rio-São Paulo é identificado como o epicentro econômico, político e cultural do país, a partir do qual as narrativas se projetam. Ao contrário, a noção de "Nordeste" é frequentemente representada de maneira homogênea e desprovida de singularidade, regional ou complexidade em diferentes discursos analisados.

4. Análise Comparativa Nação Zumbi x Universal Zulu Nation

A análise da canção que apresenta a interação entre a Nação Zumbi e Afrika Bambaataa destaca a demarcação de diferentes vozes, enunciativas e performáticas. A canção, com partes em português e inglês, tematiza a própria existência da Nação Zumbi em relação à Universal Zulu Nation (UZN), fundada por Bambaataa. A Universal Zulu Nation, inicialmente uma organização juvenil voltada para a música, expandiu-se como um movimento mundial com a ascensão do hip hop. A citação da entrevista de Bambaataa em 2013 (“el entrecruzamiento de diferentes géneros y sonoridades dentro de un mismo disco”) ajuda a contextualizar a noção de mistura de gêneros musicais presente na análise. Essa comparação evidencia o diálogo intercultural e a construção de uma identidade musical híbrida.

5. Materialidade Discursiva e o Embate entre Inglês e Espanhol

A análise discute a relação entre o inglês e o espanhol numa canção específica, focando na materialidade discursiva, incluindo aspectos textuais, musicais e performáticos. A pesquisa argumenta que, apesar da presença de trechos em inglês (principalmente no refrão), não há dominação do inglês sobre o espanhol. A inserção de termos em inglês (money, shit, yeah) é contextualizada como uma contingência, contrastando com termos em espanhol (vil metal, mierda), com a repetição da palavra em espanhol reforçando a oposição. A análise invoca o trabalho de Eduardo Guimarães sobre o espaço de enunciação para sustentar a ideia de um “embate” entre as línguas, com o inglês fornecendo modelos que são reconfigurados pelo espanhol, na relação com o falante.