
Eurocentrismo no Haiti: Análise da Decolonialidade
Informações do documento
Autor | Sanel Charlotin |
school/university | Universidade Federal da Integração Latino-Americana |
subject/major | Ciência Política e Sociologia - Sociedade, Estado e Política na América Latina |
Tipo de documento | Trabalho de Conclusão de Curso |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 637.07 KB |
Resumo
I.O Branqueamento de Pele Blanchiment de la peau no Haiti Uma Análise Decolonial
Esta monografia analisa o fenômeno do branqueamento de pele (blanchiment de la peau) entre mulheres haitianas após o terremoto de 2010. O estudo investiga as razões socioeconômicas e culturais por trás dessa prática, profundamente enraizada no colorismo e na colonialidade estética. A busca por uma pele mais clara está intrinsecamente ligada à obtenção de melhores oportunidades de casamento, emprego e status econômico, refletindo a internalização de padrões de beleza impostos pela colonialidade do ser e saber.
II.Colonialidade Colonialismo e o Corpo Haitiano
A pesquisa contextualiza o branqueamento de pele no Haiti dentro do contexto mais amplo da colonialidade e do colonialismo. A análise se baseia nas obras de autores decoloniais como Enrique Dussel, Aníbal Quijano e Walter Mignolo, explorando como a modernidade e o eurocentrismo impuseram padrões de beleza que desvalorizam a pele negra. O estudo discute a interligação entre colonialidade e colonialismo, mostrando como mecanismos de imperialismo e subimperialismo, incluindo a influência da diáspora haitiana, perpetuam a colonialidade estética no Haiti.
1. A Modernidade a Colonialidade e a Construção da Beleza
Esta seção estabelece o contexto teórico-conceitual para a análise do branqueamento de pele no Haiti. Parte-se da premissa de que a modernidade, com sua visão eurocêntrica, impõe padrões de beleza que desvalorizam a estética negra. A percepção de beleza é construída socialmente, não sendo natural, como argumentam Breton (2007) e Boniol (1995). A separação corpo/cor na definição de beleza é consequência do projeto moderno, que utiliza o sexismo e o racismo para garantir a dominação dos grupos europeus sobre o ‘Outro’. A pesquisa propõe uma análise sociológica do branqueamento de pele, com um enfoque decolonial, entendido como um movimento acadêmico de resistência à modernidade e à busca pela re-existência e resubjetividade. O objetivo é ambicionar o pluriversalismo, abrindo espaço para saberes não-ocidentais dentro do sistema-mundo capitalista moderno/colonial. A modernidade, apesar de seu discurso de progresso, perpetua a colonização de forma coercitiva e brutal, através da questão racial. Essa colonização impulsionou a ascensão da ciência ocidental, que se utilizou da ideia de raça para desconsiderar outras culturas e ciências.
2. Colonialidade e Colonialismo Uma Análise de Enrique Dussel
A seção se aprofunda na discussão sobre a colonialidade e o colonialismo, utilizando a obra de Enrique Dussel (1994) como base teórica. Dussel compreende a modernidade como resultado do 'ego' europeu, estabelecendo uma subjetividade moderna eurocêntrica. A data de 1492 é apresentada como marco inicial dessa construção, culminando com o 'ego cogito' cartesiano. Dussel critica o mito da modernidade, que se autodefine como superior, utilizando os trabalhos de Ginés de Sepúlveda, Bartolomé de las Casas e Immanuel Kant para ilustrar as violências e conflitos ocultos por trás dessa construção. A obra de Dussel permite detalhar a diferença entre colonialismo e colonialidade e como ambos surgiram na modernidade. Mignolo é citado por definir a colonialidade como uma matriz ou padrão colonial de poder que se esconde por trás da retórica da modernidade. A modernidade, além dos avanços tecnológicos e científicos, encobre as violências e os conflitos sociais, corporais e espirituais gerados pela relação de poder entre o ‘Eu’ e o ‘Outro’.
3. A Interligação entre Colonialidade e Colonialismo e suas Manifestações
Esta parte analisa a interligação entre colonialidade e colonialismo e como se manifestam em diferentes momentos históricos. A conquista da América em 1492 é apresentada como marco inicial da colonialidade, ligada à exploração de recursos e à imposição de trabalho forçado aos povos indígenas. A colonialidade está relacionada com a ideia de raça, a expansão do capital e o discurso de modernizar outras culturas. A pesquisa discute o conceito de “giro colonial”, afirmativo de que tudo que des/construímos está ligado ao fruto da modernidade, até mesmo a produção acadêmica eurocêntrica. Autores da epistemologia do sul são citados por sua análise sobre o estabelecimento da colonialidade através da expansão do capital, mostrando as relações sociais de exploração e dominação. O colonialismo é descrito como uma usurpação de soberania, impondo exploração política, econômica e cultural. A obscuração violenta gerada pelo colonialismo fortalece a violência simbólica que estrutura a colonialidade de poder. O pós-colonialismo é brevemente abordado, com ênfase em sua origem britânica e americana, ligada à hegemonia linguística e econômica. A colonialidade é vista como um padrão de poder estabelecido pela expansão colonial europeia a partir de 1492.
4. O Haiti Um Contexto de Resistência e Perpetuação da Colonialidade
Esta seção discute o contexto específico do Haiti, enfatizando seu papel histórico como um país anticolonial e a persistência da colonialidade apesar de sua luta pela independência. O texto menciona a influência do imperialismo e subimperialismo na metade do século XX, mesmo com a manutenção da “fierté noiriste”. Labelle (1987) é citado para ilustrar a dependência do Haiti, baseada na desigualdade e exploração do trabalho, e na ideologia da cor. Césaire (2006) considera o Haiti como semicolonial, com uma ideologia de cor (entre mulatos e antigos escravos). A intervenção militar estrangeira é apresentada como uma tática do colonialismo, através do imperialismo e subimperialismo, com foco na exportação de capitais. Hobson (1902), Rosa Luxemburg (1915) e Lenin (1917) são mencionados por suas análises sobre o imperialismo. Marini (1977) é citado pela sua abordagem sobre o subimperialismo. O preconceito de cor é exacerbado pela precariedade econômica do Haiti e pela influência da diáspora haitiana e estrangeiros no país, principalmente sobre as mulheres marginalizadas. A pesquisa levanta questões sobre o impacto do racismo estrutural nos países centrais e a influência de estrangeiros brancos no branqueamento de pele. A narrativa de Fanon sobre o “querer estar com a mulher branca” é mencionada, além da influência da colonialidade estética no Haiti, que reforça a superioridade da pele clara.
III.Aspectos Socioeconômicos e o Branqueamento de Pele
O estudo explora as implicações socioeconômicas do branqueamento de pele, destacando como a precariedade econômica e a desigualdade social no Haiti contribuem para a prática. A pesquisa aponta a influência da mídia e da publicidade na propagação de padrões de beleza eurocêntricos, que reforçam a ideia de que a pele clara está associada ao sucesso e à prosperidade. A pesquisa menciona o papel do patriarcado e como as mulheres haitianas veem o casamento como uma forma de ascensão social, influenciando sua busca pela pele mais clara. Os produtos utilizados, frequentemente importados de países centrais, apresentam riscos à saúde, como o câncer de pele, e sua venda é predominante em cidades como Delmas, Porto Príncipe e Petion-Ville.
1. As Razões Sociopsicológicas para o Branqueamento da Pele
Esta seção analisa as motivações sociopsicológicas que levam as mulheres haitianas a praticar o branqueamento da pele. A baixa autoestima, influenciada pela desigualdade social e pela busca de um melhor status econômico, é um fator crucial. A discriminação sofrida pelas mulheres negras, inclusive o abandono por parte dos homens negros, impulsiona a busca por padrões de beleza eurocêntricos, onde a pele clara é associada à atratividade e à possibilidade de um bom casamento. Essa visão, segundo Touré (2012) e Uzogara (2014), está relacionada à auto-estima e à busca por uma melhor condição de vida. A preferência por mulheres de pele mais clara por parte dos homens haitianos reforça esse ciclo de exclusão social. O casamento é visto como uma forma de ascensão social, perpetuando um sistema patriarcal onde a valorização da mulher depende da aprovação masculina, como demonstra Pateman (1995) em seu estudo sobre o patriarcalismo clássico.
2. Aspectos Econômicos e de Saúde Relacionados ao Branqueamento
A análise se estende aos aspectos econômicos e de saúde relacionados ao branqueamento da pele, destacando a disparidade entre países centrais e periféricos na produção e regulamentação dos produtos. A pesquisa revela que os produtos despigmentantes, frequentemente produzidos e testados em países desenvolvidos, causam problemas graves de saúde, como o câncer de pele, devido à presença de substâncias como hidroquinona e cortisone. Em países como França e Inglaterra, há movimentos de sensibilização sobre os riscos desses produtos e campanhas para conter o branqueamento na comunidade negra. No entanto, no Haiti, falta intervenção pública sobre a questão, especialmente no que se refere à saúde. A falta de políticas públicas não impede o crescimento do branqueamento, motivado pela busca por elegância e atratividade, perpetuando a colonialidade estética. A discriminação enfrentada pelas mulheres haitianas, combinada com a influência da mídia e da publicidade, contribui para uma subconsciência que associa pele escura à falta de beleza, levando-as a buscar a pele clara como sinônimo de sucesso.
3. O Impacto da Mídia da Diáspora e a Ausência de Racismo no Haiti
Esta seção analisa a influência da mídia e da diáspora haitiana no branqueamento da pele. A manipulação midiática por meio das propagandas de produtos cosméticos cria a associação de pele branca com sucesso e prosperidade, reforçando os mecanismos da colonialidade. Os homens também são influenciados pela mídia, desejando mulheres com pele mais clara. Os produtos mais conhecidos, como Prima, Idole, Lemovate, Actimed e 7 Miracles, são importados, principalmente do Canadá, EUA e Europa, por meio da diáspora haitiana, que também lança seus próprios produtos, como a creme “Merveille”. O laboratório Actimed, localizado em Paris, é mencionado por produzir cremes com hidroquinona, proibidos na França. No entanto, a autora argumenta que o fenômeno no Haiti não é racismo, pois não há separação de raças no país; todos são considerados negros, independentemente da tonalidade da pele, segundo a constituição haitiana. A discriminação observada é então caracterizada como colorismo, um preconceito dentro do próprio grupo étnico.
4. Colonialidade Estética Patriarcado e a Busca pela Resubjetividade
Nesta parte, a análise se concentra na colonialidade estética como um elemento estrutural no branqueamento de pele. A colonialidade estética é descrita como a padronização da beleza por meio da cor/corpo, controlada pelo homem branco, que impõe uma projeção bilateral de superioridade da pele clara. Esse padrão de beleza, ligado ao pensamento cartesiano, cria uma nova ordem social que privilegia os grupos brancos. Homens haitianos, em sua maioria, preferem mulheres de pele mais clara (Bordeleau, 2012; Hunter, 2005), submetendo-as ao patriarcado e à colonialidade. O romance de Dany Laferrière (1985), “Como fazer amor com um negro sem se cansar”, é mencionado como uma crítica ao colonialismo e ao escravismo, mas sem abordar a alienação do homem negro e o desejo pela mulher branca (Fanon). Boniol (1995) destaca a discriminação estética baseada na negrofobia no Haiti. A pesquisa finaliza com a discussão sobre como a colonialidade do ser impõe dois pesos sobre a mulher negra, o sexismo e o racismo, levando-a ao branqueamento da pele. O corpo como ficção cultural é apresentado como base essencial da colonialidade, sendo palco de uma hierarquia etnorracial-global que beneficia os países centrais.
IV.Resistência e Decolonialidade
Apesar da persistência do branqueamento de pele, a monografia destaca a importância da decolonialidade como um caminho para a resistência. O estudo argumenta que a busca pela resubjetividade e a desocidentalização são essenciais para que as mulheres haitianas superem a internalização de padrões de beleza impostos. A pesquisa sugere a necessidade de se engajar em uma crítica contundente da modernidade e do colonialismo, promovendo a visibilidade e a valorização da beleza negra, buscando um desligamento (de-linking) do conhecimento eurocêntrico e uma construção de narrativas que promovam a autoaceitação e o orgulho da identidade negra haitiana.
1. A Consciência do Outro e a Busca pela Resubjetividade
Esta seção discute a importância da decolonialidade como um caminho para a resistência ao branqueamento de pele e à opressão sofrida pelas mulheres haitianas. A busca pela resubjetividade é apresentada como um processo fundamental para desconstruir a internalização de padrões de beleza eurocêntricos. O interseccionismo, entendido como um pensamento que busca a visibilidade da subjetividade, é mencionado como uma ferramenta para essa desconstrução. A decolonialidade, embora tenha surgido a partir de experiências latino-americanas, precisa se expandir para uma perspectiva global, questionando não apenas a modernidade e a colonialidade, mas também o colonialismo. A disputa pela resubjetividade envolve questões epistêmicas, culturais, econômicas e políticas. O objetivo é construir uma sociedade mais igualitária, através de uma consciência da invisibilidade do Outro e sua desocidentalização. A pesquisa utiliza o exemplo das mulheres haitianas que clareiam a pele na busca de visibilidade social, enfatizando a necessidade de compreensão da desocidentalização imposta pelo colonialismo e pela colonialidade.
2. Desobediência Epistêmica e o Desligamento do Conhecimento Eurocêntrico
Esta seção aprofunda a discussão sobre a desobediência epistêmica como uma forma de resistência à imposição do conhecimento eurocêntrico. A violência epistêmica, ligada ao eurocentrismo, é apresentada como um obstáculo para o pensamento decolonial. O iluminismo, com sua pretensão universalista da razão, é criticado por não conseguir compreender o ‘Outro’. A desobediência epistêmica, então, se configura como a desapropriação do conhecimento universalista eurocêntrico, buscando, ao contrário, o pluriversalismo de episteme. O pensamento fronteiriço de Mignolo é apresentado como singularidade epistêmica de qualquer projeto decolonial, reconhecendo a razão estruturada do iluminismo como obstáculo para os pensadores subalternos. A dominação linguística, com a imposição de línguas ocidentais, é destacada como um instrumento de violência. Santos (2009) é mencionado ao destacar a destruição das línguas originais dos povos originários e afrodescendentes. O racismo epistêmico gera obstáculos para o ‘outro’ pensar e cria uma inferioridade baseada na epistemologia e na ontologia.
3. O Papel da Modernização e do Colonialismo na Consciência do Outro
A seção discute a modernização social como um mecanismo do colonialismo que afeta a consciência do ‘Outro’. A modernidade impõe um conhecimento universal violento que invisibiliza o conhecimento não-europeu. O texto menciona a expansão dual da modernidade: a geografia da administração (com propósitos econômicos e políticos) e a geografia da imaginação. A modernidade não é mais vista como um fenômeno exclusivamente ocidental, mas como algo que se expande e se manifesta de várias formas. Rasa (2011) é citado por considerar a modernidade como norte-atlântica universal. A modernização, no caso do Haiti, é apresentada como uma tática do colonialismo para reafirmar a colonialidade, como exemplifica a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti). A pesquisa questiona como o Haiti, um país anticolonial e pioneiro da negritude, enfrenta o fenômeno do branqueamento de pele, onde mulheres buscam clarear a pele, buscando um status econômico produzido pela própria modernização. O colonialismo reafirma a colonialidade, reagindo por meio do imperialismo econômico, militar, cultural e político.
4. De linking e a Construção de uma Re existência Positiva
A conclusão enfatiza a necessidade de um projeto decolonial para a descolonização e a busca pela resubjetividade. A decolonialidade não pode ser apenas uma investigação superficial, mas deve considerar múltiplas dimensões, incluindo a crítica à modernidade, colonialidade e colonialismo. A pesquisa propõe um desligamento (de-linking) do conhecimento eurocêntrico, imperial, racista e sexista, construindo um mecanismo para uma re-existência positiva. Bakshi, Jivraj & Posocco (2016) são mencionados por sua abordagem decolonial. A mobilização social, a narrativa e a mídia são apresentadas como ferramentas para combater o branqueamento de pele e tirar o “vírus das máscaras brancas” que infectam as mulheres negras haitianas e o resto do mundo. A ecologia de saberes é mencionada como um caminho para conhecer a relação entre os conhecimentos científicos e não-científicos, permitindo uma intersubjetividade de conhecimento, onde a narrativa anticolonial busca resubjetividade e visibilidade.