
Kant, Direito, Moral e Ética
Informações do documento
Autor | Rodrigo Adriano Faresin |
Escola | Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) |
Curso | Direito |
Tipo de documento | Trabalho de Conclusão de Curso |
Local | Florianópolis |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 1.08 MB |
Resumo
I.A Doutrina Kantiana da Moral e do Direito Uma Diferenciação Conceitual
Esta monografia investiga a distinção entre direito, moral e ética na filosofia de Immanuel Kant, analisando a Metafísica dos Costumes. O estudo compara as ideias de Kant com outros pensadores clássicos, utilizando métodos indutivo e monográfico, com pesquisa bibliográfica e documental. Um ponto crucial é a definição da liberdade como único direito inato, diferenciando-o dos jusnaturalistas. A pesquisa aborda conceitos fundamentais como o imperativo categórico, a boa vontade, e a divisão da moral em liberdades internas (ética) e externas (direito).
1. Objetivo da Monografia e Metodologia
A monografia tem como objetivo principal diferenciar direito, moral e ética na filosofia de Immanuel Kant, buscando delimitar a área de atuação de cada conceito. A pesquisa pretende demonstrar como as ideias de Kant se configuram como um paradigma em comparação com outros pensadores clássicos sobre direito, moral e ética. Para alcançar este objetivo, a pesquisa utiliza o método de abordagem indutivo, o método de procedimento monográfico, e as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Os resultados preliminares sugerem que a doutrina dos costumes (moral), compreendendo o conceito de liberdade, engloba os deveres externos (direito), quando a liberdade é externa, e os deveres de virtude (ética), quando a liberdade é interna. A ética, mesmo sendo de âmbito interno, pode se relacionar com o externo, uma vez que estuda as ações humanas independentemente de pertencerem ao âmbito moral ou jurídico. A pesquisa de Kant sobre a Metafísica dos Costumes é central para essa análise.
2. Kant o Idealismo e a Conceituação da Moral
Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII, nascido em Königsberg (1724-1804), é o foco central da pesquisa. Sua filosofia, enquadrada no idealismo, enfatiza a subjetividade. A monografia contextualiza o idealismo, contrastando-o com o mundo das ideias de Platão e destacando sua importância na modernidade, desde Descartes e seu “penso, logo existo”. Kant conceitua a moral dividindo-a em liberdades internas e externas. As liberdades externas dizem respeito à legalidade e ao direito, entendidos como um conceito puro de ação em concordância com a liberdade dos outros. A ética, por sua vez, abrange os deveres internos, um conceito puro do agir humano onde a ação correta é independente de obrigações externas. A ética, embora essencialmente interna, pode se manifestar também no âmbito externo, analisando as ações humanas, sejam elas morais ou jurídicas. Kant desenvolveu uma linguagem própria para expressar seus novos conceitos, incluindo termos como “vontade boa”, “imperativo categórico”, e “ações por dever”.
3. Fontes Bibliográficas e o Direito Natural Racional de Kant
A pesquisa se baseia em obras de diversos autores, incluindo Norberto Bobbio (“Direito e Estado no pensamento de Immanuel Kant”), José Heck (“Direito e Moral: duas lições sobre Kant” e “Da razão prática ao Kant tardio”), Flamarion Tavares Leite (“10 Lições sobre Kant”), Ricardo Terra (“Kant e o Direito”), artigos de Guido de Almeida e outros. A análise considera também autores que, indiretamente, comentam Kant, como Luiz H. Cademartori e Francisco C. Duarte (“Hermenêutica e Argumentação Neoconstitucional”), e Pinzani (“O papel sistemático das regras pseudo-ulpianas na Doutrina do Direito de Kant”), além do clássico “Filosofia do Direito” de Miguel Reale. A monografia discute a natureza do direito natural em Kant, comparando-o com o pensamento jusnaturalista tradicional. Para Kant, a liberdade é o único direito inato, o que o diferencia dos jusnaturalistas, que pressupõem uma série de direitos inatos. Kant é considerado um jusnaturalista racional, pois sua doutrina provém do direito racional, servindo o direito natural de base para o direito positivo. A Metafísica dos Costumes de Kant estabelece a distinção entre as legislações ética e jurídica, a primeira agindo por dever e a segunda de acordo com o dever, com o direito sendo considerado uma forma diminuída da moral.
4. A Boa Vontade a Felicidade e a Razão Pura Prática
Kant acredita que a razão existe para produzir uma boa vontade, superior às determinações naturais, sendo condição para toda aspiração à felicidade. Embora não negue a busca da felicidade, Kant argumenta que esta deve ser buscada por dever e não pelas inclinações. A razão reconhece sua função na boa vontade, enquanto a felicidade é atribuída às inclinações. Amar o próximo, mesmo sem inclinação, demonstra a boa vontade acima da sensibilidade. A Metafísica dos Costumes justifica-se pela necessidade de verificar a origem dos princípios práticos da razão e pela submissão dos costumes às inclinações sem uma linha mestra. O que é moralmente bom deve ser cumprido pela lei moral, e não apenas em conformidade com ela. A moral exige motivações internas, atuando “por dever”, diferente do direito que requer um móvel necessário para sua efetividade. A moral possui legitimidade e legalidade próprias, mesmo sem validade jurídica, enquanto o direito possui legitimidade, mas pode lhe faltar os motivos de uma legislação interior se incorporasse questões morais. A coação, interna na moral e externa no direito, liga ambas pela ética.
II.A Liberdade em Kant Alicerce da Moral e do Direito
Kant conceitua a moral a partir da liberdade, distinguindo entre liberdades internas (ética, deveres de virtude, ações por dever) e externas (direito, deveres externos, ação de acordo com o dever). A ética, apesar de interna, relaciona-se ao âmbito externo. O direito, para Kant, é a coexistência dos arbítrios, regulada pela lei universal da liberdade. O autor analisa como a razão pura prática guia a ação moral, independente das inclinações. A busca da felicidade é considerada secundária à obediência ao dever. Autores como Norberto Bobbio, José Heck, e Flamarion Tavares Leite fornecem importantes perspectivas sobre a filosofia kantiana do direito e da moral.
1. Liberdade como Direito Inato e Base da Moral Kantiana
Para Kant, a liberdade é o único direito inato, um fundamento crucial para sua filosofia moral e jurídica. Essa concepção difere dos jusnaturalistas tradicionais, que postulam uma série de direitos inatos. A liberdade em Kant precede os atos jurídicos intersubjetivos, estruturando o pensamento jurídico kantiano. Ele é considerado um jusnaturalista racional, pois sua doutrina provém do direito racional, sendo o direito natural um suporte para o direito positivo. Na Metafísica dos Costumes, Kant divide a moral em duas legislações: a ética, que age por dever, e a jurídica, que age de acordo com o dever. O direito é visto como uma forma menor da moral, submetido a ela. A liberdade, portanto, é o ponto de partida para compreender a distinção kantiana entre direito e moral, e a sua relação com a ética. A ação moral, para Kant, não deve se basear em motivos sensíveis, mas na razão pura, mesmo que aplicada ao mundo sensível, onde o homem é sujeito a inclinações. Kant enfatiza a ação por dever, contrastando com a ação conforme o dever, e a importância da boa vontade, conceito fundamental em sua filosofia.
2. Liberdade Interna e Externa Ética e Direito
Kant distingue a liberdade em interna e externa, relacionando-a à ética e ao direito, respectivamente. A liberdade externa diz respeito à legalidade e ao direito, atuando de acordo com o dever, e exige a conformidade da ação externa com ele. A liberdade interna, por sua vez, se refere à ética, aos deveres de virtude, e enfatiza a ação por dever, mesmo sem coerção externa. A ética, embora de âmbito interno, se relaciona ao externo, pois estuda as ações humanas, independente do contexto moral ou jurídico. A legislação jurídica, ou legalidade, se refere às ações em conformidade com a lei. A moralidade, entretanto, implica cumprir a lei por respeito a ela mesma. Kant apresenta quatro possibilidades de cruzamento entre moral e legalidade: moralidade ética (cumprir o dever ético por ser dever), legalidade ética (ação sem valor moral, mas não imoral), moralidade jurídica (atitude não exigida, mas bem vinda), e legalidade jurídica (tudo o que é exigido). A liberdade, para Kant, é a faculdade de autodeterminação racional, distinguindo a pessoa (entidade moral) da substância (coisa), sendo a pessoa sujeita à imputação e responsabilidade.
3. A Lei Universal da Liberdade e a Coexistência dos Arbítrios
O direito, na perspectiva kantiana, é definido como o conjunto das condições que permitem a conciliação dos arbítrios segundo uma lei universal da liberdade. A lei universal do direito estabelece que se deve atuar externamente de forma que o uso livre do próprio arbítrio esteja em acordo com a liberdade de qualquer outro, segundo uma lei universal. A ênfase está na forma como a relação entre os arbítrios se dá, e não nos interesses individuais. Bobbio cita o exemplo do casamento, que não dita com quem casar, mas regulamenta a forma de sua existência. Kant descreve a comunhão sexual como uso recíproco dos órgãos sexuais, distinguindo a comunhão segundo a natureza animal e a comunhão segundo a lei (casamento). A legislação jurídica kantiana é externa, focando nos deveres externos. O conceito de direito é analisado em três pontos: relação externa entre pessoas; influência sem submissão de um arbítrio ao desejo do outro; e a forma da relação dos arbítrios, independente da matéria ou fins individuais. O direito visa a coexistência mútua dos arbítrios, respeitando a liberdade. Uma doutrina do direito meramente empírica é insuficiente, necessitando de princípios racionais.
III.A Tripartição da Doutrina do Direito em Kant Honeste vivere Neminem laedere Suum cuique tribuere
Kant estrutura a doutrina do direito com base nas três regras de Ulpiano: honeste vivere (honestidade, deveres internos), neminem laedere (não causar dano, direitos privados), e suum cuique tribuere (garantir o que é seu, direito público e formação do Estado). A pesquisa explora a relação entre direito privado e público, o conceito de justiça em Kant, a transição do estado de natureza para o estado civil, e a importância do Estado para a garantia dos direitos individuais. O artigo de Pinzani sobre o resgate kantiano das regras de Ulpiano é uma referência fundamental, assim como a contribuição de Miguel Reale sobre a filosofia moral kantiana.
1. A Tripartição da Doutrina do Direito e sua Origem Romana
Kant estrutura sua doutrina do direito em três princípios fundamentais, retomando as fórmulas já presentes no Direito Romano por Ulpiano: honeste vivere, neminem laedere, e suum cuique tribuere. A primeira, honeste vivere (viver honestamente), enfatiza a afirmação do valor humano na relação com os outros, considerada uma obrigação derivada do direito à humanidade e não passível de exigência por uma legislação externa. A segunda, neminem laedare (não causar dano a ninguém), determina a não agressão como princípio fundamental, mesmo que implique isolamento social, um ponto surpreendente considerando a importância da sociedade para Kant. A terceira, suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), é interpretada por Kant não como dar o que já se possui, mas como entrar em um estado onde o que é de cada um seja garantido contra os outros, fundamentando a justiça distributiva e o papel do Estado. Pinzani destaca a importância dessas regras na sistematicidade da doutrina do direito kantiano, ligando-as à personalidade jurídica, respeito ao direito alheio, e fundação de uma ordem jurídica.
2. Honeste vivere Neminem laedare e Suum cuique tribuere Análise das Três Regras
De acordo com a sistematização de Pinzani, as três regras de Ulpiano, resgatadas por Kant, formam a base da sistematicidade da doutrina do direito. Honeste vivere fundamenta os deveres jurídicos internos, representando a honestidade jurídica, um dever consigo mesmo relacionado à assunção da própria personalidade jurídica e remetendo à justiça tutelar (Lex iusti). Neminem laedare fundamenta os deveres jurídicos externos, principalmente no Direito Privado, onde as relações jurídicas são provisórias, remetendo à justiça comutativa nas relações de troca (Lex iuridica). Suum cuique tribuere é a base para o dever de criar um Estado que garanta o direito de cada um, com caráter peremptório e coercitivo, remetendo à justiça distributiva (Lex iustitiae) através das funções judiciárias e legislativas do Estado. Essa transição do estado de natureza para o estado civil, do direito privado para o público, representa o abandono do estado de selvageria, conforme Kant. O direito público kantiano postula a saída do estado de natureza para um estado jurídico de justiça distributiva, ou seja, o status civilis, com leis coercitivas que garantem direitos individuais e a paz civil.
3. O Estado o Direito Público e o Direito Cosmopolita
A partir da relação entre pessoas no estado político surge o estado civil, que, em sua totalidade, constitui o Estado. O Estado, formado pela união de todos, é chamado de coisa pública e deve possuir uma constituição que os unifique. Kant, considerando a existência de outros povos, estende sua análise ao Direito das gentes (ius gentium) ou Direito cosmopolita (ius cosmopoliticum). A distinção entre moral e direito é formal, focando na maneira de obrigar-se e não no conteúdo das ações. Um dever pode ser comum a ambas as legislações, mas a motivação distingue o direito da moral: ação por dever (moral) versus ação por inclinação (legalidade). Manter uma promessa, por exemplo, é dever em ambas, mas a motivação (dever versus interesse) define o âmbito da ação. Ações morais são aquelas realizadas por dever, baseado na razão pura, e não em motivos sensíveis, aplicando-se ao mundo sensível, mas com base na razão. A doutrina kantiana não visa a felicidade, mas sim princípios a priori para guiar a moralidade.
IV. Deveres Perfeitos e Imperfeitos Aspectos da Moral Kantiana
A monografia analisa a distinção kantiana entre deveres perfeitos (sem exceções, como não mentir e preservar a vida) e deveres imperfeitos (que permitem flexibilidade, como o desenvolvimento de talentos). A discussão inclui a universalizabilidade das máximas como critério de moralidade, segundo o imperativo categórico. A pesquisa explora como a ação moral se fundamenta na razão pura, independentemente de inclinações ou consequências. A relação entre moralidade e legalidade, com os quatro modos de ação (moralidade jurídica, legalidade jurídica, moralidade ética e legalidade ética), são também analisadas.
1. Deveres Perfeitos Conceito e Exemplos
A seção aborda os deveres perfeitos na ética kantiana, aqueles que não admitem exceções a favor da inclinação. Kant argumenta que esses deveres devem ser cumpridos incondicionalmente, independentemente de circunstâncias ou desejos pessoais. Um exemplo citado é a obrigação de preservar a própria vida; mesmo em situações de profunda infelicidade, o suicídio é considerado inadmissível, pois a máxima de se tirar a própria vida não pode ser universalizada. Outro exemplo é a proibição de mentir, mesmo em situações de apuros. A máxima de prometer algo sem intenção de cumprir não pode se tornar uma lei universal, pois destruiria a confiança fundamental na sociedade. A análise dos deveres perfeitos se conecta diretamente com o imperativo categórico, que exige a universalizabilidade das máximas como critério de moralidade. A ação moral, nesse contexto, é definida como aquela motivada exclusivamente pelo dever e não por inclinações ou consequências.
2. Deveres Imperfeitos Flexibilidade e Universalizabilidade
Em contraponto aos deveres perfeitos, a seção discute os deveres imperfeitos, que permitem certa flexibilidade na sua aplicação, concedendo espaço para inclinações. Embora não sejam obrigatórios de forma incondicional, esses deveres possuem um aspecto universalizável, sendo orientados pela razão prática. Kant utiliza o exemplo de um indivíduo com talento nato que não o desenvolve. Embora não haja obrigação de desenvolver tais talentos, a máxima de negligenciar sistematicamente os próprios dons não é universalizável, pois contraria a ideia de auto-aperfeiçoamento. A distinção entre deveres perfeitos e imperfeitos é crucial para a compreensão da ética kantiana, demonstrando a complexidade da moral e a necessidade de conciliar o dever com as inclinações e as possibilidades humanas. A universalizabilidade da máxima continua sendo o critério fundamental para avaliar a moralidade da ação, mesmo no caso de deveres imperfeitos, porém, a sua aplicação é mais flexível, permitindo uma maior consideração das circunstâncias.
3. Moralidade Legalidade e os Quatro Modos de Ação
A seção analisa a relação entre moralidade e legalidade, distinguindo ações em conformidade com a lei (legalidade) e ações por dever (moralidade). A ética, embora relacionada a ações internas, não exclui as externas. São apresentadas quatro possibilidades de ação: moralidade jurídica (ação moral, mas não obrigatória), legalidade jurídica (ação conforme à lei, sem valor moral intrínseco), moralidade ética (ação exigida pela moral, por dever), e legalidade ética (ação sem valor moral, mas não imoral). A discussão enfatiza que a ação moral se sustenta unicamente na ideia do dever e no respeito à lei, sem influência de inclinações ou busca da felicidade. Kant diferencia o direito natural (princípios a priori) do direito positivo (legislador), mas reconhece semelhanças entre ambos. Embora a moral possua um conteúdo absoluto determinado pela razão e pelo imperativo categórico, princípios morais como “não matar” podem ser incluídos na doutrina kantiana do direito como deveres jurídicos e morais, fundados na liberdade dos arbítrios e na razão.
V.A Ética Kantiana Um Fim em si Mesmo
A pesquisa examina a ética kantiana como derivada da ideia de liberdade, tanto interna quanto externa. A virtude é apresentada como força no cumprimento do dever, superando inclinações sensíveis. A distinção entre virtude e dever de virtude, e o conceito de dever de virtude como um fim que é simultaneamente um dever, são analisados. A monografia contrasta a doutrina da virtude (ética) com a doutrina do direito, destacando a ausência de coação externa na ética e a importância da autocoerção. A pesquisa destaca a relação entre deveres e fins na doutrina da virtude, e como os fins devem fundamentar-se em princípios morais, a priori.
1. A Ética Kantiana e a Ideia de Liberdade
A ética kantiana não possui uma definição explícita, mas deriva da ideia de liberdade, que pode ser interna ou externa. A liberdade, diferentemente das leis da natureza, gera leis morais. Se afetam apenas ações externas e sua conformidade com a lei, são jurídicas; se exigem que as leis sejam o fundamento da determinação das ações, são éticas. A coincidência com as primeiras é legalidade, com as segundas, moralidade. A liberdade nas primeiras leis é externa, enquanto nas últimas pode ser externa e interna, determinada por leis da razão. A virtude também se divide em intelectual e moral; as primeiras são geradas pelo ensino e requerem tempo e experiência, enquanto as segundas são adquiridas por hábito. Nenhuma virtude moral surge por natureza, pois o que é natural não forma hábitos contrários à natureza. As duas legislações (direito e moral) podem se ligar por ações éticas, justas e com vistas à liberdade. A liberdade é o único direito inato, e a virtude é o modo de agir com vistas à liberdade, medindo-se pelos esforços para superar as inclinações naturais em busca de um agir moral.
2. Virtude e Dever de Virtude Coerção e Autocoerção
Kant distingue entre virtude e dever de virtude. A virtude diz respeito ao aspecto formal das máximas, enquanto o dever de virtude se refere à matéria das máximas, um fim simultaneamente pensado como dever. A virtude, como força no cumprimento do dever, supera obstáculos das inclinações naturais e é uma autocoerção, coerção segundo um princípio de liberdade interna, pela representação do dever. Todos os deveres possuem coerção: externa no direito, interna na moral. A doutrina da virtude não busca a felicidade, mas sim o dever cumprido; a felicidade é uma consequência, não o objetivo. A virtude é sua própria recompensa. O dever de virtude difere do dever jurídico pela possibilidade de coerção externa neste último, enquanto aquele se baseia na autocoerção livre. A ética, diferente da doutrina do direito, é uma doutrina dos fins, onde o homem é obrigado a se considerar a si e aos outros como fins, e não meios. Toda obrigação de virtude é um dever de virtude, mas há apenas uma ação virtuosa: cumprir o dever, estendendo-se também a deveres jurídicos.
3. Deveres de Virtude Fins e a Razão Pura Prática
A doutrina da virtude não se reduz a uma doutrina do dever em geral, mas uma doutrina dos fins, onde o homem tem a obrigação de pensar a si mesmo e aos outros como fins e não meios. Isso são os deveres de amor a si e aos outros, com diversos deveres de virtude, pois existem muitos objetos que são fins e, simultaneamente, deveres. A ética kantiana é definida como um sistema voltado à razão pura prática. A distinção entre a doutrina do direito e a doutrina da virtude reside nos fins: a ética contém deveres cuja observância não pode ser coagida por outros, por ser uma doutrina dos fins. Para entender a ligação entre fins e deveres, duas possibilidades são apresentadas: partindo do fim para as máximas ou inversamente. A doutrina da virtude não pode partir dos fins que o homem quer, pois seus fundamentos devem ser morais, a priori, na razão pura, o que é chamado de dever de virtude, um fim em si mesmo que é dever. A ética é um fim que é, simultaneamente, um dever, sem coação externa.
VI. Direito Natural e Direito Positivo na Perspectiva Kantiana
A monografia compara o direito natural kantiano (princípios a priori) com o direito positivo (legislador). Apesar das semelhanças, a pesquisa destaca a diferença fundamental: o primeiro baseia-se em princípios racionais universais, enquanto o segundo é contingente e sujeito a alterações. A pesquisa também discute a influência de Kant na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, considerando a utilização de conceitos kantianos como ser e dever ser. A discussão da justiça, como a eliminação de obstáculos ao arbítrio alheio, conclui essa seção.
1. Direito Natural Kantiano Princípios A Priori
A seção analisa o direito natural na perspectiva kantiana, contrastando-o com o direito positivo. Para Kant, o direito natural é fundamentado em princípios a priori, universais e inerentes à razão humana. Um exemplo citado é o princípio de não matar, considerado universal e intuitivamente compreendido pelos seres humanos. Kant destaca a liberdade como o único direito inato, diferenciando sua visão da dos jusnaturalistas tradicionais, que postulam uma série de direitos inatos pautados nas relações interpessoais. Kant defende um direito natural racional, com a sua doutrina derivada da razão, servindo de base para a existência do direito positivo. Na Metafísica dos Costumes, ele diferencia as legislações ética e jurídica, afirmando que o direito, embora distinto, está submetido à moral.
2. Direito Positivo e a Influência do Legislador
O direito positivo, em contraponto ao direito natural, é definido como aquele que provém de um legislador, sendo contingente e sujeito a mudanças ao longo do tempo. Embora existam semelhanças entre o direito natural e o direito positivo na visão de Kant, a principal diferença reside na sua origem e caráter: o primeiro é a priori e universal, enquanto o segundo é determinado por um legislador e, portanto, sujeito às contingências históricas e sociais. O direito, para Kant, deve ser objetivo e universal, não podendo se restringir ao conhecimento empírico. Ele deve considerar a relação externa e prática entre pessoas, onde a ação de um influencia a do outro, sem submissão de um arbítrio ao desejo do outro. O direito deve garantir a coexistência mútua dos arbítrios, de acordo com a liberdade, sendo uma legislação externa baseada em deveres externos. A doutrina do direito puro, exigida por Kant, busca métodos racionais para explicar o direito, considerando as limitações humanas no conhecimento.
3. A Influência de Kant em Kelsen e a Questão do Ser e Dever Ser
A seção destaca a influência da filosofia kantiana na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Kelsen, que estudou Kant, utilizou conceitos kantianos como 'ser' e 'dever ser' em seus escritos. O texto menciona o esforço de Kelsen em elevar a jurisprudência à condição de uma ciência autônoma, voltada ao conhecimento objetivo do direito, separando-a de considerações políticas e elementos de ciências naturais. A exigência kantiana por uma doutrina de direito pura, baseada em métodos racionais, e o reconhecimento das limitações humanas no conhecimento, forneceram subsídios à teoria de Kelsen. A discussão inclui um exemplo de um caso de não-punibilidade em Kant: uma vítima de naufrágio que empurra outra pessoa da prancha para salvar a própria vida. Kant considera essa ação injusta, mas não punível, já que a perda da própria vida seria a maior pena possível. A necessidade, segundo Kant, não tem lei, utilizando-se, neste caso, de um argumento baseado na naturalidade para justificar a não punição, embora o ato seja culpável.