Efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade nas famílias reconstituídas

Multiparentalidade: Família Reconstituída

Informações do documento

Autor

Larissa Campos Da Silva

instructor Renata Raupp Gomes
Escola

Universidade Federal de Santa Catarina

Curso Direito
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Local Florianópolis
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 1.04 MB

Resumo

I.Evolução do Direito de Família Brasileiro e a Multiparentalidade

Este estudo analisa a evolução do Direito de Família brasileiro, passando pelo direito canônico patriarcal, o direito laico e o atual direito igualitário e solidário, estabelecido pela Constituição de 1988. A crescente taxa de divórcios e a formação de famílias reconstituídas geraram o fenômeno da multiparentalidade, tema central desta pesquisa. A pesquisa investiga como a legislação e a jurisprudência brasileira abordam a filiação socioafetiva, considerando a tridimensionalidade do ser humano e a importância da afetividade nas relações familiares.

1. Evolução do Direito de Família Brasileiro

O texto traça um panorama da evolução histórica do Direito de Família brasileiro, dividindo-o em três períodos: o direito de família canônico, marcado pela família patriarcal durante a Colônia e o Império; o direito de família laico, a partir da República em 1889, com a progressiva redução do modelo patriarcal até a Constituição de 1988; e, por fim, o direito de família igualitário e solidário, instituído pela Constituição Federal de 1988. O Código Civil de 1916, por exemplo, concebia a família como um conjunto de pessoas unidas por laços de sangue, restringindo a legitimidade à família unida pelo casamento civil e seus filhos biológicos ou adotivos. A mudança para um modelo igualitário e solidário reflete as transformações sociais e a crescente diversidade familiar, abrindo caminho para o reconhecimento de novas configurações familiares e para a discussão sobre a multiparentalidade, que surge como um fenômeno diretamente conectado à nova realidade social e legal.

2. A Teoria Tridimensional do Direito de Família e a Multiparentalidade

A pesquisa introduz a Teoria Tridimensional do Direito de Família como um elemento crucial para a compreensão da multiparentalidade. Essa teoria, embora não explicitamente definida no texto, parece enfatizar a complexidade das relações familiares, considerando as dimensões jurídica, sociológica e axiológica. A aplicação desta teoria permite uma análise mais abrangente das relações familiares, considerando não apenas o vínculo biológico, mas também os laços afetivos e os aspectos sociais. A crescente facilidade de divórcios e a consequente formação de famílias reconstituídas, apontadas no documento como fatores relevantes para o surgimento da multiparentalidade, são analisadas sob a ótica desta teoria tridimensional. A importância da afetividade na formação e sustentação de vínculos familiares é ressaltada, questionando a tradicional centralidade do casamento e da filiação biológica na definição de família.

3. O Surgimento da Multiparentalidade e sua Invisibilidade Jurídica

O aumento significativo da taxa de divórcios no Brasil é apresentado como fator preponderante para o crescimento das famílias reconstituídas, um fenômeno social que impulsiona a discussão sobre a multiparentalidade. O texto destaca a complexidade das repercussões jurídicas dessas novas estruturas familiares, especialmente no estabelecimento dos papéis parentais e no exercício do poder familiar. Apesar da crescente incidência de conflitos e questões legais em torno da multiparentalidade nos tribunais brasileiros, o documento enfatiza a falta de reconhecimento explícito deste fenômeno no campo do direito. Esta invisibilidade jurídica gera insegurança e ambiguidade, demandando uma análise crítica das leis e da jurisprudência para melhor atender às necessidades e expectativas dessas famílias.

II.Realidade das Famílias Reconstituídas e a Multiparentalidade

A pesquisa examina as características das famílias reconstituídas, focando nas relações de paternidade e filiação presentes nestes arranjos familiares. Analisa-se como a jurisprudência nacional equilibra os laços genéticos e afetivos, privilegiando ora um, ora outro, com alguns tribunais já reconhecendo a simultaneidade das filiações, o que reforça a discussão sobre multiparentalidade. O estudo destaca a complexidade das relações familiares em situações de padrastos, madrastas, e enteados, bem como a ambiguidade legal dessas situações.

1. Características das Famílias Reconstituídas e Relações de Parentesco

Esta seção descreve a estrutura e as dinâmicas das famílias reconstituídas, destacando a complexidade das relações de parentesco e filiação. O texto menciona a presença de múltiplos vínculos: pais biológicos, padrasto/madrasta, enteados, meio-irmãos, entre outros. A coexistência de diferentes figuras parentais dentro de um mesmo núcleo familiar é um dos pontos centrais, gerando situações que exigem uma análise minuciosa das relações afetivas e legais. A discussão sobre a hierarquização entre vínculos genéticos e afetivos na jurisprudência nacional é apresentada, mostrando como alguns tribunais tendem a priorizar um em detrimento do outro, enquanto outros já reconhecem a simultaneidade das filiações, abrindo caminho para o conceito de multiparentalidade. A necessidade de designar corretamente os membros da família reconstituída, superando a conotação negativa de termos como 'padrasto' e 'madrasta', é também levantada. A diversidade de modelos familiares é enfatizada, contrapondo-se ao modelo nuclear tradicional.

2. A Multiparentalidade dentro das Famílias Reconstituídas

O foco desta subseção é a possibilidade e a relevância do reconhecimento da multiparentalidade nas famílias reconstituídas. O texto explora como a jurisprudência brasileira vem gradativamente reconhecendo a importância do vínculo socioafetivo, além do vínculo biológico, na formação da filiação. Autores como Waldyr Grisard Filho, Flávio Tartuce e Belmiro Pedro Welter são citados como defensores da tese da multiparentalidade (ou pluriparentalidade), argumentando pela possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe simultaneamente, gerando efeitos jurídicos em relação a todos eles. A análise de julgados que reconhecem a paternidade biológica e socioafetiva concomitantemente ilustra a evolução do entendimento jurisprudencial. O conceito de 'posse de estado de filho' é discutido como elemento chave na construção da filiação socioafetiva, baseada no amor e no desejo de ser pai ou mãe. A complexidade da convivência em famílias reconstituídas, com seus múltiplos laços e possíveis conflitos de lealdade, é destacada.

3. Aspectos Ambíguos e o Vazio Legal

Nesta parte, o estudo destaca a ambiguidade e o vazio legal que permeiam as relações em famílias reconstituídas, principalmente no que concerne à multiparentalidade. A falta de legislação específica sobre o tema gera insegurança jurídica e conflitos. A omissão do direito positivo em relação ao papel do pai ou mãe afim é criticada, especialmente considerando o aumento crescente dessas famílias. Waldyr Grisard Filho é mencionado ao enfatizar o desencontro entre a realidade socioeconômica dessas famílias e as soluções jurídicas disponíveis, criando um 'vazio legal' que gera insegurança e desigualdade. O texto ressalta a necessidade de uma regulamentação adequada que reconheça e defina os direitos e deveres de todos os integrantes dessas famílias, incluindo os pais afins, promovendo a solidariedade e a cooperação entre eles. A importância da consideração do melhor interesse da criança ou adolescente em todas as situações é também enfaticamente mencionada.

III.A Multiparentalidade e seus Efeitos Jurídicos

O trabalho aprofunda a discussão sobre os efeitos jurídicos da multiparentalidade, investigando a viabilidade da concessão de alimentos, guarda, visitas, adoção, uso do sobrenome e direito sucessório entre padrastos/madrastas e enteados. São analisadas decisões judiciais que reconhecem esses efeitos, mesmo com a omissão do ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema. A pesquisa enfatiza a necessidade de adaptação da legislação brasileira à realidade das famílias reconstituídas e à filiação socioafetiva, buscando garantir a proteção integral das crianças e adolescentes envolvidos.

1. Viabilidade da Concessão de Alimentos Guarda e Visitas

Esta seção analisa a viabilidade jurídica da concessão de alimentos, guarda e visitas em casos de multiparentalidade, dentro do contexto das famílias reconstituídas. O estudo demonstra que, apesar da ausência de legislação específica sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro, a jurisprudência tem demonstrado uma tendência a reconhecer os direitos e deveres entre padrastos/madrastas e enteados, mesmo sem previsão legal explícita. A pesquisa aponta para a possibilidade de concessão de alimentos por padrastos/madrastas aos enteados, com base em decisões judiciais que priorizam o melhor interesse da criança e a existência de vínculos socioafetivos fortes. A guarda e o direito de visitas também são abordados, com a afirmação de que o direito positivo não precisa impedir o manutenção destes direitos em favor da criança, considerando-se a efetividade do vínculo afetivo estabelecido. O Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba é citado como exemplo de jurisprudência que já concedeu a guarda de uma criança à madrasta, após a separação do casal.

2. Adoção Uso do Sobrenome e Direito Sucessório na Multiparentalidade

A seção estende a análise dos efeitos jurídicos da multiparentalidade para os casos de adoção, uso do sobrenome e direito sucessório. Em relação à adoção, o texto reconhece que a adoção unilateral pelo cônjuge ou companheiro do filho do outro parceiro, prevista no ECA, pode apresentar desvantagens, como a dependência da estabilidade conjugal para a efetividade dos direitos da criança e a perda de vínculos com a família biológica. A questão do acréscimo de sobrenome ao nome do enteado é discutida, destacando-se que a afinidade, amizade e afetividade podem justificar esta medida, desde que haja anuência dos envolvidos. Por fim, o tema do direito sucessório é abordado, reconhecendo-se a complexidade de estabelecer a herança em casos de multiparentalidade. Apesar da ausência de reconhecimento legal de herança entre pai/mãe afim e filho afim, o texto indica que algumas soluções legislativas poderiam ser adotadas, como a criação de um estatuto sucessório peculiar para famílias reconstituídas ou a reordenação das regras existentes, visando a atender as novas realidades familiares.

3. A Necessidade de Adaptação do Ordenamento Jurídico

A conclusão desta seção enfatiza a urgente necessidade de adaptação do ordenamento jurídico brasileiro para reconhecer e tutelar adequadamente as famílias reconstituídas e a multiparentalidade. A crescente realidade dessas famílias exige que a lei as contemple sem omissões, prejuízos ou imposições, afirmando e reconhecendo diversos direitos e deveres dos pais afins em relação aos filhos do cônjuge ou companheiro. O texto reforça a importância da solidariedade, cooperação e responsabilidade no seio destas famílias, e defende a criação de uma legislação que consolide esses princípios, estabelecendo direitos e deveres claros e consistentes, para não excluí-las da proteção do Estado. O trabalho defende que o reconhecimento da multiparentalidade, concedendo todos os efeitos jurídicos oriundos das diversas filiações simultaneamente, é essencial para garantir segurança jurídica a todos os membros destas famílias.

IV.Adoção Nome e Direito Sucessório em Famílias Reconstituídas

O estudo aborda a adoção como forma de formalizar os laços afetivos em famílias reconstituídas, analisando a adoção unilateral e suas implicações para a identidade do menor e para a preservação do vínculo com a família biológica. Discute-se o acréscimo de sobrenome e o direito sucessório, analisando a complexidade de definir a herança em casos de multiparentalidade. O trabalho defende a necessidade de uma atualização legislativa para melhor regulamentar a situação dos filhos afins, considerando a importância da afetividade e da solidariedade familiar.

1. A Adoção como Expressão da Filiação Socioafetiva

Esta seção discute a adoção no contexto das famílias reconstituídas, enfatizando seu papel como demonstração da filiação socioafetiva. A adoção é apresentada como o exemplo mais claro de um vínculo baseado no afeto e não apenas na consanguinidade. O texto destaca a importância da solidariedade e do altruísmo na construção desse vínculo, criando uma relação paterno-materno-filial legítima através de um ato judicial. A adoção é analisada como forma de fortalecer os laços entre um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro, fornecendo respaldo jurídico para uma relação que já existe na prática. A discussão também considera o artigo 41, §1º, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que permite a adoção unilateral pelo cônjuge ou companheiro, abordando as três hipóteses em que essa modalidade pode ocorrer, sempre priorizando o melhor interesse da criança. No entanto, são apontadas as desvantagens da adoção unilateral, como a dependência da estabilidade conjugal para a efetividade dos direitos da criança e a possível ruptura com a família biológica.

2. O Acréscimo de Nome e a Construção de Vínculos Familiares

A possibilidade de acréscimo de sobrenome do padrasto ou madrasta ao nome do enteado é abordada nesta subseção. O texto afirma que a existência de um vínculo significativo de afinidade, amizade, afetividade, dedicação e desvelo constitui uma condição primordial para o pedido de acréscimo de nome. O processo requer um requerimento ao juiz competente, com exposição dos motivos, e a opinião do outro genitor e da própria criança é considerada relevante. Arnaldo Rizzardo é citado para defender o acréscimo de nome como uma forma de fortalecer os laços familiares e reforçar o vínculo emocional, principalmente quando a criança não é criada pelos seus pais biológicos. O texto busca mostrar como essa prática legal reflete e fortalece o vínculo socioafetivo que já se encontra estabelecido na vida prática.

3. Direito Sucessório e a Complexidade das Famílias Reconstituídas

A seção analisa a questão do direito sucessório nas famílias reconstituídas, focando nas relações entre pais afins e filhos afins. O texto expõe a situação atual, onde não há reconhecimento legal de direito hereditário entre um cônjuge e os filhos do outro, mesmo que haja um forte vínculo afetivo. É ressaltado que mesmo que um padrasto tenha criado o enteado como seu próprio filho, o enteado não herda automaticamente do padrasto após sua morte, a menos que haja adoção ou testamento. Diversas opiniões são apresentadas, incluindo a de autores que defendem a necessidade de uma reforma legislativa, como a criação de um estatuto sucessório específico para essas famílias ou a reordenação das regras existentes. Waldyr Grisard Filho é citado ao apresentar opções de mudanças na legislação sucessória, que permitam considerar a filiação socioafetiva em igualdade de condições com a filiação biológica, buscando uma solução que atenda às novas realidades familiares e evite a omissão legal atual, que causa insegurança e desigualdade.