
Envelhecimento e Redes Sociais
Informações do documento
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 1.38 MB |
Resumo
I.Envelhecimento Bem Sucedido e Envelhecimento Ativo Modelos e Conceitos
Este estudo investiga a relação entre a rede social e a qualidade de vida (QdV) em pessoas com mais de 65 anos. A literatura aponta para a importância do envelhecimento bem-sucedido (EBS) e do envelhecimento ativo (EA). Três modelos fundamentais para compreender o EBS são analisados: o modelo biomédico de Rowe e Kahn, o modelo de otimização seletiva com compensação de Baltes e Baltes, e o modelo de Proatividade Preventiva Corretiva (PPC). A OMS define a QdV como a percepção individual da própria posição na vida, considerando o contexto cultural e os objetivos pessoais. O estudo utiliza o WHOQOL-Bref para medir a QdV e a Escala de Redes Sociais de Lubben (LSNS) para avaliar as redes de apoio social.
1. Envelhecimento Bem Sucedido EBS Modelos Conceituais
A seção inicia com a emergência, na literatura gerontológica, de uma perspectiva positiva sobre o envelhecimento, o chamado Envelhecimento Bem-Sucedido (EBS). São identificados três modelos cruciais para a compreensão do EBS: o modelo biomédico de Rowe e Kahn (1997), que enfatiza baixo risco de doença e incapacidade, alta função física e mental, e engajamento ativo na vida; o modelo de otimização seletiva com compensação de Baltes e Baltes (1990), que considera critérios subjetivos e objetivos, reconhecendo variações individuais e culturais; e o modelo de Proatividade Preventiva Corretiva (PPC) de Kahana & Kahana (1996), que foca nas disposições psicológicas (como esperança e autoestima) e adaptações comportamentais pró-ativas para a qualidade de vida. A resiliência ao stress, capacidade de lidar com eventos desafiadores, é também destacada como componente crucial do EBS, embora com limitações em termos de avaliação empírica.
2. Envelhecimento Ativo EA e a OMS
Em paralelo aos modelos de EBS, o documento apresenta o conceito de Envelhecimento Ativo (EA) proposto pela OMS (2002). O EA visa promover políticas públicas que aumentem a expectativa de uma vida mais saudável e a qualidade de vida para todos os indivíduos que estão a envelhecer. A OMS (1998) define qualidade de vida como a percepção individual da sua posição na vida, considerando o contexto cultural e os seus objetivos, expectativas e preocupações. A qualidade de vida (QdV) é, portanto, um dos principais indicadores de como as pessoas vivem e envelhecem. A conceção de EA pela OMS integra quatro pilares básicos: saúde (bem-estar físico, mental e social); participação ativa na sociedade; segurança e proteção; e aprendizagem ao longo da vida. A participação social é apresentada como um elemento fundamental do EA, contribuindo para a capacidade adaptativa, manutenção da saúde física e mental, e para uma melhor qualidade de vida.
3. Redes Sociais e Qualidade de Vida na Velhice
A seção destaca a importância das redes sociais como fator determinante da qualidade de vida na velhice. As redes sociais contribuem para a capacidade adaptativa, para a manutenção da saúde física e mental, e são um fator crucial na qualidade de vida, segundo Sluzki (2010). A OMS (2002) define qualidade de vida como a percepção da própria posição na vida, dentro de um contexto cultural e em relação aos objetivos, expectativas e preocupações individuais. A literatura demonstra que não há uma definição única e universalmente aceite para a qualidade de vida, existindo diferentes definições e tipologias. A ausência de uma definição padrão abre espaço para a utilização de diferentes definições e instrumentos de avaliação, desde que bem justificada. O estudo enfatiza a importância de se considerar a interação entre os fatores biológicos, psicológicos e sociais para uma compreensão abrangente do envelhecimento e da qualidade de vida na terceira idade.
II.Metodologia Participantes e Instrumentos
A pesquisa utilizou uma amostra não probabilística de 104 idosos portugueses, divididos em dois grupos: um grupo participante em Programas de Intervenção Autárquica (PIA, N=52) e um grupo de comparação (N=52). Os participantes tinham entre 55 e 84 anos e residiam na comunidade. Além do questionário sociodemográfico e de participação social, foram aplicados o WHOQOL-Bref e a Escala Breve de Redes Sociais de Lubben (LSNS) para avaliar, respectivamente, a QdV e a rede social dos participantes.
1. Amostra e Critérios de Inclusão
O estudo utilizou uma amostra não probabilística de 104 idosos, selecionados com base em critérios específicos. A amostra foi dividida em dois grupos: o Grupo PIA (N=52), composto por indivíduos participantes em Programas de Intervenção Autárquica (PIAs), e o Grupo de Comparação (N=52), com indivíduos que não participavam nesses programas. Os critérios de inclusão para ambos os grupos foram: idade entre 55 e 84 anos, residência na comunidade e ausência de patologia mental grave ou incapacidade que impedisse a participação no estudo. Para o Grupo PIA, considerou-se ainda a participação ativa em programas/projetos municipais. A idade média dos participantes foi de 72,6 anos, sendo a maioria mulheres (80,8%) e casadas ou em união de facto (61,5%). A metodologia de amostragem não probabilística, segundo Fortin e Salgueiro (1999), implica que cada elemento da população não tem a mesma probabilidade de ser selecionado.
2. Instrumentos de Avaliação
Para a recolha de dados, foram utilizados diversos instrumentos. Um questionário sociodemográfico e de participação social, desenvolvido pelos autores, permitiu a caracterização sociodemográfica dos participantes e a avaliação da sua participação social, incluindo a participação em PIAs e em outras atividades. Para avaliar a qualidade de vida (QdV), utilizou-se o WHOQOL-Bref (Canavarro et al., 2010), uma versão abreviada do WHOQOL-100, com 26 itens organizados em quatro domínios (físico, psicológico, relações sociais e ambiente) e uma faceta geral. A Escala Breve de Redes Sociais de Lubben (LSNS-6; Lubben, 1988; versão portuguesa de Ribeiro et al., 2012) foi usada para avaliar a rede social dos participantes, fornecendo informações sobre o nível de apoio percebido e recebido de familiares, amigos e vizinhos. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes, garantindo-se o anonimato, a privacidade e a confidencialidade dos dados.
III.Resultados Análise da Rede Social e Qualidade de Vida
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na rede social entre os dois grupos. No entanto, o risco de isolamento social foi maior no grupo de comparação (15,38%). Diferenças significativas na QdV foram observadas entre os grupos, com o grupo de comparação apresentando valores médios mais elevados (M = 67,5; DP = 15,9 vs. M = 60,6; DP = 14,1). Diferenças significativas na QdV também foram encontradas entre homens dos grupos PIA e de comparação. A QdV geral foi significativamente maior no grupo de comparação.
1. Análise da Rede Social
Em relação à rede social, os resultados não mostraram diferenças estatisticamente significativas entre o Grupo PIA (participantes em Programas de Intervenção Autárquica) e o Grupo de Comparação. No entanto, uma análise mais aprofundada revelou uma taxa significativamente maior de risco de isolamento social no Grupo de Comparação (15,38%), comparado com o Grupo PIA. Esta observação sugere que a participação em PIAs pode ter um impacto indireto na mitigação do risco de isolamento social, apesar de não se ter observado um impacto direto no tamanho da rede social. É importante notar que esta análise se baseia na aplicação da Escala Breve de Redes Sociais de Lubben (LSNS), um instrumento reconhecido na gerontologia para a avaliação de redes de apoio social e de risco de isolamento.
2. Análise da Qualidade de Vida QdV
A análise da qualidade de vida (QdV), medida através do WHOQOL-Bref, revelou diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. O Grupo de Comparação apresentou uma QdV geral significativamente superior (M = 67,5; DP = 15,9) em comparação com o Grupo PIA (M = 60,6; DP = 14,1) (t = 2,366; p = 0,020). Ao comparar a QdV considerando a pertença ao grupo e o género, encontraram-se diferenças significativas na QdV geral entre os homens do Grupo PIA e os homens do Grupo de Comparação, sendo a percepção de QdV significativamente menor nos homens do Grupo PIA (Grupo Comparação: M = 76,3; DP = 7,1 vs. Grupo PIA: M = 60,1; DP = 14,4). Dentro do Grupo PIA, a diferença na QdV geral entre homens e mulheres foi marginalmente significativa. Estes resultados indicam uma relação complexa entre participação em PIAs, género e a percepção da qualidade de vida.
IV.Discussão Implicações da Participação Social na Qualidade de Vida
Os resultados sugerem que a participação em PIAs pode não impactar diretamente a rede social, mas pode influenciar a QdV, particularmente em homens. A participação em atividades sociais e recreativas, dentro ou fora dos PIAs, se relaciona positivamente com a QdV. O isolamento social é um fator de risco para uma pior QdV. O estudo ressalta a importância da consideração do género e da participação social na compreensão da QdV em idosos. A pesquisa corrobora a ideia da OMS de que o envelhecimento ativo está associado a uma melhor QdV.
1. Participação em PIAs e Isolamento Social
A discussão inicia analisando a relação entre a participação em Programas de Intervenção Autárquica (PIAs) e o risco de isolamento social. Embora não tenha havido diferenças significativas no tamanho da rede social entre o Grupo PIA e o Grupo de Comparação, observou-se uma taxa significativamente maior de risco de isolamento social no Grupo de Comparação (15,38%). Este dado sugere que a participação regular em atividades promovidas pelos PIAs oferece mais oportunidades de contato e estabelecimento de novas relações interpessoais, contribuindo para o fortalecimento da rede social e a redução do isolamento. O envolvimento nesses programas pode, portanto, promover o desenvolvimento de competências relacionais e sociais, mitigando o risco de isolamento, como sugerido por Carneiro et al. (2007).
2. Qualidade de Vida QdV Grupo de Pertinência e Género
A análise da qualidade de vida (QdV) revela uma relação complexa com a participação em PIAs e o género. Apesar de ambos os grupos apresentarem pontuações médias superiores nos domínios psicológico e das relações sociais – reforçando o papel primordial da rede social no bem-estar psicológico, como apontam Rodrigues e Silva (2013) –, o Grupo de Comparação apresentou valores médios significativamente superiores na QdV geral. Uma possível explicação reside no fato de a faceta geral da QdV integrar a avaliação individual da qualidade de vida e da saúde geral (Canavarro et al., 2010). Os homens, em ambos os grupos, apresentaram QdV superior às mulheres, corroborando estudos como o de Datta et al. (2015) que associam o sexo feminino e baixo nível de escolaridade a uma percepção inferior de QdV. No entanto, os homens do Grupo PIA demonstraram uma percepção de QdV geral significativamente inferior aos homens do Grupo de Comparação, um resultado que requer uma análise mais aprofundada.
3. Considerações Finais sobre a QdV e Envelhecimento
A discussão final conclui que, embora a participação em PIAs não tenha demonstrado um impacto direto no tamanho da rede social, a participação em atividades sociais e recreativas, independentemente da sua origem (PIA ou outras), se associa positivamente à qualidade de vida. A maior prevalência de risco de isolamento social no grupo de comparação reforça a importância das redes sociais e da participação social para o bem-estar na velhice. Os resultados sugerem uma relação complexa entre participação em PIAs, género e percepção de qualidade de vida, sendo necessária uma análise mais profunda para compreender os mecanismos subjacentes a essas relações. A pesquisa corrobora a importância do envelhecimento ativo e da participação social para uma melhor qualidade de vida na terceira idade, alinhada com as recomendações da OMS.