
Estado, Ambiente e Movimentos Sociais
Informações do documento
Autor | Frederico Viana Machado |
instructor/editor | Ana Lídia Campos Brizola |
Escola | Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) |
subject/major | Ciências Sociais, Psicologia Social, Estudos Ambientais |
Tipo de documento | Livro |
Local | Florianópolis |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 2.41 MB |
Resumo
I.Institucionalização de Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Brasil
Este estudo analisa a institucionalização de movimentos sociais, como os movimentos negros e LGBT, durante os governos Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff. A pesquisa compara os resultados de duas pesquisas de doutorado (Machado, 2013; Rodrigues, 2014), focando na participação política, na construção de políticas públicas, e nas tensões entre a inclusão e a hegemonia. A análise demonstra diferenças significativas no tratamento dado a cada movimento, com o movimento negro obtendo maior sucesso na igualdade racial do que o movimento LGBT na liberdade sexual, enfrentando desafios relacionados à homofobia e à moralização da política. A Lei 7.716 (1989) e a criação da Fundação Cultural Palmares são exemplos de avanços e limitações na promoção da igualdade racial. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), promulgada em 2010, representa um avanço para a economia solidária, principalmente para cooperativas de catadores. O estudo também destaca o papel do Partido dos Trabalhadores (PT) na relação com os movimentos sociais e na inclusão política.
1. Comparação entre a Institucionalização de Movimentos Negros e LGBT
O texto compara a institucionalização de movimentos negros e LGBT durante os governos Lula e Dilma, baseando-se em duas pesquisas de doutorado (Machado, 2013; Rodrigues, 2014). A análise centra-se nas diferenças no nível de sucesso na obtenção de políticas públicas e na inclusão política. Observa-se que o movimento negro alcançou maior sucesso na promoção da igualdade racial, enquanto o movimento LGBT enfrentou maiores obstáculos relacionados à homofobia e à resistência política a pautas como a descriminalização do aborto e a livre orientação sexual. O posicionamento do governo federal, inicialmente enfático e comprometido com as demandas LGBT, tornou-se ambíguo nos últimos anos do governo Lula e ainda mais reticente no governo Dilma, exemplificado pelo veto ao 'kit anti-homofobia' e a uma campanha de prevenção às DST/AIDS. A pesquisa destaca as dificuldades das categorias LGBT em incorporar suas especificidades em outras pautas, contrastando com a maior facilidade do movimento negro em construir alianças e solidariedade, inclusive com setores mais conservadores da sociedade.
2. Análise da Lei 7.716 1989 e da Fundação Cultural Palmares
O estudo analisa a Lei n. 7.716 de 1989, que visava definir crimes resultantes de preconceito racial, e a criação da Fundação Cultural Palmares. Apesar da intenção de combater o racismo, os vetos presidenciais à Lei 7.716 limitaram seu alcance, tornando-a similar à Lei Afonso Arinos de 1951. A análise argumenta que tanto a Fundação Cultural Palmares quanto a legislação sobre crimes de racismo não romperam, politicamente, com o imaginário nacional que vê negros e indígenas apenas como objetos culturais e não como cidadãos plenos de direitos. Este imaginário, segundo Guimarães (2002), reconhece a contribuição histórica da população negra, mas não garante a sua plena cidadania. A pesquisa demonstra, portanto, as limitações de ações governamentais em superar representações sociais arraigadas, mesmo com a criação de instituições dedicadas à promoção da igualdade racial.
3. Ação Governamental e Articulação com Movimentos Sociais
O governo Lula, através do Sistema Nacional de Participação Social, procurou centralizar e coordenar diferentes frentes de participação social, incluindo identidades 'minoritárias'. Para Duque Brasil (2011), o governo Lula caracterizava-se por um perfil 'inclusivo-ativo', criando instituições participativas e promovendo a inclusão política. No entanto, a pesquisa destaca diferenças no tratamento dado a diferentes movimentos sociais. As temáticas LGBT foram incluídas ativamente nos arranjos participativos (inclusão no Estado), mas apenas timidamente incluídas do ponto de vista político. O governo reproduziu, em sua estrutura, categorias e discursos desenvolvidos pelos movimentos sociais, adaptando narrativas identitárias produzidas em contextos de militância e acadêmicos (Prado, Mountian, Machado, & Souza, 2010). O movimento negro, em contraste com o LGBT, construiu uma rede de solidariedade mais ampla, incluindo atores políticos além do PT, o que contribuiu para um discurso de 'compromisso com as minorias' mais difícil de ser antagonizado pelos setores conservadores.
4. Políticas Públicas e Sustentabilidade O Caso da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SEPPIR
A criação da SEPPIR e sua institucionalização trouxe dilemas internos e externos. Internamente, houve disputas por espaço entre atores da sociedade civil na representação da população negra junto ao governo. Externamente, persiste o risco de destituição da secretaria por governos menos alinhados com a luta antirracista. A sustentabilidade da SEPPIR depende da ampliação do caráter transversal das políticas de igualdade racial e da aproximação com outros setores do governo. A publicação da Lei Federal n. 12.305 (2010), que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), é mencionada como um grande avanço, incentivando a criação de cooperativas de catadores e a economia solidária. A lei demonstra um esforço para a efetiva participação dos indivíduos na aplicação da legislação sobre resíduos sólidos, embora o apoio do Estado a iniciativas de economia solidária ainda seja escasso.
II.As Manifestações de Junho de 2013 Um Happening Urbano
A análise das manifestações de junho de 2013 no Brasil utiliza o conceito de happening para compreender a complexidade e a politização do espaço urbano. As ocupações foram caracterizadas pela ausência de lideranças centralizadas, formando ações coletivas e redes sociais descentralizadas. As reivindicações incluíram uma ampla gama de pautas, desde a tarifa de ônibus até a luta contra a corrupção e a reforma política. O estudo explora o conceito de lugar, espaço e não-lugar, mostrando como as ocupações transformaram espaços urbanos em lugares de pertencimento e discurso político, gerando dissenso e questionando o poder instituído. A Psicologia Sócio-Histórica, na perspectiva de Ivete Sawaia, é empregada para entender a subjetividade dos participantes e a busca pela dignidade e felicidade no contexto da desigualdade social.
1. As Manifestações de Junho de 2013 Uma Análise Através do Conceito de Happening
O texto analisa as manifestações de junho de 2013 no Brasil utilizando o conceito de 'happening', proveniente das artes performáticas e adaptado pelas ciências sociais. Este conceito ajuda a elucidar a complexidade dessas mobilizações, focando na sua singularidade e no efeito de descontinuidade no tecido social. O happening destaca a potencialidade dos lugares como palco de manifestações artístico-estéticas, rompendo a barreira entre participantes e observadores e rearranjando as significações do cotidiano. As manifestações de junho de 2013, inicialmente centradas na tarifa de ônibus, expandiram-se para abarcar diversas pautas, como corrupção, reforma política e insatisfação com os serviços públicos, criando um movimento polifônico com negociações e embates entre diferentes grupos. A diversidade de pautas e a participação de diferentes camadas sociais demonstram a natureza popular e descentralizada dessas mobilizações. A análise enfatiza a capacidade dessas ações de transformar a percepção sobre o espaço urbano e gerar dissenso em relação ao poder instituído.
2. Espaço Lugar e Não Lugar nas Ocupações Urbanas
A compreensão das ocupações urbanas se dá através da diferenciação conceitual entre espaço, lugar e não-lugar. 'Lugar' refere-se à identificação e apego a um local específico, gerando simbolismos e um sentimento de pertencimento. Leite e Dimenstein (2007) o definem como 'território de subjetivação'. 'Espaço' representa a potencialidade de um território em se tornar um lugar ou um não-lugar. 'Não-lugar' caracteriza espaços de pouca troca relacional, transitórios e sem a promoção de sentimentos de pertencimento. As ocupações urbanas são apresentadas como rompimentos com os fluxos padronizados de significação nos espaços urbanos, criando lugares com potencial de reelaboração simbólica dos acontecimentos (Nora, 1997). A efemeridade das ocupações e sua capacidade transformadora são destacadas, junto ao dissenso gerado pela sua capacidade de romper com o silêncio que estabiliza o status quo (Rancière, 2010). A produção de experiências subjetivas de qualidade política é enfatizada como um resultado emergente destas ações.
3. Novas Formas de Movimento Social e a Descredibilidade da Política Tradicional
As manifestações de junho de 2013 introduziram um novo conceito de movimento social, caracterizado pela ação em rede, sem lideranças formais que representem a totalidade dos participantes. Este novo modelo de organização gerou novas práticas de negociação com os poderes públicos, influenciadas pela descredibilidade dos representantes institucionalizados da política partidária. A postura anti-partidária é um elemento distintivo dessas ações, gerando debates internos sobre a participação ou não de partidos políticos. Alguns defendem a participação formalizada para garantir maior representatividade, enquanto outros argumentam que a presença de partidos reproduz o 'sistema falido e genérico' que as manifestações questionam. A análise destaca, portanto, a inovação na forma de organização e mobilização, refletindo uma crise de representatividade na política tradicional.
4. Psicologia Sócio Histórica e a Subjetividade nas Ações Coletivas
A perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica de Ivete Sawaia (2009) é utilizada para analisar a subjetividade dos participantes das ocupações urbanas. Sawaia enfatiza que, mesmo na miséria, o ser humano não está reduzido às suas necessidades biológicas, destacando a vontade de ser feliz e de recomeçar. O sofrimento ético-político é analisado a partir do descrédito social e da falta de dignidade. A autora destaca a importância da realização do homem com os outros e os benefícios de uma coletividade organizada. A participação é apresentada como uma necessidade do sujeito, que não deve significar a renúncia de seus desejos individuais, mas a busca pela liberdade e felicidade. A 'potência de ação', a capacidade de o sujeito se tornar causa de seus afetos e senhor de sua percepção, é fundamental para a participação ético-política (Sawaia, 2001). A análise, portanto, busca compreender as motivações e as experiências subjetivas por trás das ações coletivas, considerando a dimensão social e individual da participação.
III.Crise Ambiental Identidade e Enraizamento Uma Perspectiva da Psicologia Social
Esta seção investiga a crise ambiental e a globalização, utilizando a Psicologia Ambiental Crítica e a noção de enraizamento de Simone Weil. O estudo aborda a relação entre identidade psicossocial e território, analisando como a desterritorialização causada pela globalização hegemônica impacta a vulnerabilidade das populações e gera conflitos ambientais. A mundialização, como resistência à globalização, é apresentada como um movimento que busca alternativas identitárias e desenvolvimento sustentável. O texto também discute a vulnerabilidade em relação a desastres naturais, destacando a importância de uma abordagem que considere as dimensões social, econômica e cultural da injustiça ambiental. A obra de Serge Moscovici sobre o movimento ecológico é mencionada, enfatizando a necessidade de uma sociedade em harmonia com a natureza.
1. A Crise Ambiental como Crise de Identidade e Lugar
A seção inicia abordando a crise ambiental como um fenômeno de amplas proporções, questionando os fundamentos da civilização ocidental baseada na cisão entre natureza e cultura (Guba, 1990). A concepção da natureza como algo a ser dominado torna-se problemática quando o esforço para tal pode resultar na aniquilação da própria cultura (Gerhardt & Almeida, 2005). A crise ambiental, portanto, transcende o simples esgotamento de recursos naturais. Duas perspectivas são apresentadas para analisar a crise ambiental. A primeira, inspirada na noção de enraizamento de Simone Weil (1996), entende a crise ambiental e a globalização como fenômenos que exigem a investigação da relação entre a constituição da identidade psicossocial e o lugar, físico e social. A crise ambiental, nessa perspectiva, é uma crise na relação identidade-lugar, questionando a relação, outrora considerada necessária, entre o indivíduo e seu território geográfico, especialmente em sociedades modernas.
2. Conflitos Ambientais e a Re criação de Identidades
A segunda perspectiva analisa a reação de sujeitos socialmente vulneráveis frente à ameaça de desterritorialização causada por agentes sociais mais poderosos (empresas, hidrelétricas, etc.), impulsionados por uma lógica econômica desenvolvimentista e hegemônica. A abordagem dos conflitos ambientais (Acselrad, 2004a) considera os modos de apropriação da base material da sociedade em suas dimensões política (poder) e cultural (simbólica, discursiva). Nestes conflitos, novas identidades são (re)criadas, gerando novas formas de resistência. A amplitude e a diversidade dos temas abordados no texto são enfatizadas, abrangendo preocupações que vão de processos planetários da mundialização até o cotidiano das dificuldades de jovens em bairros, catadores de materiais recicláveis e mulheres pescadoras. A diversidade teórica abrange desde concepções amplas sobre a natureza até as teorias prático-afetivas de pessoas comuns sobre suas vidas e o mundo ao redor.
3. Política Ambiental Crise Ambiental e a Necessidade de Participação
O texto define Política Ambiental como a construção intencional e compartilhada do futuro, considerando o ambiente como a organização humana no espaço total (Tassara e Ardans, 2004). A crise ambiental, nesse sentido, é um fenômeno complexo em que o ambiente é construído de forma subjugadora e não participativa, alienando os indivíduos dos espaços que habitam. A crise não se limita à degradação dos recursos naturais, mas à impossibilidade de se problematizar essa degradação (Gerhardt & Almeida, 2005). A discussão se aproxima de modelos distópicos de futuro, contrastando com os padrões de desejabilidade esperados em uma humanidade emancipada, livre da dominação. A seção conecta a crise ambiental com a globalização e a mercantilização dos ambientes, mostrando como esta situação torna os lugares mais importantes em uma era de aquecimento global, enfatizando a importância das pesquisas sobre a relação eu (self)-ambiente na psicologia ambiental (Devine-Wright & Clayton, 2010).
4. Redes Sociais Vulnerabilidade e a Necessidade de Alternativas
A seção aborda a sociabilidade no contexto da crise ambiental, sugerindo que a noção de 'rede' é útil para compreender os movimentos sociais (Scherer-Warren, 2002). Redes sociais do cotidiano, originadas em redes primárias tradicionais e atravessadas por redes virtuais, formam novas identidades na era da informação. Estas redes se cruzam com redes sociais associativistas, portadoras de utopias de transformação. A análise relaciona a crise ambiental ao surgimento de conflitos ambientais, resultantes da resistência à dominação exercida pela difusão de instituições sociais de amplo escopo que afetam a identidade psicossocial. A vulnerabilidade é um conceito chave, especialmente para populações historicamente vulnerabilizadas que sofrem desterritorialização em função de atividades industriais e comerciais. A injustiça ambiental (Acselrad, citado por Valencio, 2009) é destacada, mostrando como os custos ambientais são transferidos para os mais fracos, vinculando vulnerabilidade, território e cidadania. A discussão aponta para a necessidade de estudos e intervenções que promovam alternativas à globalização hegemônica.