
Chiquinho: Cabo Verde, Literatura e Sociedade
Informações do documento
Autor | Patrícia Hofmã |
instructor | Prof. Dr. Rodrigo Alexandre de Carvalho Xavier (orientador - participação à distância) UFRJ/RJ |
Escola | Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) |
Curso | Letras |
Ano de publicação | 2019 |
Local | Pato Branco |
Tipo de documento | Dissertação (Mestrado) |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 0.93 MB |
Resumo
I.A Relação entre a Intelectualidade Cabo verdiana e a Construção da Identidade Nacional
Esta pesquisa analisa a relação entre a intelectualidade cabo-verdiana e a formação da identidade cabo-verdiana, utilizando o romance Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes, como estudo de caso. A obra, considerada o primeiro romance verdadeiramente cabo-verdiano, é analisada como um Bildungsroman, retratando a trajetória do protagonista Chiquinho e explorando temas como a seca, a fome, a cultura crioula, as mornas e o evasionismo intelectual. A pesquisa se baseia em teorias de Gramsci, Edward Said e Alfonso Berardinelli sobre o conceito de intelectual e investiga o papel destes na construção da identidade nacional de Cabo Verde, um país com uma história marcada pelo colonialismo português e pela busca pela afirmação identitária.
1. A Pesquisa e o Objetivo Central
A pesquisa visa demonstrar a intrínseca relação entre a intelectualidade cabo-verdiana e a formação da identidade cabo-verdiana. Para tanto, confronta-se o arcabouço teórico com a análise do romance Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes. O objetivo é identificar os contornos e traços que configuram uma identidade cabo-verdiana específica, legitimando o projeto idealizado pela geração claridosa. A ênfase recai sobre a construção da identidade nacional e o papel da intelectualidade cabo-verdiana nesse processo. Chiquinho, publicado em 1947, é considerado o primeiro romance verdadeiramente cabo-verdiano, integrando-se ao desenvolvimento literário do arquipélago. A narrativa, dividida em três partes, classifica-se como Bildungsroman, seguindo a trajetória de Chiquinho da infância à vida adulta. O romance explora a realidade arquipelágica, incluindo as secas, a fome, e as peculiaridades culturais como as narrativas orais, a língua crioula e as mornas, além de abordar o evasionismo e o engajamento intelectual como componentes da identidade cabo-verdiana. O embasamento teórico abrange o povoamento e a formação da sociedade cabo-verdiana, a conceituação de 'intelectual' por autores como Gramsci, Edward Said e Alfonso Berardinelli, e um percurso pela formação da literatura cabo-verdiana.
2. Chiquinho como Estudo de Caso Aspectos da Realidade Cabo verdiana
O romance Chiquinho serve como estudo de caso privilegiado para a compreensão da construção da identidade cabo-verdiana. A obra, estruturada em três partes (sugerindo uma progressão cronológica na vida do personagem principal), apresenta uma rica descrição da realidade social e cultural de Cabo Verde. Aspectos como a pobreza, a fome causada pelas frequentes secas, e as dificuldades de subsistência são retratados vividamente. Paralelamente, o romance destaca a importância da cultura oral, da língua crioula e das mornas como elementos constitutivos da identidade local. O tema do evasionismo, ou seja, a fuga da realidade cabo-verdiana em busca de melhores oportunidades em outros países (como a América, no caso do romance), é contraposto ao engajamento intelectual, apresentado como uma forma de resistência e construção de uma identidade nacional mais autêntica. Essa dualidade é fundamental para a compreensão da complexidade da identidade cabo-verdiana, moldada por suas próprias contradições e desafios históricos.
3. O Embasamento Teórico Conceito de Intelectual e Formação da Identidade
O estudo se apoia em teorias de renomados autores para definir e contextualizar o papel do intelectual na construção da identidade nacional. Gramsci, Edward Said e Alfonso Berardinelli fornecem diferentes perspectivas sobre o que constitui um intelectual e suas funções na sociedade. A pesquisa utiliza essas teorias para analisar o papel dos intelectuais cabo-verdianos na formação da identidade nacional, considerando a influência do colonialismo português e as dificuldades socioeconômicas do arquipélago. A discussão sobre o conceito de 'intelectual' é crucial para entender como esses indivíduos atuaram como agentes de mudança social e cultural, influenciando a construção de uma narrativa nacional cabo-verdiana, mesmo diante de adversidades e da opressão colonial. O estudo busca, portanto, compreender a interação entre a teoria sociológica e a manifestação literária da identidade cabo-verdiana, analisando como o romance Chiquinho materializa essas reflexões teóricas.
II.O Papel dos Intelectuais Cabo verdianos na Formação do Estado Nação
O estudo destaca a importância dos intelectuais cabo-verdianos na luta pelo resgate da identidade nacional, particularmente após a independência em 1975. A pesquisa analisa como esses intelectuais, apesar de atuarem em diferentes períodos e contextos, compartilhavam a premissa fundamental de confrontar injustiças e se posicionarem em defesa dos desfavorecidos. O texto também aborda a influência da colonização portuguesa e as dificuldades socioeconômicas do arquipélago, incluindo longos períodos de estiagem, que contribuíram para o quase esquecimento da própria identidade cabo-verdiana.
1. A Independência e o Resgate da Identidade Nacional
A relativa 'juventude' de Cabo Verde como nação independente (1975) é um ponto crucial para entender o papel dos intelectuais cabo-verdianos. A longa história de influência portuguesa, desde o povoamento até a independência, moldou profundamente a identidade nacional. Os intelectuais desempenharam um papel fundamental na articulação do movimento de resgate da identidade cabo-verdiana, mobilizando homens e mulheres na luta pela afirmação do país. Apesar de atuarem em diferentes segmentos e períodos, esses intelectuais compartilhavam uma premissa comum: posicionar-se contra inverdades e injustiças, tornando-se vozes dos desfavorecidos. Essa atuação demonstra a importância da intelectualidade na construção de uma identidade nacional autônoma, desafiando a herança colonial e as dificuldades socioeconômicas que marcaram a história do arquipélago.
2. O Contexto Histórico e as Dificuldades em Cabo Verde
O texto destaca as dificuldades que contribuíram para um quase esquecimento da identidade cabo-verdiana. A longa dependência da coroa portuguesa, somada à escassez de recursos econômicos e às condições climáticas adversas – como longos períodos de estiagem que agravavam a fome e a miséria – contribuíram para essa situação. A comparação com outras colónias portuguesas na África reforça a ideia de que Cabo Verde, embora inicialmente valorizado por sua semelhança com a metrópole, foi posteriormente tratado como qualquer outra colónia, submetido aos impactos negativos da colonização. Este cenário de vulnerabilidade e dependência ressalta a necessidade da intervenção dos intelectuais na construção e na afirmação da identidade nacional cabo-verdiana, contrapondo-se à narrativa imposta pela colonização.
3. A Educação e a Luta pela Descolonização
A trajetória da educação em Cabo Verde é apresentada como um fator crucial no desenvolvimento e na libertação nacional. As reformas nas estruturas sociais impulsionaram os investimentos na educação, como demonstram as negociações no século XVII entre seis ilhas (Brava, Santo Antão, São Nicolau, Santiago, Fogo e São Vicente) e as autoridades metropolitanas para o ensino patrocinado pelo Estado. A existência de 12 escolas oficiais entre 1841 e 1842 indica um esforço, embora ainda insuficiente, para promover o acesso à educação. A participação de Cabo Verde na Guerra Colonial e nos combates pela descolonização da África também é abordada, destacando o papel de organizações como a UPA, FRELIMO e PAIGC. A Revolução dos Cravos de 1974, que encerrou a guerra colonial, marca um ponto de virada nesse processo, influenciando profundamente a construção da identidade nacional e o papel dos intelectuais na sua consolidação.
III.A Literatura Cabo verdiana Singularidades e Influências
A pesquisa argumenta pela necessidade de analisar a literatura cabo-verdiana considerando suas singularidades, sem desconsiderar as influências externas, como a influência brasileira na literatura cabo-verdiana. O estudo aponta a escassez de pesquisas acadêmicas focadas na literatura cabo-verdiana em si, contrastando com estudos comparativos com a literatura brasileira. A obra de Baltasar Lopes, Chiquinho, é apresentada como um exemplo crucial para a compreensão desse processo de construção identitária, explorando a mestiçagem e a busca pela afirmação nacional.
IV.A Conceituação de Intelectual Gramsci Said e Berardinelli
O estudo apresenta diferentes perspectivas sobre o papel do intelectual, baseando-se nas teorias de Gramsci, Edward Said e Alfonso Berardinelli. São discutidos os diferentes tipos de intelectuais propostos por Berardinelli (metafísico, técnico e crítico) e como esses tipos se relacionam com o engajamento social e político. A pesquisa destaca a importância do intelectual na consciencialização de indivíduos e nações, promovendo a liberdade humana e o conhecimento, assim como o seu papel na construção de uma identidade comum e na defesa de causas universais.
1. O Conceito de Intelectual Uma Abordagem Multifacetada
A seção explora o conceito de 'intelectual', recorrendo às teorias de Gramsci, Edward Said e Alfonso Berardinelli. A discussão não se limita a uma definição única, mas sim a uma compreensão multifacetada do papel do intelectual na sociedade. O texto destaca o dever do intelectual de questionar e subverter o poder das autoridades que reprimem e discriminam grupos minoritários, buscando o bem coletivo. A citação de Said, 'o importante é causar embaraço, ser do contra e até mesmo desagradável', resume a postura crítica e desafiadora esperada do intelectual, que deve confrontar inverdades e injustiças. A visão de Marilena Chauí, citando Bourdieu, apresenta o intelectual como um ser bidimensional, pertencendo a um campo intelectual autônomo e, simultaneamente, atuando politicamente fora dele. A ideia de um compromisso nacional e, ao mesmo tempo, com causas universais é enfatizada.
2. A Perspectiva de Renato Janine Ribeiro Cientista versus Intelectual
A visão do professor Renato Janine Ribeiro distingue o cientista do intelectual, não pela área de estudo, mas pelas atitudes. O cientista, segundo Ribeiro, 'sabe', induzindo aplicações práticas sem necessariamente compreender o funcionamento ou as implicações. Já o intelectual 'vê', induzindo uma percepção consciente da descoberta científica. Essa distinção, embora não excludente, destaca o papel do intelectual na interpretação crítica da realidade, além da pura produção de conhecimento. A capacidade de conscientizar indivíduos e nações, operando mudanças históricas, é apontada como um elemento crucial da atuação intelectual, que trabalha com ideias e formas de pensar, influenciando o rumo da história.
3. Os Três Tipos de Intelectual segundo Berardinelli
Alfonso Berardinelli propõe três tipos de intelectuais: o metafísico, o técnico e o crítico. Entretanto, Berardinelli destaca que esses tipos raramente são encontrados em 'estado puro', muitas vezes se misturando e formando híbridos. Os intelectuais metafísicos se preocupam com o 'fim em si', enquanto os técnicos se focam nos 'meios' para atingir esse fim, sem necessariamente questionar o objetivo. A liberdade de pesquisa é prioritária para os intelectuais técnicos. O intelectual crítico, por sua vez, é apresentado como aquele que se reconhece como fraco e sem poder, mais próximo do senso comum, utilizando-o para comunicar ideias que podem não servir ao 'progresso' ou aos interesses divinos. A conclusão reforça a ideia da atuação prática do intelectual, que opera com ideias e promove a conscientização de indivíduos e nações, gerando transformações históricas, mesmo sem a necessidade de uma categorização rígida.
V.Chiquinho Uma Análise Literária da Identidade Cabo verdiana
A análise de Chiquinho de Baltasar Lopes explora como o romance contribui para a construção da identidade cabo-verdiana, retratando as condições de vida precárias no arquipélago, a emigração para a América, e a descoberta da intelectualidade pelo protagonista. A obra explora temas como a seca, a fome e a condição de escravidão, utilizando-os como metáforas para a situação do povo cabo-verdiano e a busca por uma vida melhor. A relação entre a Geração Claridade e a construção da identidade nacional é examinada, questionando a legitimidade da caboverdianidade construída por esse grupo e os limites de uma identidade nacional em uma nação diásporica.
1. Chiquinho e a Representação da Identidade Cabo verdiana
A análise do romance Chiquinho, de Baltasar Lopes, centra-se na sua contribuição para a construção da identidade cabo-verdiana. O romance, através da trajetória de seu protagonista, retrata as precárias condições de vida no arquipélago, com ênfase nos períodos de seca e fome, e a consequente emigração para a América em busca de melhores condições. A obra explora a realidade social e cultural de Cabo Verde, mostrando as dificuldades econômicas e o contraste com a idealização de uma vida melhor no exterior. A condição de Chiquinho, desde a sua infância até a vida adulta, é retratada como representativa da experiência de muitos cabo-verdianos da época. A narrativa também destaca elementos culturais importantes, como a língua crioula e as mornas, consolidando-os como parte fundamental da identidade cabo-verdiana.
2. Emigração Seca e a Metáfora da Escravidão
Um dos principais temas de Chiquinho é a emigração, motivada pelas condições de vida precárias em Cabo Verde. A seca e a fome são retratadas como fatores decisivos na decisão de muitos cabo-verdianos de migrarem para outros países, na esperança de encontrar uma vida melhor. O excerto 'Só a América permitia parir em casas caiadas e telhadas, com mobília estrangeira e quadros com oleogravuras na parede' ilustra a busca por um estilo de vida diferente. A escravidão é usada metaforicamente para representar a condição de dependência e a impossibilidade de ascensão social em Cabo Verde. Chiquinho, mesmo buscando a intelectualidade como via de escape, não deixa de reconhecer a dura realidade da população, usando a imagem da escravidão como uma crítica à sua própria condição e à condição da maioria. A fuga para a América é apresentada como a única alternativa para escapar dessa 'escravidão' metafórica.
3. A Descoberta da Intelectualidade e a Questão da Identidade Nacional
A narrativa acompanha o despertar de Chiquinho para a intelectualidade, impulsionado pelo incentivo familiar e pela necessidade de se libertar da vida de trabalho braçal. O personagem passa a ler cartas de emigrantes, demonstrando um papel intelectual nos meios sociais em que vive. A escolha pela educação é vista como um caminho para um mundo além das limitações de sua ilha. No entanto, mesmo reconhecendo as oportunidades oferecidas pela intelectualidade, Chiquinho questiona a legitimidade da identidade nacional construída pelos intelectuais, principalmente os da Geração Claridade. A análise do romance levanta questionamentos importantes: até que ponto a identidade nacional, construída pelos intelectuais, representa fielmente a heterogeneidade da nação? E qual o papel da condição diásporica na formação da identidade cabo-verdiana?