Nos meandros da colonização chapecoense: a resistência camponesa territorializada no assentamento Dom José Gomes

Resistência Camponesa em Chapecó

Informações do documento

Autor

Janaína Gaby Trevisan

Escola

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Chapecó

Curso Geografia
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Local Chapecó
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 4.54 MB

Resumo

I.A Questão Agrária em Chapecó Santa Catarina Resistência e R existência no Assentamento Dom José Gomes

Este estudo analisa o Assentamento Dom José Gomes, localizado em Chapecó (Oeste de Santa Catarina), como um espaço de resistência social e territorial contra a hegemonia do modelo capitalista de desenvolvimento, fortemente marcado pela agroindústria de aves, suínos e leite. A pesquisa utiliza a pesquisa-ação participativa e a elaboração de um mapeamento social colaborativo para compreender como o assentamento, ligado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), se configura como um território de descolonização, contestando a Ideologia do Desbravador e a lógica colonizadora arraigada em Chapecó desde sua colonização em 1917. A pesquisa destaca o papel fundamental de Dom José Gomes, bispo que dá nome ao assentamento e que se posicionou contra a elite chapecoense em apoio aos trabalhadores rurais.

1. O Assentamento Dom José Gomes Um Território de Resistência e Descolonização

O estudo se centra no Assentamento Dom José Gomes, localizado em Chapecó, Oeste de Santa Catarina, como um exemplo de resistência social e política contra a dominação do modelo de desenvolvimento capitalista na região. A área é fortemente influenciada pela agroindústria de aves, suínos e leite, que impôs um ritmo intenso de produção e vida, contrastando com as lutas pela terra e as territorialidades específicas do assentamento. A pesquisa utiliza uma abordagem metodológica de pesquisa-ação participativa, combinada com a criação de um mapeamento social colaborativo, para analisar como o Assentamento Dom José Gomes, vinculado ao MST, se apresenta como um espaço de descolonização, confrontando uma perspectiva moderno-eurocentrada-capitalista-colonial. A análise se concentra em desvendar como as territorialidades do assentamento se organizam para refutar a lógica hegemônica, representando uma forma de insurgência e construção de territórios de vida e esperança, em contraste com o modelo de desenvolvimento hegemônico e seus valores.

2. A Geografia da Questão Agrária em Chapecó Conflito e Hegemonia

A pesquisa contextualiza o Assentamento Dom José Gomes dentro da complexa dinâmica da questão agrária em Chapecó. A análise geográfica explora o espaço chapecoense como um “território em litígio”, marcado por disputas sociais, políticas e econômicas intrinsecamente ligadas. A narrativa tradicional da colonização, centrada na “Ideologia do Desbravador”, é questionada, expondo o silenciamento da história dos povos indígenas e caboclos, que habitavam a região antes da chegada dos colonizadores em 1917. A colonização, descrita como “moderno-colonial-eurocentrada-capitalista”, promoveu a exclusão de populações tradicionais e a marginalização de negros e mulheres, reforçada pela hegemonia econômica e política da elite local e o desenvolvimento do agronegócio. A pesquisa destaca eventos como o linchamento de 1950, a Peste Suína Africana (questionada como estratégia para eliminar a produção suína autônoma), e o papel da Igreja na época da colonização e do linchamento, como marcos cruciais na conformação do território e na intensificação dos conflitos.

3. O MST e a Construção do Assentamento Dom José Gomes Lutas Conquistas e Desafios

A trajetória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Oeste de Santa Catarina é fundamental para entender a formação do Assentamento Dom José Gomes. A ocupação da Fazenda Seringa, em 2002, e sua posterior desapropriação em 2008, representam um marco na luta pela terra na região, sendo o primeiro assentamento fruto da Reforma Agrária em Chapecó. A pesquisa acompanha a transição do acampamento para o assentamento, destacando o apoio inicial da prefeitura de Chapecó e a solidariedade da comunidade, contrastando com as dificuldades posteriores. O estudo aborda o conceito de ‘r-existência’, explicando como o assentamento não apenas resiste, mas também reafirma uma existência prévia, construindo seu território de vida. A pesquisa destaca a importância do mapeamento colaborativo, elaborado com os assentados, como ferramenta de (re)afirmação da comunidade e de sua história, confrontando a invisibilidade imposta pela lógica hegemônica. Apesar dos sucessos, desafios como a consolidação da identidade “Sem Terra”, a pressão do capitalismo no campo, conflitos internos de posse, e a falta de apoio da prefeitura persistem.

II.A Colonização de Chapecó e a Ideologia do Desbravador

A história de Chapecó é analisada sob a ótica da colonização, revelando a Ideologia do Desbravador como narrativa hegemônica que silencia a história dos indígenas e caboclos. A chegada de colonizadores, principalmente ítalo-brasileiros no início do século XX, impulsionou o desenvolvimento da agroindústria, com empresas como a Colonizadora Bertaso S/A, trazendo milhares de famílias. Eventos como o linchamento de 1950 demonstram a violência e o mandonismo presentes na formação territorial. A Peste Suína Africana, possivelmente uma estratégia para eliminar a produção suína autônoma, marca um momento crítico na Questão Agrária da região e impulsiona a organização de pequenos agricultores e o MST.

1. A Ideologia do Desbravador Uma Narrativa Hegemônica em Chapecó

A colonização de Chapecó é analisada através da lente crítica da 'Ideologia do Desbravador', uma narrativa que celebra a conquista da natureza e o progresso, frequentemente silenciando as experiências e a história dos povos indígenas e caboclos que habitavam a região. Essa ideologia, associada ao discurso de colonizadores e desbravadores, justifica a apropriação de terras e a construção de uma nova Chapecó, sobrepondo-se à realidade pré-existente. A pesquisa aponta para a necessidade de resgatar outras narrativas, mostrando as faces ocultas da colonização e as lutas de resistência dos povos originários. O texto evidencia a ausência de uma Reforma Agrária efetiva, a proximidade com o perímetro urbano e outros obstáculos que tensionam a questão agrária na região. A 'Ideologia do Desbravador' é analisada também como elemento estruturante da exclusão social, marginalizando negros e mulheres, bem como reforçando a violência e o mandonismo que caracterizaram a colonização da região. A mudança de nomes de espaços públicos como a 'Rua Índio Condá' para 'Rua Condá', demonstra como essa ideologia continua a se manifestar na atualidade, apagando a memória e a identidade indígena.

2. A Colonização de Chapecó Processo Histórico e suas Consequências

O processo de colonização de Chapecó, iniciado no século XX, é descrito como uma colonização 'moderno-colonial-eurocentrada-capitalista', impulsionada pela chegada de imigrantes, principalmente ítalo-brasileiros, atraídos pela expansão agroindustrial. A Colonizadora Bertaso S/A, liderada por Ernesto Serafim Bertaso, trouxe mais de oito mil famílias do Rio Grande do Sul para Santa Catarina, desempenhando um papel significativo na transformação do Oeste Catarinense. O trabalho do colono foi associado ao progresso e à civilização, contrastando com a realidade dos posseiros e populações tradicionais que foram marginalizadas. A pesquisa cita o trágico evento do linchamento em 1950, como exemplo da violência e mandonismo que marcaram o período de colonização, onde aproximadamente 200 homens invadiram a cadeia pública e lincharam quatro presos. A pesquisa aponta também para o papel da Igreja, em determinados momentos, como aliada aos projetos capitalistas, em detrimento dos direitos e da vida das comunidades tradicionais. O forte racismo e a marginalização de negros são evidenciados, reforçando a dimensão violenta da colonização.

3. A Modernização da Agricultura e a Crise Camponesa

A modernização da agricultura no Oeste de Santa Catarina, a partir dos anos 1930, intensificou a crise camponesa, direcionando investimentos públicos para as agroindústrias e o financiamento de grandes empreendimentos como Sadia e Perdigão (BRF). Essa modernização, embora tenha aberto linhas de crédito para pequenos produtores, também aumentou as exigências de produtividade e qualidade, tornando inviáveis as formas tradicionais de produção. Um episódio marcante foi a Peste Suína Africana, em 1978, cuja existência é questionada pela pesquisa, que sugere uma possível estratégia para eliminar a produção suína autônoma e fortalecer as agroindústrias. Essa crise, no entanto, também impulsionou a organização social de pequenos agricultores e o surgimento de movimentos de resistência, contribuindo para o contexto em que o MST se fortaleceu, organizando-se em diversos municípios catarinenses e culminando na ocupação de terras improdutivas para a formação de assentamentos, como o Dom José Gomes. O município de Abelardo Luz, por exemplo, possui atualmente 22 assentamentos do MST.

III.O Assentamento Dom José Gomes R existência Camponesa e a Produção de Territórios de Vida

A ocupação da Fazenda Seringa em 2002, que originou o Assentamento Dom José Gomes, é analisada como um ato de r-existência, combinando resistência e a afirmação de uma identidade pré-existente. O estudo demonstra a construção de um projeto de Reforma Agrária Popular, com iniciativas coletivas como a padaria “Sabor da Conquista” e o grupo de costura “Costurando Sonhos”, apesar de desafios como conflitos de posse de terra e a dificuldade de manter a unidade e a identidade “Sem Terra” diante da proximidade com a cidade de Chapecó. A pesquisa apresenta um mapeamento social elaborado em colaboração com os assentados, reforçando o protagonismo da comunidade na construção de seus territórios de vida e a luta contínua pela terra e pela descolonização.

1. A Ocupação e a Formação do Assentamento Dom José Gomes Da Luta pela Terra à R existência

O estudo investiga o Assentamento Dom José Gomes como um exemplo de r-existência camponesa, um conceito que vai além da simples resistência, representando uma reafirmação contínua de uma identidade e modo de vida pré-existentes. A narrativa da criação do assentamento, contada pelos próprios assentados, destaca a ocupação da Fazenda Seringa (ou Fazenda Paraíso) em 23 de abril de 2002, como um ato fundamental na luta pela terra. O apoio inicial da comunidade e do então prefeito Pedro Uczai (2002-2004) é contraposto à posterior desapropriação da fazenda em 09 de setembro de 2008, por decreto do então presidente Lula, e a posterior imissão de posse em 21 de novembro de 2008, conforme consta no Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA, 2009). A pesquisa aprofunda a análise do artigo 184, §2º da Constituição Federal, que trata da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Essa conquista representou o primeiro movimento efetivo de luta pela terra em Chapecó, fruto da Reforma Agrária, e o estabelecimento de um território de vida em tensão com a lógica da colonização coronelista, fortalecendo movimentos de resistência e oposição ao modelo hegemônico de desenvolvimento.

2. Mapeamento Social Colaborativo Visibilizando as Territorialidades do Assentamento

A metodologia empregada na pesquisa inclui a elaboração de um mapeamento social colaborativo, participativo e crítico, com o objetivo de (re)significar a história social e cultural do assentamento, e de identificar as territorialidades produzidas pela comunidade. Inicialmente planejada como uma Cartografia Social, a metodologia foi adaptada devido a limitações de tempo e acesso aos assentados, resultando em três croquis manuais, um para cada núcleo do assentamento, que foram posteriormente unificados e digitalizados no software QGIS. Os assentados identificaram elementos importantes para eles no mapa: ruas, casas, açudes, fronteira com a Reserva Indígena Condá, tipos de produção, áreas de preservação permanente (APP) e a área de produção coletiva. A inclusão das coordenadas geográficas nas plataformas digitais, a partir do Google Earth, permitiu a construção do mapa final, tornando visíveis as territorialidades construídas pelos assentados, os conflitos territoriais e a luta contínua pelo acesso à terra e ao território. O conflito na fronteira com a Reserva Indígena Condá, demonstrado no mapa, aponta para o avanço indígena em terras do assentamento, um conflito que, apesar de tramitar na FUNAI, não afeta o objetivo comum das duas comunidades de conter o avanço do agronegócio e da expansão do latifúndio.

3. Dez Anos de Assentamento Conquistas Desafios e a Persistência da Luta

A transição do acampamento para o assentamento, dez anos após a ocupação, é analisada como um processo marcado por conquistas na luta pela terra e pela articulação do MST, mas também por desafios que enfraquecem a perspectiva de permanência e resistência coletiva. A pesquisa observa a coexistência de elementos da ‘Ideologia do Desbravador’ com ações de r-existência e a busca por um projeto de reforma agrária popular. Iniciativas coletivas como a padaria ‘Sabor da Conquista’ e o grupo de costura ‘Costurando Sonhos’ são apresentadas, bem como os problemas que levaram ao seu desmantelamento. Conflitos internos relacionados a posse de terra e a inclusão de agregados, que não possuem a mesma identidade de Sem Terra, são analisados, bem como a questão estrutural de uma distribuição de terras que limita a produção e a sobrevivência apenas do assentamento, sobrecarregando alguns indivíduos com responsabilidades coletivas e a mínima assistência da prefeitura, que ainda não solucionou problemas cruciais de acesso às estradas do Assentamento. A estigmatização das comunidades tradicionais pela sociedade chapecoense e a ausência de formação política dentro do assentamento, devido à proximidade com a cidade, são fatores que dificultam a consolidação da identidade Sem Terra, mostrando que a luta pela terra é uma luta contínua e complexa.