O arrendamento de curta duração, em especial o alojamento local

Alojamento Local: Lei e Contrato

Informações do documento

Escola

Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito – Escola de Lisboa

Curso Direito
Local Lisboa
Tipo de documento Dissertação
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 382.28 KB

Resumo

I.Elementos Essenciais do Contrato de Arrendamento

Este estudo analisa os elementos fundamentais de um contrato de arrendamento: a obrigação do locador de proporcionar o gozo temporário de uma coisa ao locatário; a limitação temporal do gozo; e a retribuição pelo locatário. O foco é principalmente em arrendamentos para habitação, distinguindo-os de outros tipos de arrendamentos. A análise considera a prorrogação legal e automática de contratos, o bloqueio de renda, e o interesse público envolvido em regimes jurídicos específicos, especialmente o conceito de arrendamentos vinculísticos, abordando as restrições à liberdade contratual que surgem no contexto histórico da inflação e da II Guerra Mundial.

1. Definição dos Elementos Essenciais do Contrato de Arrendamento

O texto inicia definindo os três pilares do contrato de arrendamento: a obrigação do locador em ceder o gozo de um bem, caracterizado pelo uso e fruição, sem transferência da propriedade; a temporalidade limitada desse gozo; e a retribuição paga pelo locatário. Esta estrutura básica serve como base para a análise subsequente de arrendamentos mais complexos, particularmente aqueles que envolvem restrições à liberdade contratual, um tema recorrente na discussão. A distinção crucial é feita entre a simples concessão do direito de uso e a titularidade do direito de propriedade, ponto fundamental para compreender as nuances dos diferentes tipos de contratos de arrendamento abordados posteriormente no texto. A introdução clara desses elementos essenciais cria o alicerce para a compreensão das complexidades legais dos contratos de arrendamento, preparando o leitor para as discussões mais detalhadas que se seguem sobre arrendamentos especiais e suas implicações legais e sociais. A clareza desta definição inicial é crucial para que o leitor acompanhe a complexidade das discussões seguintes sobre os arrendamentos de curta duração, o Alojamento Local e suas regulamentações.

2. Contorno Jurídico e Arrendamentos Vinculísticos

A seção explora o contorno jurídico do arrendamento, destacando a prorrogação legal e automática dos contratos, a menos que o arrendatário a recuse; o controle estatal sobre o aumento das rendas; e o caráter de interesse público e excecional do regime jurídico, muitas vezes justificado por necessidades conjunturais. O conceito de arrendamentos vinculísticos, originário da doutrina italiana, é introduzido. Estes são caracterizados por uma significativa limitação da liberdade contratual, com o objetivo principal de proteger a posição do arrendatário. A discussão sobre o surgimento desses contratos é contextualizada histórica e economicamente, ligada ao fenômeno da inflação e às medidas protetoras tomadas em resposta à desvalorização monetária, particularmente no período que antecedeu e incluiu a Segunda Guerra Mundial. É crucial notar que, embora vistos como medidas temporárias, essas legislações perduraram por longos períodos, influenciando profundamente os regimes jurídicos de arrendamento em diversos países, incluindo Portugal, e demonstrando a persistência de intervenções estatais na dinâmica do mercado de arrendamento.

3. Exceções e Especificidades no Código Civil de 1966

O texto analisa exceções ao regime geral de arrendamento previstas no Código Civil de 1966, focando-se nos arrendamentos para habitação de curta duração em áreas turísticas (praias, termas, etc.) e outras finalidades transitórias. São mencionados artigos específicos (1083.º n.º 2, al. b); 1093, n.º 1, al. e); e 1109.º) que regulam, por exemplo, o número de hóspedes permitidos em arrendamentos para habitação. A análise destaca a diferença entre arrendamento e hospedagem, referenciando o Código Civil de Seabra e sua definição de albergaria (artigo 1419.º). A menção a artigos específicos do Código Civil evidencia a complexidade da legislação e a necessidade de uma interpretação precisa para diferenciar os vários tipos de arrendamento, preparando o terreno para uma discussão mais aprofundada sobre a regulamentação específica do Alojamento Local, que apresenta semelhanças e diferenças com os arrendamentos tradicionais analisados nesta seção. A análise desta legislação antiga demonstra a evolução contínua da legislação em relação ao arrendamento e ao direito de habitação, destacando a necessidade de adaptações e precisões legais que se refletem na legislação mais recente.

II.Arrendamento de Curta Duração e Alojamento Local

O documento explora o arrendamento de curta duração, incluindo a evolução legislativa em Portugal em relação ao Alojamento Local (AL). São analisados diplomas legais como o Decreto-Lei n.º 39/2008, Decreto-Lei n.º 228/2009, Portaria n.º 138/2012, e Decreto-Lei n.º 128/2014, que regulamentam a instalação, exploração e funcionamento de empreendimentos turísticos e estabelecimentos de AL. A definição de turista pela Organização Mundial do Turismo é apresentada, assim como os requisitos mínimos exigidos aos estabelecimentos de AL. São também analisadas as diferentes denominações legais para o hóspede (hóspede, utente, utilizador), apontadas como uma lacuna legal.

1. Evolução Legislativa do Alojamento Local em Portugal

A seção traça a evolução da legislação portuguesa sobre arrendamento de curta duração e Alojamento Local (AL). Inicia-se com a menção ao Código Civil de Seabra e sua referência à hospedagem, um conceito similar ao arrendamento, mas não idêntico. A análise detalha a legislação específica para o AL, começando com o Decreto-Lei nº 39/2008 e suas alterações posteriores, como o Decreto-Lei nº 228/2009, que revisou o regime jurídico dos empreendimentos turísticos. Um marco importante foi a Portaria nº 138/2012, o primeiro diploma dedicado exclusivamente ao AL, adaptando o regime existente à Diretiva nº 2006/123/CE do Parlamento Europeu sobre serviços no mercado interno. Essa portaria estabeleceu requisitos mínimos para os estabelecimentos de AL. O Decreto-Lei nº 128/2014, de 29 de agosto, é apresentado como o diploma legal principal que regulamenta o Alojamento Local, fornecendo o arcabouço legal para a sua exploração e funcionamento. A análise da evolução da legislação demonstra a complexificação da regulamentação do AL em Portugal, refletindo a crescente importância desta atividade no setor turístico e as necessidades de adaptação e precisão legal.

2. Definição de Turista e Requisitos dos Estabelecimentos de Alojamento Local

A seção define o conceito de turista com base na Organização Mundial do Turismo, adaptando a definição para incluir o turismo interno. A atividade de Alojamento Local é caracterizada pela remuneração em contrapartida pelo serviço de alojamento. O texto destaca a incompatibilidade entre a exploração de Alojamento Local e a classificação como empreendimento turístico, de acordo com o Decreto-Lei nº 39/2008. A ambiguidade na terminologia legal é apontada, com a existência de três termos distintos (hóspede, utente, utilizador) para a mesma realidade, sendo proposta a preferência pelo termo "hóspede". São apontadas lacunas legais, como a falta de definição clara sobre o estatuto de convidados trazidos por hóspedes para os estabelecimentos de AL. A imprecisão na terminologia e a falta de definição legal sobre a figura do hóspede e seus convidados demonstram uma lacuna na regulamentação atual do Alojamento Local, impactando a clareza e a aplicação prática das leis e regulamentos.

3. Aspectos da Exploração e Intermediação do Alojamento Local

A exploração do Alojamento Local é discutida, incluindo a presunção de exploração e intermediação quando um imóvel é publicitado como alojamento para turistas ou oferece serviços complementares (limpeza, recepção) por períodos inferiores a 30 dias, conforme o artigo 4º do Decreto-Lei nº 128/2014. A presunção pode ser invalidada mediante a apresentação de um contrato de arrendamento urbano devidamente registado. A distinção entre Alojamento Local e arrendamento tradicional é analisada, com base na definição de arrendamento do artigo 1022º do Código Civil, enfatizando a prestação de serviços como elemento sine qua non para o AL, em contraste com a simples cessão do gozo temporário do imóvel no arrendamento tradicional. A análise de autores como Isa Meireles sobre as diferenças entre ambos é incluída. A seção enfatiza a importância da regulamentação clara para evitar ambiguidades na interpretação das leis e sua aplicação, principalmente no contexto dos contratos celebrados através de plataformas digitais, como Airbnb e Booking.com, que podem envolver três partes (proprietário, hóspede e plataforma).

III.Regulamentação e Limitações do Alojamento Local

A pesquisa examina as limitações impostas ao Alojamento Local em várias cidades, incluindo Berlim (Lei "Zweckentfremdungsverbots-Gesetz"), Londres, e Nova Iorque, destacando as restrições ao número de noites de aluguer e a proibição de arrendamentos de curta duração em certas áreas. Em Portugal, a Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto, é analisada em detalhe, focando-se nos poderes das autarquias em definir áreas de contenção e limites percentuais de imóveis destinados a Alojamento Local. A legislação também estabelece um limite máximo de sete unidades de AL por proprietário em áreas de contenção. A questão da harmonização das plataformas digitais (como Airbnb) com as normas de defesa do consumidor da União Europeia é abordada.

1. Limitações ao Alojamento Local em Diferentes Cidades

A seção analisa as diferentes estratégias adotadas por cidades para regular e limitar o Alojamento Local (AL), focando-se em Berlim, Londres e Nova Iorque. Em Berlim, a Lei "Zweckentfremdungsverbots-Gesetz" (Lei contra a alteração do fim a que se destina), de 2013, proibiu o arrendamento de apartamentos inteiros a turistas através de plataformas digitais, permitindo apenas o arrendamento de quartos. A análise contrasta essa abordagem com as restrições implementadas em Londres e Nova Iorque, onde limites ao número de noites de aluguer ou proibições de arrendamentos de curta duração em certas áreas são comuns. O texto evidencia a busca constante de soluções para mitigar os impactos negativos do AL, como o aumento do custo de habitação para moradores locais. A discussão sobre as diferentes abordagens adotadas em diversas cidades serve para contextualizar a discussão sobre a legislação portuguesa e as questões relativas à liberdade contratual e à regulação do Alojamento Local.

2. Regulamentação Portuguesa e a Lei nº 62 2018

O foco central desta seção é a Lei nº 62/2018, de 22 de agosto, que reforçou os poderes das autarquias portuguesas na regulação do Alojamento Local. A lei permitiu às Câmaras Municipais definir áreas de contenção, sujeitas à fixação de quotas de AL, considerando limites percentuais em relação aos imóveis disponíveis para habitação (artigo 15º-A, nº 1). É estabelecido um limite máximo de sete unidades de AL por proprietário nessas áreas (artigo 15º-A, nº 7), com exceções para proprietários que já possuíam mais de sete unidades antes da entrada em vigor da lei (21 de outubro de 2018). A lei também trata do acesso e permanência em estabelecimentos de AL, reservando-o a hóspedes e convidados (artigo 19º, nºs 3 e 4). A análise desta lei demonstra a intenção do legislador português em equilibrar o crescimento do setor do turismo com a proteção dos interesses dos residentes locais, mas levanta dúvidas sobre a suficiência e eficácia dessas medidas na prática.

3. Preocupações Europeias e a Questão da Liberdade Contratual

A seção aborda as preocupações em torno do Alojamento Local ao nível europeu, exemplificadas pela exigência da Comissão Europeia, em julho de 2018, para que a plataforma Airbnb harmonizasse suas condições de utilização com as normas de defesa do consumidor da União Europeia. Este facto indica que a problemática do AL não é apenas local, mas também suscita debates e intervenções a nível comunitário. A autora Maria Olinda Garcia é mencionada, questionando a necessidade de o legislador português adotar medidas restritivas semelhantes às de Berlim, Londres ou Nova Iorque, ponderando os potenciais conflitos com o princípio da liberdade contratual. A discussão levanta a questão do equilíbrio entre a regulação necessária para proteger os interesses dos residentes e a preservação da liberdade contratual, um princípio fundamental no sistema jurídico. A seção conclui salientando a complexidade da legislação e a necessidade de uma regulamentação mais abrangente e eficiente para o Alojamento Local, considerando os seus impactos sociais e económicos.

IV.O Contrato de Alojamento Local Natureza Jurídica e Conflitos

O estudo analisa a natureza jurídica do contrato de Alojamento Local, classificando-o como consensual e obrigacional. A questão de sua classificação como contrato de consumo é discutida, considerando a atividade do titular do alojamento como profissional. Discute-se também a possibilidade de enquadrar o AL como arrendamento com fim habitacional, analisando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais da Relação sobre o tema, especialmente em relação à sua compatibilidade com o regime da propriedade horizontal. A discussão inclui o direito de propriedade e os conflitos potenciais entre o proprietário e os condóminos, considerando as implicações da Lei n.º 62/2018 e a necessidade de autorização para o funcionamento de hostels em edifícios em propriedade horizontal. São mencionados diferentes tipos de contratos de exploração além do arrendamento, como a cessão de exploração de estabelecimento.

1. Classificação do Contrato de Alojamento Local

O texto classifica o contrato de Alojamento Local como consensual, pois a obrigação de prestar o serviço de alojamento surge com a celebração do contrato, e obrigacional, devido ao surgimento de obrigações recíprocas para ambas as partes. A complexidade da natureza jurídica é destacada pela existência de múltiplos contratos subjacentes, gerando obrigações na esfera jurídica de todos os intervenientes. A discussão se o contrato de Alojamento Local se enquadra como Contrato de Consumo é abordada, dependendo da classificação da atividade do prestador de serviço como profissional ou não, de acordo com a Lei nº 24/96. A falta de clareza legal sobre o momento em que a atividade se torna profissional (número de frações, serviços complementares, etc.) é apontada como uma lacuna legislativa, exigindo análise casuística. A complexidade da classificação jurídica do contrato demonstra a necessidade de uma maior clareza legislativa e uma interpretação detalhada do enquadramento legal para cada situação específica.

2. Alojamento Local e Arrendamento com Fim Habitacional Jurisprudência e Doutrina

A seção discute a natureza jurídica do Alojamento Local em relação ao arrendamento com fim habitacional. São analisados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais da Relação que abordam a questão, com decisões conflitantes. Alguns acórdãos entendem que o AL não é um ato de comércio e que o uso de uma fração para AL não configura uso diverso do fim a que se destina (habitação), desde que respeite o título constitutivo da propriedade horizontal. Outros acórdãos, entretanto, veem o AL como um uso diverso da habitação. A jurisprudência divergente e a discussão doutrinária demonstram a complexidade da classificação do Alojamento Local e a necessidade de uma interpretação cuidadosa da legislação para determinar sua compatibilidade com os regulamentos da propriedade horizontal e os direitos dos condóminos. A análise dos acórdãos revela a falta de uniformidade jurisprudencial na interpretação da lei e os desafios na classificação do Alojamento Local sob a perspectiva do direito imobiliário.

3. Aspectos Comerciais e Habitacionais do Alojamento Local Conflitos em Propriedade Horizontal

A natureza dupla (comercial e habitacional) do Alojamento Local é analisada. A perspectiva comercial é enfatizada pela busca de rendimento extra pelo proprietário, que suporta despesas como IMI, seguros e condomínio. No entanto, a vertente habitacional também é reconhecida, tanto para o locatário como, indiretamente, para o locador. A discussão se estende para os conflitos potenciais entre o direito de propriedade do titular do estabelecimento de AL e os direitos dos demais condóminos em edifícios em regime de propriedade horizontal. São analisadas as disposições do Código Civil (artigos 1420º e 1422º) sobre os direitos e limitações dos condóminos, incluindo a proibição de uso diverso do fim a que a fração se destina. A Lei nº 62/2018 é referenciada como uma alteração significativa, conferindo mais poderes aos condomínios para se oporem ao exercício do AL em situações de perturbação. A análise dos conflitos potenciais entre proprietários e condóminos em edifícios em regime de propriedade horizontal demonstra a necessidade de uma regulamentação mais detalhada e um equilíbrio entre o direito de propriedade individual e o direito ao sossego e tranquilidade coletiva dos demais condóminos.