O assédio laboral : responsabilidade civil no assédio laboral horizontal e o assédio enquanto acidente de trabalho

Assédio Laboral: Responsabilidade Civil e Acidentes de Trabalho

Informações do documento

Escola

Universidade Católica Portuguesa

Curso Direito
Tipo de documento Dissertação de Mestrado
Local Porto
Idioma Portuguese
Formato | PDF
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Resumo

I.Conceito e Natureza do Assédio Laboral em Portugal

Este estudo analisa o assédio laboral em Portugal, focando sua definição legal e evolução histórica. A legislação portuguesa, especificamente o Código do Trabalho, abordou o assédio laboral (incluindo o assédio horizontal) inicialmente de forma limitada, principalmente no que diz respeito à vertente discriminatória. Leis posteriores, como as nºs 73/2017 e 93/2019, expandiram a proteção legal. A doutrina e a jurisprudência, em especial do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), têm desempenhado papel crucial na definição e interpretação do assédio laboral, incluindo debates sobre a necessidade de reiteração dos atos para caracterizá-lo e sobre a responsabilidade civil do empregador e do trabalhador assediante. Autores como Júlio Vieira Gomes, Pedro Barramantana Santos e Maria do Rosário Palma Ramalho são referenciados, contribuindo para o debate sobre a responsabilidade civil e os direitos de personalidade violados.

1. Evolução Histórica e Conceitual do Assédio Laboral

O texto inicia abordando a evolução histórica do reconhecimento do assédio laboral. Embora a prática possa ter existido desde o surgimento das relações de trabalho, somente após o liberalismo (séculos XVIII e XIX) e com o desenvolvimento do Direito do Trabalho, a fragilidade do trabalhador subordinado em relação ao empregador passou a ser reconhecida, exigindo tutela legal. A legislação portuguesa, especificamente o Código do Trabalho (C.T.), apenas em 2003 iniciou medidas para prevenir e combater o assédio laboral, inicialmente focado na vertente discriminatória. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência já condenavam a prática antes desta data, principalmente quando violava direitos constitucionais e de personalidade do trabalhador. Leis posteriores, como as nºs 73/2017 e 93/2019, aperfeiçoaram a legislação. Atualmente, a doutrina e a jurisprudência consideram o assédio laboral uma multiplicidade de comportamentos ilícitos, intimidatórios, vexatórios ou humilhantes, praticados reiteradamente no âmbito laboral, violando direitos fundamentais e de personalidade, nomeadamente a dignidade e integridade física ou moral do trabalhador. Diversos autores são citados, incluindo António Monteiro Fernandes, Pedro Barramantana Santos, Júlio Vieira Gomes e Maria Regina Redinha, demonstrando a riqueza da discussão acadêmica sobre o tema.

2. Aspectos Controversos da Definição Legal de Assédio Laboral

Um ponto de debate central diz respeito à necessidade de reiteração dos atos para configurar o assédio laboral. Embora a reiteração seja considerada característica do assédio, alguns autores defendem que situações de facto único, com gravidade extrema, também se enquadram no conceito. Ana Caldas Canedo, por exemplo, argumenta que a lei não exige explicitamente a reiteração, defendendo a admissibilidade do assédio de facto único, especialmente em casos de acesso ao emprego. A primazia do direito à dignidade humana como fundamento dos direitos violados no assédio laboral é destacada. Maria do Rosário Palma Ramalho enfatiza a relevância das projeções dos direitos de personalidade no contrato de trabalho, considerando a relação laboral um terreno fértil para sua violação. A importância da componente pessoal do vínculo laboral para o aumento da probabilidade de violação desses direitos é sublinhada. O texto também menciona que, mesmo antes da legislação de 2003, a doutrina e jurisprudência reconheciam comportamentos assediantes, gerando responsabilidade civil por atos ilícitos que violavam direitos fundamentais e de personalidade, mesmo sem a previsão expressa do assédio laboral na lei. Esses casos envolviam, por exemplo, a atribuição de funções impróprias ou o isolamento do trabalhador.

3. Jurisprudência e Interpretação do Assédio Laboral Dolo e Intenção

A jurisprudência sobre assédio laboral evoluiu ao longo do tempo. Inicialmente, o Código do Trabalho de 2003 limitou a proteção legal aos casos de assédio discriminatório (artigos 23º e 24º), sendo a reparação feita nos termos do artigo 29º. Violações não discriminatórias eram ressarcidas pelos artigos 18º, 120º, alíneas a) e c), e 363º, conjuntamente com a lei civil. Um acórdão do STJ de 1/10/2014, relatado por Mário Morgado, evidencia essa distinção. No entanto, o artigo 18º do C.T. de 2003, garantindo o direito à integridade física e moral, permitia a proteção contra o assédio não discriminatório através da violação de direitos de personalidade. A jurisprudência atual, segundo o texto, tende a não exigir dolo ou intenção para configurar o assédio laboral; acórdãos do STJ de 09/05/2018 e 26/05/2015 são mencionados nesse sentido, enfatizando a necessidade de comportamentos da empresa que infrinjam intensamente os valores protegidos pela lei. Apesar disso, a prova do assédio permanece difícil, exigindo-se a demonstração do objetivo assediante ou a produção do efeito assediante, conforme o artigo 29º do C.T. A dificuldade se acentua pelo contexto em que os fatos ocorrem (isolamento, receio de represálias) e pela possível recusa de testemunhas em colaborar. O artigo 24º do CT de 2003, em alguns casos, não dependeu da existência de discriminação para a prática de assédio, conforme acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/7/2008.

II.Diferenças entre Assédio Laboral e Acidente de Trabalho

O estudo estabelece uma clara distinção entre assédio laboral e acidente de trabalho em Portugal. Enquanto o acidente de trabalho pressupõe um evento súbito e imprevisto, o assédio laboral caracteriza-se pela reiteração de atos. A questão da indemnização e o regime jurídico aplicável diferem significativamente. A pesquisa propõe a aproximação entre o regime de acidentes de trabalho e o regime de responsabilidade civil para assédio laboral, visando melhor proteger as vítimas. A Lei n.º 98/2009 e o artigo 283º do Código do Trabalho são referenciados na discussão das implicações legais de cada situação.

1. Incompatibilidade entre Assédio Laboral e Acidente de Trabalho

O documento destaca a inconciliabilidade entre assédio laboral e acidente de trabalho. A principal diferença reside na natureza dos eventos: o acidente de trabalho pressupõe um acontecimento súbito e imprevisto, enquanto o assédio laboral exige a reiteração de atos. Essa distinção é crucial para a aplicação do regime jurídico apropriado e a consequente proteção legal do trabalhador. O texto argumenta que a vítima de assédio laboral obteria maior proteção se o regime jurídico dos acidentes de trabalho (regime das contingências profissionais) fosse aplicável, em vez do regime da responsabilidade civil, ou se houvesse maior aproximação entre ambos. No entanto, tal mudança depende da iniciativa legislativa. A análise comparativa entre esses dois conceitos, tão distintos em sua natureza, é fundamental para a correta aplicação da lei e a proteção adequada dos direitos do trabalhador. A imprevisibilidade e subitaneidade do acidente de trabalho se contrapõem à característica fundamental do assédio laboral: a reiteração dos atos.

2. Proteção Legal e Regime Jurídico Diferenciado

A distinção entre assédio laboral e acidente de trabalho implica regimes jurídicos e consequências distintas. O acidente de trabalho confere ao trabalhador o direito à reparação dos danos, prestações e subsídios previstos na Lei n.º 98/2009, e obriga o empregador a oferecer funções compatíveis (artigo 284º, nº 10 do C.T.). Em contrapartida, o trabalhador vítima de assédio laboral tem direito apenas à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, prevista nos artigos 29º, nº 4, e 28º do C.T. (responsabilidade civil subjetiva). O texto realça as vantagens que a aplicação do regime de acidentes de trabalho traria para o trabalhador vítima de assédio: maior eficácia e celeridade no acesso à indemnização ou pensão; direito a funções compatíveis; direito à reabilitação profissional; subsídio para ações de reabilitação; atualização das pensões; impenhorabilidade dos créditos e maior facilidade na produção de prova (artigo 283º, nº 10, do C.T., e artigos da LAT). A revisão do artigo 284º, nº 1, do CT de 2003, que definia acidente de trabalho como um acontecimento súbito e imprevisto, reforça a distinção com o assédio laboral. Júlio Vieira Gomes alerta para a necessidade de cautela na caracterização do assédio laboral, para que o conceito não se banalize. A análise dos requisitos específicos de cada figura, acidentes de trabalho e assédio laboral, é crucial para uma distinção precisa e justa.

3. Tendências Europeias e Proposta de Reformulação Legal

O estudo destaca a tendência europeia de incluir a saúde mental no regime legal de segurança e saúde no trabalho, uma tendência que tem ganhado atenção dos tribunais. O ordenamento jurídico português reconhece essa posição de forma crescente, embora com reflexos tímidos na jurisprudência. A possível responsabilidade do Estado por omissão na regulamentação legal que garante o acesso do cidadão à tutela de seus direitos também é apontada. Considerando a maior proteção ao trabalhador vítima de assédio que resultaria, o estudo sugere uma extensão do regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais às situações de assédio laboral, ou, pelo menos, uma maior aproximação entre os regimes. Essa proposta é fundamentada na gravidade das consequências do assédio laboral para o trabalhador (lesões físicas e psíquicas, incapacidade para o trabalho, desestabilização pessoal e familiar, perturbação do ambiente empresarial e consequências sociais negativas), bem como na jurisprudência quase unânime que considera o assédio laboral atualmente não causal de acidente de trabalho, devido à sua natureza reiterativa e à exigência de um evento súbito e imprevisto no caso dos acidentes.

III.Responsabilidade Civil no Assédio Laboral Horizontal

A pesquisa aprofunda a responsabilidade civil em casos de assédio laboral horizontal (assédio entre colegas). Analisa-se a responsabilidade do trabalhador assediante e do empregador. O estudo discute a possibilidade de ação declarativa de condenação contra o assediante com base na responsabilidade civil extracontratual, artigos 483º e 496º do Código Civil, e a responsabilidade do empregador, abordando a aplicabilidade do artigo 800º, nº 1 do Código Civil. Autores como Rita Garcia Pereira, Menezes Leitão e Pedro Barramantana Santos são mencionados em relação à discussão sobre a responsabilidade do empregador.

1. Responsabilidade do Trabalhador Assediante

A seção analisa a responsabilidade civil do trabalhador que pratica assédio laboral horizontal, ou seja, assédio por um colega de trabalho contra outro na mesma empresa. A complexidade da prova de assédio, especialmente no caso de assédio horizontal, é destacada devido à ausência de testemunhas ou à recusa de testemunhos por medo de represálias. O trabalhador assediado pode intentar uma ação declarativa de condenação contra o assediante, com base na responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos (artigos 483º e 496º do Código Civil). Essa via legal é justificada pela ausência de relação contratual ou vínculo obrigacional entre os trabalhadores, existindo apenas o dever recíproco de respeito pelos direitos absolutos de personalidade e dignidade. A dificuldade em provar a culpa ou intenção do assediante leva à possibilidade de o trabalhador assediado demonstrar apenas o objetivo assediante ou a produção do efeito assediante, conforme o artigo 29º do Código do Trabalho. A complexidade da prova se dá pela possível ausência de testemunhas, o receio de represálias ou a relutância em se intrometer em questões entre colegas de trabalho.

2. Responsabilidade do Empregador no Assédio Horizontal

A responsabilidade civil do empregador em casos de assédio horizontal é analisada. O texto argumenta contra a responsabilidade civil do empregador nos termos do artigo 500º, nº 1, do Código Civil, argumentando que o contrato de trabalho não inclui a prática de assédio laboral como seu objeto. O empregador não pode ser responsabilizado pelos danos sofridos por um trabalhador assediado por outro simplesmente pela existência da relação contratual de trabalho. Contrariamente, o artigo 128º, nº 1, alínea a), do Código do Trabalho impõe aos trabalhadores o dever de respeito e urbanidade mútua. Por outro lado, a doutrina, representada por autores como Rita Garcia Pereira, Menezes Leitão e Pedro Barramantana Santos, defende a responsabilidade civil objetiva do empregador, nos termos do artigo 800º, nº 1, do Código Civil, independentemente de culpa, por falha na garantia dos direitos de personalidade dos seus trabalhadores. Essa responsabilidade, no entanto, seria limitada aos atos do intermediário (trabalhador) praticados no cumprimento de obrigações específicas atribuídas pelo empregador, excluindo atos estranhos à sua função, mesmo se praticados por ocasião do cumprimento da obrigação. A análise do artigo 800º do CC, e as notas de Pires de Lima e Antunes Varela, esclarecem que a responsabilidade se limita aos atos no cumprimento da obrigação, não abrangendo os praticados por ocasião, mas sem relação com o cumprimento da obrigação.

IV.Consequências do Assédio Laboral e Proposta de Melhoria Legal

O assédio laboral causa graves consequências para o trabalhador, incluindo danos físicos e psicológicos, impactando sua saúde mental e profissional, com consequências em sua vida pessoal e familiar. O estudo demonstra a necessidade de proteção legal mais eficaz para as vítimas de assédio laboral. A pesquisa sugere que uma maior integração do assédio laboral no regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais seria benéfica, melhorando a indemnização e o acesso à justiça. A influência da jurisprudência europeia sobre saúde mental no trabalho também é destacada.

1. Impacto do Assédio Laboral na Saúde do Trabalhador

O assédio laboral acarreta graves consequências para a saúde do trabalhador, causando danos físicos e psíquicos que podem resultar em incapacidade para o exercício da atividade profissional. Ana Cristina Ribeiro Costa destaca as alterações cognitivas, psicológicas, psicossomáticas e hormonais, afetando o sistema nervoso, a tensão muscular e o sono, podendo, em casos extremos, levar ao suicídio. Problemas como depressão, síndrome de stress pós-traumático, fadiga crónica, alergias e dependência de álcool e drogas são frequentemente associados ao assédio. Distúrbios cardíacos e endócrinos também podem ocorrer. Além dos danos à saúde individual, o assédio laboral desestabiliza a vida pessoal e familiar do trabalhador, afeta o ambiente de trabalho e a produtividade da empresa, gerando impactos negativos na sociedade como um todo: insegurança, aumento de baixas médicas, queda na produtividade e acréscimo de encargos sociais. A gravidade dessas consequências reforça a necessidade de mecanismos legais mais robustos para a proteção dos trabalhadores.

2. Legislação Atual e suas Lacunas

A legislação atual proíbe expressamente o assédio laboral, garantindo às vítimas o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. A vítima também tem o direito de rescindir o contrato de trabalho com direito a indemnização. O empregador é obrigado a instaurar procedimento disciplinar sempre que houver conhecimento de alegadas situações de assédio. Apesar desses avanços, o texto argumenta que a legislação ainda não abrange todas as modalidades de assédio e que a proteção legal poderia ser significativamente aprimorada. A maioria da doutrina e a jurisprudência consideram que o assédio laboral, mesmo causando lesões e incapacidade para o trabalho, não pode ser considerado como acidente de trabalho, devido à diferença fundamental entre a reiteração de atos (assédio) e o evento súbito e imprevisto (acidente). A Lei nº 73/2017, que alterou o artigo 283º do CT, admitindo o assédio laboral como possível causa de doenças profissionais, é referenciada, mostrando um esforço para aperfeiçoar a proteção legal, mas ainda insuficiente. A alteração do artigo 66º do CPT, que obriga a notificação de testemunhas em processos judiciais de assédio, também é mencionada como medida positiva para facilitar a produção de provas.

3. Proposta de Aprimoramento da Legislação

O estudo propõe aprimoramentos legislativos para fortalecer a proteção do trabalhador vítima de assédio laboral. A principal sugestão é estender o regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais às situações de assédio laboral, ou, pelo menos, aproximar os dois regimes jurídicos. Essa proposta é justificada pela maior eficácia e celeridade no acesso a pensões e indemnizações, bem como pelo acesso a direitos como a ocupação em funções compatíveis, reabilitação profissional, subsídios para reabilitação, revisão e atualização de pensões e impenhorabilidade dos créditos, além da maior facilidade na produção de provas. A tendência europeia de incluir a saúde mental no âmbito legal da segurança e saúde no trabalho é destacada, demonstrando a necessidade de atualização da legislação nacional. A possibilidade de responsabilizar o Estado por omissão na regulamentação que garante a tutela dos direitos dos cidadãos também é levantada. A proposta visa uma maior proteção para o trabalhador vítima, inspirando-se na evolução legislativa de outros países europeus e na vontade expressa do legislador português em regulamentar melhor a questão do assédio no âmbito dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.