O controle migratório realizado pelo Departamento de Polícia Federal e a livre circulação de cidadãos do Mercosul

Controle Migratório e MERCOSUL

Informações do documento

Autor

Renato Obikawa Kyosen

Escola

Universidade Federal da Integração Latino-Americana

Curso Integração Contemporânea da América Latina
Tipo de documento Dissertação
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 5.11 MB

Resumo

I.A Polícia Federal Brasileira e sua História Repressão Política e Desconfiança

Este estudo investiga a Polícia Federal Brasileira (PFB), analisando seu histórico de repressão política e desconhecimento de valores democráticos, forjado em contextos autoritários. A pesquisa questiona se a atuação da PFB contribui para os objetivos sociais do MERCOSUL, focando em sua histórica desconfiança generalizada e autarquismo. A influência de figuras como Francisco Campos e seu papel na Constituição de 1937, bem como a influência das Forças Armadas na formação da PFB, são analisadas para entender sua cultura institucional e seu impacto na integração regional.

1. Histórico de Repressão Política da Polícia Federal Brasileira

O texto inicia apontando o histórico da Polícia Federal Brasileira (PFB) marcado pela repressão política e o desprezo por valores democráticos. Sua formação e desenvolvimento ocorreram em contextos autoritários, resultando em autarquismo e desconfiança generalizada. A principal questão levantada é se a atuação da PFB se alinha aos objetivos sociais do Mercosul, considerando sua natureza histórica. As rotinas da PFB, caracterizadas por um regime de suspeita sobre cidadãos estrangeiros, contrastam com a meta do Mercosul de livre circulação de pessoas. A análise busca entender como a atuação da PFB pode auxiliar ou dificultar a concretização desse objetivo regional crucial para a integração buscada. A introdução já antecipa a complexa relação entre a PFB e os ideais democráticos e de integração regional.

2. Influência do Estado Novo e do Regime Militar na Formação da PFB

A Constituição de 1937, elaborada pelo então Ministro da Justiça Francisco Campos, é analisada como um marco na formação da PFB. Sob a justificativa de conter ameaças subversivas, a Constituição delegou poderes excepcionais ao Estado, reduzindo garantias individuais. O texto destaca a criação da Delegacia Especial de Segurança Política e Social (Decreto nº 22.332/33), independente da polícia administrativa e judiciária, como um órgão repressivo potencialmente imune a controles judiciais. A continuidade desse modelo repressivo é observada no regime militar de 1964, onde a administração castrense influenciou diversos setores da burocracia federal. Roberto Campos, Ministro do Planejamento (1964-1967), defendia a superioridade da administração militar na promoção do desenvolvimento e integração nacional, destacando disciplina e menor propensão demagógica. A visão do General Juarez do Nascimento Fernandes Távora sobre a segurança nacional como pressuposto para o alcance dos objetivos do Estado, incluindo a consideração de obstáculos potenciais, também é discutida, evidenciando a influência ideológica militar na formação da PFB. Finalmente, o estudo destaca os valores enaltecidos na formação dos policiais federais, enfatizando a devoção às instituições e o orgulho de pertencer à corporação, o que reforça a cultura institucional, possivelmente pouco democrática.

3. Tratamento de Estrangeiros e a Segurança Nacional

O Decreto nº 86.715/81, que prevê tratamento especial para estrangeiros de países limítrofes residentes em zonas fronteiriças, é examinado. Embora conceda certos direitos, o acesso a esses benefícios depende do cumprimento do requisito de “segurança nacional”, demonstrando a persistência da suspeita sobre estrangeiros. A análise relaciona essa postura com o conceito de Segurança Humana, definido pelo PNUD como 'freedom from fear' e 'freedom from want', contrastando-o com a lógica militar tradicional da segurança nacional, que reduz a complexidade social a uma relação binária entre oponentes e 'inimigos'. Essa lógica tradicional, com seus reflexos no controle migratório pela Polícia Federal, justifica a possibilidade de aniquilação do indivíduo rotulado como 'inimigo', apontando para uma possível incompatibilidade com a construção de uma comunidade regional baseada em solidariedade, conforme os objetivos do Mercosul. O texto antecipa a problemática de como essa cultura institucional da PFB pode conflitar com a meta de livre circulação de pessoas no Mercosul.

II. MERCOSUL e a Livre Circulação de Pessoas Conflitos entre Ideal e Realidade

O documento analisa o MERCOSUL e seu objetivo de livre circulação de pessoas, contrastando o ideal de integração econômica, social e cultural com a prática. A análise critica a inércia institucional e a divergência entre a retórica oficial e a realidade, comparando o projeto com modelos de integração como o europeu. A atuação da Polícia Federal Brasileira no contexto da livre mobilidade é crucial, especialmente diante da suspeita generalizada sobre estrangeiros. O estudo aborda o Protocolo de Olivos (2002) para solução de controvérsias e o Conselho do Mercado Comum (CMC) como órgão superior do MERCOSUL.

1. Livre Circulação de Pessoas como Objetivo Central do Mercosul

O Mercosul, como projeto de integração sul-americana, busca implementar uma política de livre circulação de pessoas, além dos objetivos econômicos. Esta livre mobilidade é apresentada como um direito fundamental para a consolidação democrática regional e o aprofundamento da integração em suas esferas social, cultural, política e econômica. O texto destaca a importância da livre circulação não apenas para a disseminação de tecnologia e ciência através da mobilidade de mão-de-obra especializada, mas também para o intercâmbio sócio-cultural e a aproximação entre cidadãos, contribuindo para a construção de uma comunidade sul-americana. A análise, no entanto, antecipa a complexidade da implementação desse objetivo, contrastando o ideal com as ações concretas.

2. Inércia Institucional e a Discrepância entre Ideal e Realidade no Mercosul

O documento critica a possível inércia na arquitetura institucional do Mercosul, analisando argumentos que apontam para uma lentidão no processo integrativo. São examinadas diferentes tentativas teóricas para explicar a integração do Mercosul, rejeitando-se proposições consideradas inadequadas para a realidade do Cone Sul. A análise destaca a divergência entre o ideal formalizado de integração – retoricamente apregoado pelas lideranças políticas – e as ações efetivamente concretizadas no bloco, apontando para uma considerável distância entre o discurso e a prática. A conclusão de Malamud, que define a integração do Cone Sul como “integração-ficção”, é apresentada como reflexo dessa discrepância entre ideal e realidade. A livre mobilidade de cidadãos é apresentada como um direito fundamental à consolidação democrática, mas sua implementação prática é questionada.

3. Estruturas Institucionais do Mercosul Comparação com a União Europeia e o Papel do Conselho do Mercado Comum CMC

Apesar de possuir uma estrutura institucional própria, o Mercosul é frequentemente comparado à União Europeia, muitas vezes com o intuito de questionar sua viabilidade funcional. Malamud, por exemplo, vê no Mercosul uma cópia parcial das instituições da União Europeia, observando que, apesar de possuir estruturas semelhantes (como o COREPER e um sistema judicial), elas não têm demonstrado a mesma força integrativa. O texto também discute os problemas enfrentados pela União Europeia, como o desequilíbrio entre soberania e supranacionalidade e o aumento do nacionalismo, para contextualizar a análise do Mercosul. O Conselho do Mercado Comum (CMC), definido nos artigos 3 a 9 do Protocolo de Ouro Preto como órgão superior do Mercosul, é apresentado como responsável pela condução política do processo de integração e pela tomada de decisões para atingir os objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção. A composição do CMC, formada pelos Ministros das Relações Exteriores e da Economia dos Estados-Partes, e a sua atuação por meio de decisões, são descritas.

4. Perspectivas Teóricas sobre a Integração Regional Neofuncionalismo e Intergovernamentalismo

O documento examina diferentes perspectivas teóricas sobre a integração regional, comparando-as com a realidade do Mercosul. A crítica à ausência de instituições supranacionais no Mercosul, comum nos escritos neofuncionalistas, é confrontada com as características dos sistemas presidencialistas predominantes nos países membros, que garantem relativa estabilidade administrativa. A abordagem neofuncionalista, que pressupõe homogeneidade nas demandas regionais, é considerada inadequada para explicar as atrozes discrepâncias sociais e econômicas entre países profundamente assimétricos do Mercosul. A perspectiva intergovernamental, onde as decisões fundamentais sobre integração regional ficam a cargo dos Estados soberanos, é considerada mais compatível com a realidade sul-americana. A ascensão de governos progressistas e antiliberais no início dos anos 2000 e as transformações subsequentes no Mercosul demonstram a inadequação das categorias teóricas integracionistas tradicionais para explicar a dinâmica atual do bloco. A análise enfatiza a diversidade entre os países-membros e a necessidade de estratégias nacionais de desenvolvimento e inserção internacional que considerem tanto os interesses nacionais quanto os objetivos regionais comuns.

III.Direitos Humanos e Democracia no MERCOSUL O Papel da Integração Social

O estudo destaca a interdependência entre direitos humanos, democracia e integração regional no MERCOSUL. A livre circulação de pessoas é apresentada como um direito fundamental, essencial para a consolidação democrática e o aprofundamento da integração. O documento discute o Protocolo de Integração Cultural do Mercosul (1996) e o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do MERCOSUL (2005), destacando a importância de projetos como o Fundo para Convergência Estrutural – FOCEM, ainda que a implementação tenha apresentado desafios. A análise considera a importância do fortalecimento da cidadania mercosulina, incluindo a harmonização de documentos e placas de veículos.

1. Direitos Humanos Fundamentais e a Democracia como Pilar da Integração Mercosul

O texto argumenta que a integração no Mercosul não se limita à esfera econômica, mas abrange dimensões políticas, sociais e culturais. A redemocratização do Brasil e da Argentina impulsionou o projeto, com governos reconhecendo a necessidade de garantir valores democráticos para o aprofundamento da integração. As Declarações Presidenciais de Las Leñas (1992) e de San Luis (1996) destacam a plena vigência de instituições democráticas como condição indispensável à viabilidade do Mercosul. A diminuição da influência norte-americana na região, sobretudo durante o governo de George W. Bush (2001-2008), permitiu maior autonomia para reformas sociais e econômicas, impulsionando a integração. O estudo ressalta a interdependência entre democracia, desenvolvimento e respeito aos direitos humanos, conforme estabelecido na Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993). A livre circulação de pessoas é apresentada como um direito fundamental nesse contexto, indissociável da consolidação democrática e do aprofundamento da integração regional. A discussão teórica abrange a noção de democracia, incluindo direitos fundamentais individuais e sociais, para evitar a supressão de valores essenciais por decisões majoritárias.

2. Protocolos e Acordos que Amparam os Direitos Humanos e a Livre Circulação no Mercosul

O Protocolo de Olivos (2002) estabeleceu regras para a solução de controvérsias no Mercosul, contribuindo para a estabilidade do bloco. O Protocolo de Integração Cultural do Mercosul (1996), apesar de não ter gerado ações concretas, demonstrou o compromisso com a facilitação da mobilidade interpessoal. O Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul (2005) reforça a interdependência entre direitos humanos, liberdades fundamentais e democracia, como pilares do processo de integração. O estudo destaca a inclusão da liberdade de locomoção, circulação e permanência como direito fundamental para a consolidação democrática e integração. O Fundo para Convergência Estrutural (FOCEM) é apresentado como um exemplo de sucesso do Mercosul, além da dimensão comercial, buscando reduzir assimetrias entre os países-membros através de financiamento solidário, priorizando a coesão social. A integração regional, portanto, não se limita ao comércio, mas busca efetivamente um aprofundamento da cidadania mercosulina, mesmo com desafios na concretização de tais compromissos.

3. Desafios e Obstáculos à Integração Social Assimetrias Econômicas e Atividades Ilícitas

O texto reconhece os desafios e atritos que podem surgir com a facilitação da movimentação interpessoal no Mercosul. As assimetrias econômicas e as diferenças nos sistemas fiscal-tributários entre os países-membros são apontadas como fatores que podem dificultar a integração. A região fronteiriça entre Brasil e Paraguai serve como exemplo, onde atividades ilícitas como contrabando e narcotráfico criam divergências na atuação das autoridades públicas dos dois países, dificultando a cooperação. A análise aponta para a aproximação entre atores de diferentes nacionalidades envolvidos nessas atividades ilegais, em detrimento de uma integração efetiva. A concepção de direitos fundamentais, segundo Oscar Vilhena Vieira, deve considerar valores morais como dignidade humana, igualdade e liberdade, aplicados imparcialmente a todas as pessoas em situação semelhante. A livre movimentação é vista como um direito inerente à dignidade humana, essencial para a consolidação democrática regional e o aprofundamento da integração, mas a realidade prática apresenta desafios consideráveis.

IV.Desafios à Integração Regional Assimetrias Econômicas e Atuação da Polícia Federal Brasileira

O texto identifica desafios à integração no MERCOSUL, como assimetrias econômicas entre os países membros, atividades ilícitas nas fronteiras (narcotráfico e contrabando) e divergências na atuação das autoridades, principalmente entre Brasil e Paraguai. A Polícia Federal Brasileira, apesar do discurso de promoção da integração, pode ter uma atuação que prioriza a repressão, influenciada pela mídia e por um modelo ideológico repressivo, potencialmente prejudicando a integração social desejada pelo MERCOSUL. O estudo analisa como a PFB, mesmo em ações aparentemente alinhadas à livre circulação, pode atuar de forma contrária ao objetivo da integração, impactando o acesso à segurança humana de migrantes. A análise explora a compatibilização entre as normas do MERCOSUL e a legislação nacional brasileira, o papel do Poder Judiciário nacional, e a influência da abordagem neofuncionalista e intergovernamental para analisar os processos de integração regional.

1. Assimetrias Econômicas e a Complexidade da Integração Regional

O texto destaca as significativas assimetrias econômicas entre os países membros do Mercosul como um grande desafio à integração regional. A profunda desigualdade nos níveis de desenvolvimento entre países como o Uruguai e o Paraguai, por exemplo, gera divergências de expectativas e anseios entre os diversos atores sociais (cidadãos, movimentos sociais, grupos empresariais etc.). A abordagem neofuncionalista, que pressupõe uma homogeneidade de demandas e a possibilidade de atendê-las com políticas comuns, é considerada inadequada para lidar com essa realidade, ignorando as discrepâncias socioeconômicas. A análise aponta que essa perspectiva teórica, ao focar na necessidade de incrementar a autoridade e os atributos supranacionais dos organismos regionais, falha em reconhecer a complexa realidade sul-americana. A visão eminentemente nacional no processo integrativo é considerada mais condizente com a realidade regional, permitindo a interlocução entre projetos regionais e interesses nacionais específicos. A crise de 1999 é mencionada como um momento em que o Brasil repensou o Mercosul, transitando de uma postura defensiva para uma mais ofensiva na consolidação de sua liderança na região.

2. Atuação da Polícia Federal Brasileira e o Conflit o com a Integração Social

O texto analisa a atuação da Polícia Federal Brasileira (PFB) no contexto da integração regional, apontando potenciais conflitos com a integração social desejada pelo Mercosul. Embora a livre circulação de pessoas seja um direito fundamental, a PFB, influenciada por uma cultura institucional histórica de repressão e pela mídia, pode priorizar o combate à criminalidade em detrimento de ações promotoras de integração. A grande mídia nacional é apontada como um ator relevante na construção desse paradigma repressivo, frequentemente apresentando abordagens negativas à integração social e aos fluxos migratórios sul-americanos. Uma Mensagem Oficial-Circular nº 02/2015 é mencionada, que, apesar de reconhecer a necessidade de resolver controvérsias documentais de estrangeiros, não exclui providências de polícia judiciária em caso de indícios de crime, ignorando a vulnerabilidade de muitos requerentes de permanência e residência provenientes de países do Mercosul que utilizam documentos irregulares por falta de opção. Essa postura da PFB demonstra uma possível incompatibilidade com os ideais de integração e solidariedade preconizados pelo Mercosul, impactando diretamente o direito à livre circulação.

3. Aspectos Legais e Institucionais Relacionados à Livre Circulação

O documento discute a compatibilização das normas emanadas do Mercosul com o sistema constitucional brasileiro. A jurisprudência brasileira indica que as normas do Mercosul não têm aplicação direta e imediata, exigindo a mediação do Poder Judiciário nacional para a equalização das normas regionais com a legislação nacional. Assim, as instituições judiciais nacionais desempenham um papel fundamental na conformação e pacificação do sistema normativo regional, dispensando a necessidade de estruturas jurisdicionais supranacionais. O texto destaca a diferença entre a dinâmica de compatibilização normativa no Mercosul e na União Europeia, onde um órgão jurisdicional supranacional desempenha esse papel. No contexto brasileiro, a liberdade de locomoção, para cidadãos nacionais e estrangeiros, é considerada um direito essencial e inviolável, sendo fundamental para a concretização do ideal de integração. O uso de teorias eurocêntricas na análise de integração latino-americana é criticado, argumentando que as realidades e desafios socioeconômicos são distintos.