
Funcionamento Familiar e Autoconceito na Adolescência
Informações do documento
Autor | Ana Sofia Martinho Moura Pereira |
instructor/editor | Professora Doutora Joana Sequeira, Professora Auxiliar, ISMT |
Escola | ISMT |
Curso | Psicologia Clínica, Ramo de Especialização em Terapias Familiares e Sistémicas |
Tipo de documento | Dissertação de Mestrado |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 854.03 KB |
Resumo
I.Objetivos e Amostra da Pesquisa
Esta investigação analisou a percepção do funcionamento familiar em adolescentes e suas famílias, focando-se no suporte social e no autoconceito dos adolescentes. A amostra consistiu em 134 participantes: 43 adolescentes (12-18 anos) do ensino básico e 91 familiares (pais, irmãos, avós e tios) representando 43 famílias. Foram utilizados instrumentos como o Questionário de Dados Sociodemográficos, a FACES-IV (para avaliar a coesão e flexibilidade familiar), a ESSS (para avaliar a satisfação com o suporte social), e a PHCSCS-2 (para avaliar o autoconceito).
1. Objetivo da Investigação
O estudo teve como objetivo principal analisar a percepção do funcionamento familiar de adolescentes e suas famílias, considerando o suporte social e o autoconceito dos adolescentes. A influência da família nos processos desenvolvimentais dos adolescentes é destacada como a motivação central da pesquisa. A investigação busca entender como os jovens percebem o funcionamento de suas famílias, e como esse funcionamento se relaciona com a percepção de suporte social e com a formação do seu autoconceito. Em suma, o objetivo é fornecer dados relevantes para entender o ajuste e o desenvolvimento dos adolescentes, visando o desenvolvimento de estratégias de intervenção que contribuam positivamente para o bem-estar e o desenvolvimento integral desses jovens. A compreensão da dinâmica familiar, especialmente durante a adolescência, é crucial para a formulação de ações efetivas que promovam o desenvolvimento saudável destes indivíduos.
2. Caracterização da Amostra
A amostra do estudo foi composta por 134 participantes, divididos em dois grupos principais: 43 adolescentes com idades entre 12 e 18 anos, todos frequentando o ensino básico, e 91 familiares (pais, irmãos, avós e tios). Esses familiares correspondem a um total de 43 famílias. A escolha dessa composição da amostra demonstra a intenção de estudar a percepção do funcionamento familiar tanto do ponto de vista dos adolescentes quanto de seus familiares, fornecendo uma perspectiva mais abrangente do contexto familiar. A seleção dos participantes parece direcionada à coleta de dados que refletem a realidade familiar dos adolescentes, buscando incluir diferentes tipos de relações familiares. O protocolo de pesquisa incluiu um Questionário de Dados Sociodemográficos, aplicável tanto aos adolescentes como às famílias, além de escalas específicas para avaliar a flexibilidade e coesão familiar (FACES-IV), a satisfação com o suporte social (ESSS), e o autoconceito (PHCSCS-2). Essa combinação de instrumentos visa uma coleta de dados completa e abrangente da realidade vivenciada por cada núcleo familiar.
3. Local da Pesquisa
A pesquisa foi realizada no Agrupamento de Escolas Rainha Santa Isabel, onde os protocolos de investigação foram aplicados. A autorização para a recolha de dados foi obtida pela direção do agrupamento, tendo sido estabelecida uma articulação com os diretores de turma para definir a melhor forma de aplicação dos instrumentos. Esta informação evidencia a importância da cooperação entre a pesquisadora e a instituição escolar para garantir a condução ética e eficiente da pesquisa. A escolha do Agrupamento de Escolas Rainha Santa Isabel como local de estudo sugere um foco específico em uma comunidade ou contexto particular, embora as conclusões e as implicações do estudo sejam discutidas de forma a considerar um público maior. A localização específica da escola não é detalhada, mas é importante para contextualizar a amostra e os resultados da pesquisa, particularmente no que diz respeito às possíveis limitações e à generalização das conclusões.
II.Instrumentos de Medida FACES IV ESSS e PHCSCS 2
A pesquisa utilizou a FACES-IV, uma escala validada em português para avaliar a percepção do funcionamento familiar, incluindo dimensões como coesão, flexibilidade, e seus aspectos desequilibrados (desmembrada, emaranhada, rígida e caótica). A ESSS mediu a satisfação com o suporte social em diferentes áreas (amigos, família e atividades sociais). O autoconceito dos adolescentes foi avaliado através da PHCSCS-2, abrangendo áreas como comportamento, ansiedade, estatuto intelectual e satisfação pessoal.
1. Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scale FACES IV
A FACES-IV, desenvolvida por Gorall, Tiesel e Olson (2006) e validada em português em 2015, foi utilizada para avaliar a percepção do funcionamento familiar. Seu objetivo é analisar a relação entre coesão e flexibilidade familiar, conforme proposto pelo Modelo Circumplexo de Olson. A escala possui seis subescalas: coesão e flexibilidade (equilibradas), e desmembrada, caótica, emaranhada e rígida (desequilibradas), além de subescalas para satisfação e comunicação familiar. Um estudo psicométrico realizado na presente investigação apresentou valores de alfa de Cronbach, indicando consistência interna aceitável para a maioria das subescalas, embora os valores para as subescalas 'emaranhada' e 'rígida' tenham sido considerados baixos, porém aceitáveis segundo DeVellis (1991) para a área das ciências sociais e humanas. A escala FACES-IV permite uma avaliação abrangente da dinâmica familiar, identificando tanto aspectos positivos quanto negativos do funcionamento familiar, oferecendo uma visão multidimensional e detalhada para compreender a percepção da família pelos seus membros.
2. Escala de Satisfação com o Suporte Social ESSS
A ESSS, utilizada para medir a satisfação com o suporte social, avalia as necessidades de suporte, o grau de satisfação com o suporte recebido e o tipo de suporte disponibilizado pelas redes sociais (Siqueira, 2008). Composta por 15 itens de resposta tipo Likert (cinco opções de resposta), a escala possui quatro dimensões: satisfação com amigos, intimidade, satisfação com a família e atividades sociais. A consistência interna das dimensões variou, sendo aceitável (acima de 0,60) para as dimensões com um número baixo de itens, de acordo com Ribeiro (1999). Os valores de consistência interna encontrados na presente pesquisa foram: 0,83 (satisfação com amigos), 0,74 (intimidade), 0,74 (satisfação com a família) e 0,64 (atividades sociais). A ESSS fornece dados importantes para compreender a percepção dos adolescentes sobre o suporte que recebem de suas redes sociais, permitindo avaliar a qualidade e a satisfação com o apoio recebido em diferentes contextos.
3. Piers Harris Children s Self Concept Scale PHCSCS 2
A PHCSCS-2, adaptada para a população portuguesa por Veiga (1989; 2006), avalia o autoconceito dos adolescentes. Trata-se de uma escala do tipo Thurstone, com 60 afirmações dicotômicas (“sim” ou “não”), onde cada resposta positiva contribui para uma pontuação maior. A escala contém seis fatores: aspecto comportamental, ansiedade, estatuto intelectual e escolar, popularidade, aparência física e satisfação/felicidade. Cada fator é composto por um número específico de itens, e a pontuação total é obtida pela soma das pontuações individuais dos itens, não pela soma dos fatores. A PHCSCS-2 proporciona uma avaliação abrangente do autoconceito, considerando diferentes dimensões que contribuem para a autopercepção do adolescente, permitindo identificar pontos fortes e áreas que podem necessitar de atenção e intervenção.
III.Resultados Principais Funcionamento Familiar
Os resultados indicaram que as famílias, na percepção dos participantes, apresentaram um funcionamento disfuncional, tanto em termos de coesão quanto de flexibilidade. Famílias reconstruídas apresentaram níveis mais altos de caoticidade, enquanto famílias alargadas relataram maior comunicação familiar. Pais com baixo nível de escolaridade (ensino básico) percebiam a família como mais desmembrada e emaranhada, mas também com maior comunicação e satisfação. A análise utilizou testes estatísticos como o Teste U Mann-Whitney e o Teste de Kruskal-Wallis.
1. Percepção Geral do Funcionamento Familiar
A análise dos dados, utilizando a FACES-IV, revelou que a percepção geral do funcionamento familiar pelos participantes foi de disfuncionalidade, tanto em relação à coesão quanto à flexibilidade. Esta conclusão indica um desequilíbrio percebido nas dinâmicas familiares, sugerindo a necessidade de uma análise mais aprofundada dos diferentes tipos de famílias e suas características específicas. A utilização de rácios de coesão e flexibilidade permitiu identificar este padrão de disfuncionalidade. A percepção de disfuncionalidade pode indicar a presença de problemas de comunicação, conflitos ou falta de apoio mútuo dentro do núcleo familiar, necessitando de uma investigação mais detalhada para compreender as causas e consequências deste padrão. Os resultados demonstram a importância de considerar a percepção do funcionamento familiar em relação ao bem-estar e desenvolvimento dos adolescentes.
2. Influência da Configuração Familiar
A pesquisa explorou a influência da configuração familiar na percepção do funcionamento familiar, utilizando o teste de Kruskal-Wallis. Os resultados apontaram diferenças significativas na subescala 'caótica' da FACES-IV entre famílias reconstruídas, que apresentaram as pontuações médias mais elevadas, e os outros tipos de famílias. Similarmente, diferenças significativas foram encontradas na subescala 'comunicação', com famílias alargadas mostrando as pontuações médias mais altas. Estas diferenças destacam a influência da estrutura familiar na dinâmica interna e na comunicação entre seus membros. Famílias reconstruídas podem enfrentar desafios adicionais na sua coesão e organização, enquanto famílias alargadas, por possuírem mais recursos e possivelmente maior flexibilidade na gestão da coabitação, podem apresentar melhor comunicação. A análise revela a complexidade do funcionamento familiar e a importância de se considerar a estrutura familiar como um fator que influencia a percepção da dinâmica familiar.
3. Comparação entre Grupos Familiares Pais x Filhos
A análise comparativa entre a percepção dos pais e dos filhos sobre o funcionamento familiar revelou discrepâncias. Embora a análise tenha excluído tios e avós devido ao tamanho reduzido da amostra destes grupos, a comparação entre pais e filhos indicou diferentes visões sobre a coesão, emaranhamento e caoticidade familiar. Os resultados sugerem que pais e filhos podem ter percepções distintas sobre os mesmos aspetos da família. A discrepancia na percepção familiar entre pais e filhos pode ser resultado de diferentes perspectivas e experiências vivenciadas dentro do mesmo contexto familiar, mostrando a complexidade das relações familiares e a importância de considerar diferentes pontos de vista na avaliação do funcionamento familiar. Mais pesquisas são necessárias para aprofundar essa diferença e compreender as suas implicações no bem-estar e desenvolvimento dos adolescentes.
4. Impacto do Nível de Escolaridade e Contexto Socioeconômico
Famílias em que os pais possuem apenas o ensino básico como escolaridade apresentaram percepção de funcionamento familiar mais desmembrado e emaranhado. Apesar disso, estas famílias também relataram maior comunicação e satisfação familiar. Este resultado, aparentemente contraditório, pode refletir a influência de fatores socioeconômicos e culturais. A literatura indica que pais com baixo nível de escolaridade são mais vulneráveis a fatores de stresse, o que pode impactar suas práticas educativas (Custódio & Cruz, 2008). O estudo de Bem e Wagner (2006) reforça a ligação entre a educação e o contexto socioeconômico e cultural da família. Os resultados sugerem que o contexto socioeconômico desempenha um papel significativo na dinâmica e na percepção do funcionamento familiar, influenciando a comunicação e a satisfação dentro do núcleo familiar, mesmo em meio a desafios e disfuncionalidades.
IV.Resultados Principais Suporte Social e Autoconceito
Os adolescentes demonstraram alto nível de satisfação com o suporte social, especialmente com os amigos. O autoconceito total e comportamental dos adolescentes foi elevado. Rapazes apresentaram maior nível de ansiedade. Alunos do 7º ano apresentaram melhor autoconceito intelectual em comparação com os do 8º e 9º anos. Alunos do 8º ano apresentaram maior autoconceito físico comparativamente aos do 7º e 9º anos.
1. Percepção de Suporte Social
A análise da Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS) revelou que os adolescentes demonstraram um nível de satisfação com o suporte social acima da média. Especificamente, a satisfação com os amigos foi a dimensão mais pontuada (M = 19,42; DP = 4,66), indicando a importância das relações de amizade para o bem-estar dos jovens. A pontuação total da ESSS também se mostrou acima da média (M = 54,33; DP = 9,77), sugerindo um nível geral de satisfação com o suporte recebido de diferentes redes sociais. Estes resultados indicam que, apesar dos desafios potenciais encontrados no contexto familiar, os adolescentes deste estudo contam com uma rede de suporte social positiva, que pode funcionar como um fator de proteção e resiliência. A alta satisfação com o suporte dos amigos, em particular, destaca a importância da inclusão social e das relações de amizade na vida dos adolescentes.
2. Níveis de Autoconceito
A avaliação do autoconceito, utilizando a Piers-Harris Children’s Self-Concept Scale (PHCSCS-2), revelou que os adolescentes apresentaram um autoconceito total e comportamental elevado. Este resultado positivo sugere uma boa autoestima e uma percepção positiva de si mesmos em relação ao seu comportamento e ações. No entanto, a análise também indicou que os rapazes apresentaram níveis de ansiedade significativamente maiores do que as raparigas. O estudo psicométrico da PHCSCS-2 revelou ainda diferenças significativas no fator 'estatuto intelectual' entre os anos de escolaridade, com os alunos do 7º ano apresentando pontuações médias mais elevadas (M = 28,53) em comparação com os do 8º e 9º ano. Os alunos do 8º ano, por sua vez, mostraram um autoconceito físico superior aos dos alunos do 7º e 9º anos. Esses achados destacam a complexidade do autoconceito e a necessidade de considerar diferentes dimensões, bem como a influência de fatores como gênero e ano escolar na autopercepção.
V.Discussão e Implicações
Os resultados sugerem que, apesar do alto suporte social e autoconceito dos adolescentes, as famílias demonstram vulnerabilidade, principalmente em relação à caoticidade. A pesquisa destaca a necessidade de intervenções familiares precoces e focadas no fortalecimento dos recursos familiares, considerando o contexto socioeconômico dos participantes (escola em área com dificuldades socioeconômicas). A metodologia, utilizando amostra não probabilística em uma única escola, limita a generalização dos resultados. Sugere-se futuras pesquisas com amostras mais representativas e estudos qualitativos para aprofundar a compreensão dos resultados. Palavras-chave: funcionamento familiar, adolescentes, suporte social, autoconceito, FACES-IV, ESSS, PHCSCS-2, coesão familiar, flexibilidade familiar, intervenção familiar
1. Suporte Social e Satisfação
Os resultados mostraram que os adolescentes relataram um nível elevado de satisfação com o suporte social, medido pela ESSS. A satisfação com os amigos se destacou como a dimensão mais pontuada, indicando a importância das relações interpessoais para o bem-estar juvenil. Embora os resultados indiquem um suporte social positivo, a pesquisa não explorou a fundo a natureza desse suporte, ou seja, não detalha o tipo de ajuda oferecida pelos amigos e como isso se relaciona com as necessidades específicas dos adolescentes. A alta pontuação na satisfação com os amigos, contrapondo-se à percepção de disfuncionalidade familiar relatada em outras partes do estudo, sugere a importância do suporte social extrafamiliar na vida desses adolescentes, reforçando a necessidade de estratégias que fortaleçam esses laços e identifiquem possíveis dificuldades no âmbito familiar que possam influenciar o bem-estar dos jovens.
2. Autoconceito e Ansiedade
A análise do autoconceito, através da PHCSCS-2, revelou pontuações altas no autoconceito total e comportamental. Esse resultado positivo contrasta com a percepção de disfuncionalidade familiar relatada. Apesar do autoconceito positivo, é importante notar que os rapazes apresentaram níveis de ansiedade significativamente mais elevados que as raparigas, um fator relevante a ser considerado em futuras pesquisas e intervenções. A análise por ano escolar revelou diferenças significativas no fator 'estatuto intelectual', com alunos do 7º ano apresentando pontuações mais elevadas que os do 8º e 9º anos, enquanto alunos do 8º ano obtiveram pontuações mais altas em 'autoconceito físico'. Essas variações demonstram a complexidade do autoconceito, a sua multidimensionalidade e a influência de fatores como género e desenvolvimento cognitivo ao longo da adolescência. A presença de ansiedade, mesmo com um autoconceito positivo, indica a necessidade de atenção a fatores que possam impactar negativamente a saúde mental destes jovens.
3. Implicações para a Prática Clínica e Sugestões para Futuras Pesquisas
Os resultados sugerem que, apesar do suporte social e autoconceito positivos relatados pelos adolescentes, a percepção de disfuncionalidade familiar, principalmente em relação à caoticidade, é um aspecto preocupante, possivelmente mais acentuado na percepção dos pais. A pesquisa aponta para a importância de intervenções mais focadas no fortalecimento dos recursos familiares e não apenas em intervenções individuais nos jovens, reconhecendo a influência do contexto socioeconômico. A amostra, por ser limitada a um grupo etário específico e a uma única escola, limita a generalização dos resultados. Sugere-se a inclusão de amostras mais representativas e heterogêneas em futuras investigações, assim como a realização de estudos qualitativos, como entrevistas, para aprofundar a compreensão dos fenómenos estudados e a experiência vivida pelos participantes. A inclusão de métodos qualitativos permitiria compreender melhor as nuances e o significado que esses dados têm para as famílias e os jovens envolvidos.