
Identidade Aché: Resistência em Cena
Informações do documento
Autor | Tatyane Cristina Mendonça Ravedutti |
instructor | Prof. Dr. Andrea Ciacchi |
Escola | Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) |
Curso | Estudos Latino-Americanos |
Tipo de documento | Dissertação (Mestrado) |
Local | Foz do Iguaçu - PR |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 2.06 MB |
Resumo
I.A Tragédia de Damiana Kryygi e a Luta pela Memória Aché
Este estudo analisa a história de Damiana Kryygi, uma menina do povo Aché do Paraguai, raptada em 1896 após um massacre cometido por colonos. Após sua morte em 1907, partes de seu corpo foram mantidas em museus na Argentina (Museu de La Plata) e Alemanha, tornando-se objetos de estudo antropológico. A repatriação dos restos mortais de Damiana em 2012, conforme os costumes Aché, simboliza uma luta pela rememoração e ressignificação da história desse povo indígena, e um ato de resistência contra a violência colonial. O estudo enfoca dois trabalhos artísticos que abordam essa história: o etnodocumentário de Alejandro Fernández Mouján e a peça teatral "Damiana, uma história silenciada", de Wall Mayans, ambos importantes para a valorização da identidade Aché.
1. A Vida e a Morte de Damiana Kryygi Um Contexto de Violência
A narrativa central gira em torno da trágica história de Damiana Kryygi, uma menina Aché do Paraguai, cujo sofrimento se tornou um símbolo da violência contra os indígenas paraguaios. O texto detalha como, aos três anos de idade, Damiana foi capturada por colonos argentinos após o massacre de sua família e comunidade em 1896. Seguiram-se anos de cativeiro e escravidão. Após sua morte, partes de seu corpo foram exibidas e estudadas em museus de La Plata (Argentina) e Berlim (Alemanha), um ato que destaca a desumanização sofrida pelos povos indígenas durante a colonização. Este episódio de violência extrema, seguido pela controversa preservação de seus restos mortais em museus, é o ponto de partida para uma análise mais ampla sobre a violência colonial e a luta pela memória e identidade do povo Aché. A repatriation dos restos mortais de Damiana em 2012, finalmente devolvendo-a ao seu povo para um enterro tradicional, representa um ato de resistência e um marco importante na luta pela justiça e reconhecimento.
2. Representações Artísticas Etnodocumentário e Peça Teatral
A tragédia de Damiana serviu de inspiração para duas importantes representações artísticas: um etnodocumentário e uma peça teatral. Ambos os trabalhos são analisados como veículos para a valorização da identidade Aché e para a ressignificação da história de Damiana. O etnodocumentário, produzido por Alejandro Fernández Mouján e intitulado com o nome da protagonista, busca trazer à luz a violência sofrida pelo povo Aché, incentivando a rememoracão de sua história. A peça teatral "Damiana, uma história silenciada", dirigida por Wall Mayans e montada pelo grupo Hara de Teatro e Dança, aborda a mesma temática, utilizando recursos teatrais para confrontar o público com a brutalidade da história e promover uma reflexão sobre as opressões sofridas pelos povos indígenas. Através da perspectiva dos Estudos Culturais Latino-Americanistas, ambas as produções artísticas contribuem para a (re)memoração emancipatória de Damiana, transformando os fragmentos de seu corpo, inicialmente objetos de estudo científico, em símbolos de resistência.
3. A Luta pela Memória e a Ressignificação da Identidade Aché
O retorno do corpo de Damiana ao seu povo, após décadas em museus estrangeiros, é apresentado como um ato simbólico de extrema importância na luta pela memória e identidade Aché. Este ato de desmusealização representa a desconstrução do paradigma colonial que reduzia os indígenas a objetos de estudo científico, desumanizando e silenciando suas histórias. A restituição dos restos mortais se torna, assim, um processo de (re)significação da história Aché, permitindo uma valorização da cultura e identidade do povo, e um fortalecimento da luta pela sua sobrevivência e reconhecimento. O estudo demonstra como este evento, além de ter impacto social e político, influenciou representações artísticas, reforçando o papel da arte na construção e afirmação da identidade Aché.
II.O Papel da Antropologia e Museologia na Violência Colonial
A pesquisa destaca o papel da antropologia colonial e da museologia na violência contra povos indígenas. O caso de Damiana ilustra como a ciência, em nome do positivismo, legitimou a opressão e a exploração de corpos indígenas, transformando-os em meros objetos de estudo. A ação de Robert Lehmann-Nitsche, antropólogo que estudou Damiana enquanto ela estava internada no Hospital Psiquiátrico Romero Melchor em La Plata, é analisada como exemplo dessa prática. A desmusealização do corpo de Damiana representa uma mudança de paradigma, questionando as bases da antropologia tradicional e promovendo a descolonização.
1. Antropologia Colonial e a Desumanização Indígena
O texto critica fortemente a prática da antropologia colonial, que utilizou os povos indígenas como objetos de estudo, desconsiderando sua humanidade e contribuindo para sua opressão. A trajetória dos restos mortais de Damiana Kryygi ilustra perfeitamente essa crítica: após sua morte, partes de seu corpo foram parar em museus da Argentina (Museu de La Plata) e Alemanha, tratados como meros objetos científicos, e não como parte de um ser humano com história e dignidade. O trabalho de Robert Lehmann-Nitsche, antropólogo que a estudou enquanto ela vivia no Hospital Psiquiátrico Romero Melchor, em La Plata, é citado como exemplo dessa prática desumanizadora e exploradora. O paradigma positivista da ciência e da história é apontado como um dos principais responsáveis por legitimar essa violência e preconceito. A análise destaca como a abordagem científica da época se utilizou de métodos como estudos antropométricos para justificar a inferioridade dos povos indígenas, servindo para fundamentar políticas de controle e opressão.
2. A Desmusealização do Corpo de Damiana Um Ato de Resistência
A devolução dos restos mortais de Damiana à sua comunidade Aché em 2012, após décadas em museus, representa um marco importante na luta contra a violência colonial e a descolonização. Este ato de desmusealização simboliza uma profunda revisão dos valores coloniais e das práticas de opressão, que reduziam corpos indígenas a meros objetos de investigação científica. O evento chamou a atenção da mídia internacional para a discussão sobre a violência contra os povos indígenas. O texto destaca a importância simbólica deste ato, que contribui para a ressignificação da cultura Aché, fortalecendo a sua identidade e promovendo um processo de reparação histórica. A devolução do corpo de Damiana é apresentada como um ato de resistência e um símbolo da luta contemporânea pela justiça e reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, questionando o papel das instituições museológicas na perpetuação de narrativas coloniais.
3. Repatriação de Restos Humanos Legislação e Debates Contemporâneos
O caso de Damiana levanta importantes questões sobre a legislação e as políticas internacionais relacionadas à repatriação de restos humanos de povos indígenas. Embora não exista uma lei universalmente aplicada, o texto menciona exemplos como a NAGPRA (Lei de Repatriação e Proteção de Tumbas de Nativos Americanos dos EUA) que estabelecem diretrizes para a devolução de esqueletos e artefatos culturais a comunidades originárias. A discussão sobre a repatriação é apresentada como um tema complexo, gerando debates entre cientistas que defendem o valor das pesquisas científicas com base em acervos de materiais e corpos humanos e comunidades originárias que reivindicam seus direitos culturais e a dignidade de seus antepassados. O Museu de La Plata é mencionado como uma instituição que, desde 2016, adotou uma política mais ativa de restituição de restos humanos, com o caso de Damiana sendo um dos mais conhecidos. O texto ressalta a necessidade de um diálogo contínuo para estabelecer práticas éticas e justas para a preservação e tratamento de acervos que envolvem os restos mortais de povos indígenas.
III.A Arte como Instrumento de Resistência e Re Memória
O estudo examina como a arte, especificamente o etnodocumentário e a peça teatral sobre Damiana, contribui para a (re)memória emancipatória. Ambos os trabalhos subvertem a lógica do oprimido versus opressor, dando voz aos povos indígenas e promovendo a reconstrução da identidade Aché. A peça de Wall Mayans, montada pelo grupo Hara de Teatro e Dança, utiliza múltiplas línguas (Aché, espanhol, guarani, alemão) e expressões artísticas para mostrar a resistência indígena e o sofrimento causado pela violência colonial. A análise demonstra a importância da arte como ferramenta de luta e descolonização.
1. A Arte como Re Memória e Resistência Indígena
Este segmento discute o papel da arte na construção da memória e na resistência indígena, utilizando como exemplos o etnodocumentário de Alejandro Fernández Mouján e a peça teatral "Damiana, uma história silenciada", de Wall Mayans. Ambas as obras abordam a violência contra os indígenas paraguaios e a história de Damiana Kryygi, servindo como instrumentos de rememoracão e ressignificação dessa história. O documentário, ao apresentar o caso de Damiana, abre espaço para uma reflexão sobre a violência sofrida por diversos povos indígenas na América Latina, enquanto a peça teatral, através de sua linguagem cênica e multi-linguística, apresenta a luta dos Aché por reconhecimento e justiça. A análise dessas produções artísticas enfatiza como a arte contribui para a construção de uma narrativa contra-hegemônica, subvertendo a lógica opressor-oprimido e reforçando a identidade cultural Aché.
2. O Etnodocumentário como Ferramenta de Contextualização e Amplificação
A análise do etnodocumentário de Alejandro Fernández Mouján destaca seu papel na contextualização e amplificação do caso Damiana. A forma como o diretor escolhe contar a história, utilizando imagens, diário de campo, fotos, áudios e outras fontes, demonstra um profundo investimento pessoal e uma busca pela fidelidade narrativa. A incorporação de múltiplas vozes e perspectivas ao documentário promove uma retórica argumentativa mais democrática, rompendo com a voz autoritária e especializada comum em filmes antropológicos. A autenticação etnográfica presente no filme contribui para uma maior contextualização e amplificação do material filmado, buscando confrontar e levantar informações para construir uma narrativa completa e abrangente. As escolhas de produção e edição refletem a perspectiva etnológica adotada e a mensagem pretendida pelo diretor.
3. A Peça Teatral Damiana uma história silenciada Linguagem e Impacto
A peça teatral de Wall Mayans, "Damiana, uma história silenciada", apresenta a história de Damiana através da linguagem do teatro-dança, mesclando diferentes idiomas (Aché, espanhol, guarani e alemão) para criar uma experiência imersiva e impactante. A escolha da linguagem teatral, combinada à interpretação da atriz, provoca uma forte emoção no espectador, confrontando-o com a violência sofrida por Damiana e outros indígenas. A peça busca não apenas denunciar a brutalidade da história, mas também construir um "lugar de fala", permitindo uma análise do discurso latino-americano sobre questões identitárias, conforme aponta Walter Mignolo. O texto argumenta que a obra se configura como uma arte politizada e híbrida, contribuindo para a construção de uma identidade cultural que resiste aos valores coloniais e promove a conscientização sobre a luta dos povos indígenas.
IV.A Situação Atual dos Povos Indígenas e a Necessidade de Políticas de Reparação
A pesquisa contextualiza a história de Damiana dentro do contexto mais amplo da situação dos povos indígenas na América Latina, particularmente no Paraguai e Argentina. É ressaltada a urgência do reconhecimento das demandas desses povos, ainda marcados pela extrema pobreza, analfabetismo e mortalidade. O estudo defende a importância de leis públicas internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU, para garantir a conservação dos costumes e da dignidade das comunidades indígenas, promovendo assim a reparação histórica por séculos de etnocídio e genocídio.
1. A Situação dos Povos Indígenas na América Latina Um Cenário de Desigualdade
O texto contextualiza a história de Damiana Kryygi dentro da realidade socioeconômica e política dos povos indígenas na América Latina. É destacado que, apesar de representarem 10% da população do continente, esses povos enfrentam altos índices de pobreza, analfabetismo e mortalidade. A problemática indígena, portanto, não se limita a questões sociais e antropológicas, mas também se apresenta como uma questão política de extrema urgência. A situação dos Guarani no Brasil, especificamente na região oeste do Paraná (Tekoa Ocay), é mencionada como exemplo dos desafios enfrentados por comunidades indígenas, forçadas a trabalhar no agronegócio e sofrendo com a destruição do meio ambiente e exclusão econômica. A exploração da agroindústria e a lógica do capital são apontadas como ameaças ao modo de vida e à preservação cultural desses povos, exigindo uma reflexão sobre as estruturas neocoloniais que perpetuam essas desigualdades.
2. A Necessidade de Leis e Políticas Públicas de Proteção e Reparação
Diante do cenário de vulnerabilidade dos povos indígenas, o texto defende a implementação de políticas públicas que garantam a preservação de seus costumes e dignidade. A necessidade de reformulação das políticas estatais, para garantir a conservação dos costumes e dignidade das comunidades indígenas, é enfatizada. É proposto o desenvolvimento de leis públicas internacionais que se sobreponham às leis nacionais, orientando as condutas e decisões locais. A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da ONU, é mencionada como um exemplo de código internacional importante para o fortalecimento e a equiparação dos direitos desses povos. A discussão sobre questões étnicas, inevitavelmente, abrange outras facetas como questões territoriais, exploração de recursos naturais, autonomia cultural e segurança, todas profundamente impactadas pela falta de legislação adequada e políticas de reparação histórica.
3. O Caso Damiana como Exemplo da Necessidade de Reparação Histórica
O retorno dos restos mortais de Damiana à sua comunidade é apresentado como um exemplo, ainda que pequeno, de um processo de revisão dos valores coloniais e das práticas de opressão. A despersonificação sofrida por Damiana, reduzida a um objeto de investigação científica, é contraposta à ação simbólica de sua repatriação, que representa um ato de humanização e reconhecimento. A participação de representantes da Universidad Nacional de la Plata (UNLP), da Faculdade de Ciências Sociais e Museu (FCNyM), de organizações de direitos humanos e consulados paraguaios e argentinos na cerimônia de entrega dos restos mortais demonstra a complexidade da situação e a necessidade de uma atuação conjunta entre diversas esferas da sociedade para promover a justiça e a reparação histórica. A conclusão reforça a importância de ações que busquem efetivamente garantir os direitos dos povos indígenas, além da simples devolução de restos mortais.
Referência do documento
- Antropologia e documentário: da escrita ao cinema (Rapazoate, João)
- The identification and restitution of human remains from an Aché girl named “Damiana”: An interdisciplinary approach (Koel-Abt, K., Winkelmann, A.)