
Skatistas em Florianópolis: Olhar Sócio-Etnográfico
Informações do documento
Autor | Julio Gabriel De Sá Pereira |
instructor | Profª. Drª. Alicia Norma González De Castells |
Escola | Universidade Federal De Santa Catarina |
Curso | Ciências Sociais |
Tipo de documento | Trabalho De Conclusão De Curso |
Local | Florianópolis |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 2.24 MB |
Resumo
I.Histórico do Skate em Florianópolis e o Surgimento da Trinda
Esta pesquisa qualitativa, utilizando etnografia e observação participante, investiga as relações sociais entre skatistas na pista de skate da Trindade (Trinda), em Florianópolis. O estudo traça um histórico do skate na cidade, desde suas origens rústicas nos anos 1970, com skatistas criando seus próprios equipamentos, até a consolidação de pistas públicas como a Trinda no início dos anos 2000. A pesquisa analisa a Trinda como um pedaço skatista, um espaço de sociabilidade e construção de identidade, destacando a importância do local para a comunidade de skatistas de Florianópolis e arredores. Figuras importantes da história do skate em Florianópolis são mencionadas, embora não nomeadas individualmente neste resumo geral. Outras pistas públicas são mencionadas em Florianópolis: Costeira, Estreito e Jardim Atlântico, além de pistas privadas em vários bairros.
1. Origens e Popularização do Skate Estados Unidos e Brasil
O texto detalha a trajetória do skate, desde seu surgimento em Malibu (Califórnia) na década de 1950, inicialmente como uma prática similar ao surf, até sua popularização nos Estados Unidos em 1963, com o surgimento de marcas e campeonatos. A história do skate mostra um declínio em 1965, mas um retorno nos anos 1970, impulsionado por jovens da região de Dogtown, em Los Angeles (os Z-Boys), que reinventaram o esporte, adaptando-o à paisagem urbana. A influência do surf é marcante, inclusive nas manobras, como o Bert Slide. A imagem do skate como atividade marginal e agressiva, ligada ao surf, também é discutida. A chegada do skate ao Brasil, possivelmente em 1964 no Rio de Janeiro, é abordada, embora a falta de documentação dificulte a precisão da data. Os anos 1970 foram cruciais, com a criação das primeiras revistas especializadas, o primeiro campeonato em 1974 e a construção da primeira pista na América Latina em Nova Iguaçu (RJ) em 1976. Em São Paulo, a prática também se desenvolveu, com a pista de Alphaville (1977) e o torneio Luau de Skate (1978). A produção artesanal de skates, usando peças de patins e madeira, era comum no início, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, devido à dificuldade de acesso a equipamentos. Essa fase inicial do skate no Brasil é descrita, com destaque para a criação de skates artesanais (surfinhos) no Rio de Janeiro e o surgimento da revista Esqueite em 1977.
2. O Desenvolvimento do Skate em Florianópolis Da Rua à Trinda
Em Florianópolis, o skate também teve início com equipamentos rústicos, feitos com peças de patins e madeira, como relatado por Sérgio Entres em entrevista. A cidade vivenciou um período de destaque no cenário nacional do skate, com eventos de diversos níveis (locais, estaduais, nacionais), que foram interrompidos por mudanças administrativas em um clube local. O Clube 12 de Agosto teve papel fundamental na modalidade vertical nos anos 1980, construindo uma rampa halfpipe, atraindo inclusive skatistas de renome internacional como Bob Burnquist. No entanto, a proliferação do street skate, a restrição de acesso à pista do clube e o surgimento de novas pistas na cidade mudaram o panorama, diminuindo a frequencia do clube. A pesquisa destaca a dificuldade em encontrar informações oficiais sobre a história do skate em Florianópolis, contrastando com a importância da cidade para a trajetória do esporte no Brasil. A construção e importância da pista de skate da Trindade (a Trinda) como espaço central para a prática do skate em Florianópolis é apresentada como um ponto chave para a investigação, evidenciando sua relevância para a pesquisa sobre a sociabilidade e a cultura do skate local. A proximidade da Trinda com outros bairros e pontos de interesse da cidade (como o Shopping Iguatemi e universidades) também é mencionada.
II.Metodologia da Pesquisa e o Conceito de Pedaço
A metodologia empregada baseia-se na etnografia, buscando um olhar de perto e de dentro das relações sociais dos skatistas. O conceito de pedaço, proposto por Magnani, é fundamental para compreender a construção de sociabilidade neste espaço urbano específico. A pesquisa explora como os skatistas apropriam e ressignificam o espaço da Trinda, criando suas próprias regras e códigos de conduta. A pesquisa questiona a neutralidade do pesquisador, considerando sua própria experiência como skatista. A coleta de dados se deu através de entrevistas semiestruturadas, etnografia, e observação participante na Trinda durante quase um ano (final de 2013 a setembro de 2014).
1. Abordagem Metodológica Etnografia e Observação Participante
A pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa, fundamentada na etnografia e na observação participante, para investigar as relações sociais entre os skatistas na pista da Trindade (Trinda), em Florianópolis. A escolha da etnografia justifica-se pela busca de um entendimento profundo e contextualizado dos fenômenos sociais relacionados à prática do skate. O método, baseado em observações de campo prolongadas (de fins de 2013 a setembro de 2014), envolveu entrevistas semiestruturadas para complementar os dados coletados por meio da observação direta do comportamento dos skatistas no seu habitat natural. O texto enfatiza a importância da observação participante, destacando a imersão do pesquisador no ambiente de estudo, incluindo até a prática pessoal do skate durante a coleta de dados, para uma maior integração com os sujeitos da pesquisa. O pesquisador reconhece a subjetividade inerente ao processo, questionando a possibilidade de uma observação neutra. A pesquisa não busca generalizações amplas, focando na complexidade da relação sócio-cultural de um grupo específico de praticantes de skate em um espaço urbano definido.
2. O Conceito de Pedaço e a Sociabilidade Urbana
O conceito de 'pedaço', desenvolvido por Magnani, é central para a análise da sociabilidade entre os skatistas na Trinda. A pesquisa utiliza este conceito para compreender a formação de laços sociais e a construção de um espaço informal de interação, mesmo dentro do contexto de uma área pública. O 'pedaço skatista' na Trinda é definido como um espaço ressignificado pela prática do skate, com regras e dinâmicas próprias, que vão além das normas gerais do espaço urbano. O texto compara a ideia de 'pedaço' em contextos periféricos e centrais da cidade, mostrando como a sociabilidade urbana se manifesta de formas diferentes em cada local. Magnani (2002) é citado como referência, enfatizando a necessidade de olhar de perto e de dentro, buscando identificar padrões de comportamento regulares, mesmo em espaços aparentemente caóticos. A pesquisa explora como, através da prática coletiva e da partilha de símbolos e códigos, os skatistas criam um senso de pertencimento e uma rede de relações sociais específicas dentro do espaço urbano, transformando um espaço público num ‘pedaço’ próprio para os seus membros. O texto discute como esta dinâmica desafia a dicotomia tradicional entre espaço público e espaço privado, e como o conceito de 'pedaço' contribui para uma compreensão mais abrangente da sociabilidade urbana.
III.O Habitus e Ethos Skatista na Trinda
Utilizando as teorias de Pierre Bourdieu sobre habitus e campo, e de Clifford Geertz sobre ethos, a pesquisa analisa como o ethos skatista se manifesta na Trinda. São observadas práticas como a reciprocidade entre os skatistas, o reconhecimento de manobras, a negociação de equipamentos usados e a importância da companhia dos pares. A pesquisa demonstra que a prática do skate vai além da competição, sendo também uma forma de expressão artística e construção de identidade. O estudo aborda a questão do gênero no skate, notando a predominância masculina no ambiente da Trinda.
1. Conceitos de Habitus e Ethos na Análise do Skate
Esta seção da pesquisa utiliza os conceitos sociológicos de habitus e ethos, propostos por Pierre Bourdieu e Clifford Geertz, respectivamente, para analisar a prática do skate na Trinda. O habitus é compreendido como o conjunto de disposições duráveis e transferíveis que orientam as práticas dos skatistas, moldadas pela experiência e pelo meio social. O ethos se refere aos códigos implícitos e valores compartilhados que regem as relações sociais entre os praticantes, criando uma espécie de ética interna ao grupo. A pesquisa busca entender como o habitus e o ethos skatistas se articulam na construção do campo skatista, observando como as práticas, os valores e as interações dos skatistas na Trinda se configuram a partir desses conceitos. O objetivo é mostrar que o skate não é uma prática isolada, mas sim profundamente influenciada e influenciadora do ambiente social e urbano. O texto não apenas define os conceitos, mas procura interpretá-los no contexto da pista de skate investigada, mostrando como o ambiente influencia as práticas e as relações sociais de seus usuários.
2. Manifestações do Ethos Skatista na Trinda
A pesquisa identifica diversas manifestações do ethos skatista na Trinda, observadas através da observação participante e das entrevistas semiestruturadas. A reciprocidade entre os skatistas, com demonstrações de apoio mútuo, especialmente durante tentativas de manobras, é apresentada como uma característica marcante. O reconhecimento do esforço e das conquistas dos pares, através de aplausos e incentivos, também é destacado. O estudo observa códigos de conduta não explícitos, como a organização informal do uso dos obstáculos na pista, demonstrando a existência de um sistema de regras implícitas que orientam as interações entre os skatistas. A influência de skatistas famosos e da cultura artística (música, artes visuais) no estilo e na identidade dos praticantes é apontada. A relação entre o skate e o mundo do trabalho também é investigada, observando a diversidade de experiências: alguns skatistas buscam estabilidade financeira através do skate, enquanto outros o mantêm como atividade de lazer e expressão pessoal. O texto explora como esses elementos contribuem para a formação de um ethos coletivo que ultrapassa o simples ato de andar de skate, conectando-se a outras esferas da vida dos indivíduos, incluindo a cultura urbana.
3. Gênero e a Cultura do Skate na Trinda
A pesquisa observa a presença, embora não constante, de meninas praticando skate na Trinda, mostrando um ambiente predominantemente masculino. A análise se centra na diferença de frequencia entre skatistas homens e mulheres na pista, refletindo sobre a questão de gênero no skate. Apesar de não terem sofrido nenhum tipo de discriminação explícita, as meninas frequentemente estavam acompanhadas por homens, e sua presença regular era menor comparada a dos homens. Esta constatação leva à uma reflexão sobre a cultura e o ambiente do skate como dominantemente masculino. O texto aponta a necessidade de uma análise mais aprofundada sobre como essas dinâmicas de gênero influenciam a participação e a experiência das mulheres dentro do campo skatista na Trinda e em outros espaços de prática do skate.
IV.A Sociabilidade Urbana e o Skate como Ação Coletiva
A pesquisa discute o skate como uma forma de ação coletiva que ressignifica o espaço urbano. A Trinda, apesar de ser um espaço público destinado ao skate, se torna um pedaço skatista, com regras e dinâmicas próprias. A pesquisa compara a sociabilidade na Trinda com outros espaços urbanos, observando a forma como os skatistas criam laços e interagem, destacando a importância da sociabilidade urbana e a construção de um espaço informal, auto-organizado. O estudo também analisa como a prática do skate se relaciona com outras formas de ação coletiva juvenil.
1. O Skate como Ação Coletiva na Cidade
Esta seção analisa o skate como uma forma de ação coletiva que ressignifica o espaço urbano, focando na sociabilidade gerada na Trinda. O texto discute o distanciamento dos jovens de práticas políticas tradicionais e a emergência de novas formas de ação coletiva no espaço público. Citando Sposito (1993), a pesquisa reconhece a ocupação de espaços urbanos por diversos grupos juvenis, incluindo aqueles organizados em torno de práticas esportivas como o skate. O estudo observa que a Trinda, embora seja um espaço público formal, se transforma num espaço de sociabilidade informal e auto-organizada, ressignificado pelos próprios skatistas. A pesquisa busca entender como os praticantes constroem relações, normas e códigos de conduta específicos para o uso desse ambiente. A apropriação do espaço e a construção de um ambiente próprio para os praticantes do skate é um ponto-chave dessa análise. A pesquisa relaciona o uso e a apropriação do espaço da Trinda com o conceito de ação coletiva organizada, demonstrando como a prática do skate articula relações sociais e transforma o espaço urbano.
2. A Trinda como um Pedaço Skatista
Utilizando o conceito de 'pedaço' de Magnani, a pesquisa aprofunda a compreensão da sociabilidade na Trinda. O espaço é visto como um 'pedaço skatista', onde se estabelecem relações regulares e códigos de interação específicos, criando um senso de pertencimento e identidade para os seus frequentadores. A pesquisa argumenta que esta sociabilidade ultrapassa a mera busca por lazer, fortalecendo laços entre os indivíduos e construindo uma rede social. O texto descreve o funcionamento desse 'pedaço', incluindo a maneira como os skatistas negociam o uso dos obstáculos, reconhecem os sucessos e incentivam os colegas. O 'pedaço' se caracteriza por regras implícitas de organização e reciprocidade entre os participantes. A pesquisa observa que a Trinda atrai skatistas de diferentes bairros de Florianópolis, incluindo Lagoa da Conceição, Canasvieiras e o Centro, tornando-se um ponto central de encontro e interação para a cena de skate da cidade. A diversidade de skatistas e o compartilhamento de experiências e objetivos relacionados ao skate contribuem para o fortalecimento deste ‘pedaço’.
3. Memórias Amizades e o Aspecto Coletivo do Skate
Os relatos dos skatistas entrevistados (Koston, Song e Trujillo) complementam a análise da sociabilidade na Trindade. As entrevistas revelam a importância das amizades e das relações entre pares na prática do skate, com o compartilhamento de memórias e experiências. O texto evidencia como o skate, embora sendo considerado um esporte individual, possui um forte caráter coletivo. As relações construídas em torno da prática do skate se estendem além da pista, criando laços sociais duradouros. A pesquisa destaca a influência do skate na formação de amizades, mostrando que a maior parte dos amigos dos entrevistados foi formada por meio desse esporte. O depoimento de Koston sobre um skatista de uma pequena cidade que, apesar de praticar o skate sozinho, mantêm-se conectado à comunidade skatista através da internet demonstra a resiliência e a capacidade de interação dos membros da comunidade, mesmo em situações de isolamento geográfico. A pesquisa conclui sobre a importância da sociabilidade para a prática e a experiência do skate, fortalecendo a ideia do skate como uma prática individual que se realiza em comunidade.
V.Considerações Finais O Skate o Campo Esportivo e a Cultura Urbana
A pesquisa conclui sobre a importância de estudar a prática do skate para compreender a participação dos atores estudados no desenvolvimento de discursos sociais sobre o ambiente urbano. A Trinda emerge como um local significativo de encontro e socialização, demonstrando a complexidade do campo skatista e suas relações com outros campos sociais. A pesquisa destaca a falta de informação e o pouco conhecimento sobre a história do skate em Florianópolis, apesar da importância histórica da cidade para o esporte no Brasil. O estudo ressalta a necessidade de uma visão mais abrangente sobre o skate, reconhecendo sua dimensão cultural e seu papel na cultura urbana contemporânea.
1. O Skate e a Cultura Urbana Uma Prática Multifacetada
As considerações finais destacam o skate como um fenômeno complexo dentro da cultura urbana, ultrapassando a simples definição de esporte. A pesquisa argumenta que o skate é uma prática que cria relações sociais significativas e promove uma ressignificação do espaço urbano. A paixão dos skatistas pela prática, observada na pesquisa, é analisada como algo que transcende o próprio ato de andar de skate, conectando-se a valores, identidades e formas de sociabilidade mais amplas. A pesquisa conclui que a prática do skate, como analisada na Trinda, oferece importantes insights sobre a cultura urbana contemporânea. A dificuldade em acessar informações oficiais sobre a história do skate em Florianópolis é apontada como uma contradição, visto a importância histórica da cidade para o esporte no Brasil. A complexidade do campo skatista e sua interdependência com outros campos sociais são ressaltadas, demonstrando que a compreensão do skate requer uma abordagem interdisciplinar.
2. O Campo Esportivo e a Marginalidade do Skate
A pesquisa destaca a posição marginal do skate dentro do campo esportivo mais amplo. Apesar de sua crescente popularidade, o skate ainda luta por legitimidade e reconhecimento dentro do sistema esportivo tradicional. A discussão se baseia nos conceitos de Bourdieu, que enfatiza a necessidade de uma análise histórica das práticas esportivas, para melhor compreender sua construção social. O texto observa que o desenvolvimento do skate tem sido marcado por interrupções e descontinuidades nos discursos que o cercam, evidenciando as disputas internas entre diferentes atores e instituições que buscam definir e controlar sua prática e imagem. A profissionalização de skatistas e o debate sobre o reconhecimento do skate como esporte olímpico são mencionados como pontos importantes para entender a complexa trajetória e as disputas de legitimidade presentes no campo esportivo relacionado ao skate.
3. Florianópolis a Sociabilidade na Trinda e a Pesquisa Qualitativa
As considerações finais reiteram a complexidade da pesquisa sobre o skate em um ambiente urbano como Florianópolis. A pesquisa destaca a necessidade de uma abordagem qualitativa, argumentando que a simples coleta de dados quantitativos não seria suficiente para compreender as nuances da sociabilidade e da cultura do skate. A escolha do skatepark da Trindade (a Trinda) como foco de estudo é justificada pela riqueza de relações sociais observadas no local. A pesquisa enfatiza a importância de entender o ethos skatista, seu desenvolvimento e a forma como ele se articula com o habitus dos praticantes, mostrando que o estudo do skate revela muito sobre as relações sociais e as dinâmicas da sociabilidade urbana. O texto conclui reforçando a importância de pesquisas futuras que aprofundem a compreensão da prática do skate, suas relações sociais, sua cultura, e seu impacto na cultura urbana.